A Este, é baralhar e voltar a dar

por fev 26, 2022

Com a NBA ‘de regresso’ para o último quarto da fase regular depois do fim de semana do All-Star Game (ou como os americanos dizem por alguma razão, a segunda metade da época), há sempre a sensação de que ‘isto começa mesmo é agora’. As trocas acabaram, as renovações interrompidas, as equipas estão no máximo a um buy-out de assumir a sua forma final, e todas as vicissitudes à volta dos franchises são postas em fila de espera. Agora é a doer, até ao fim, seja lá quando isso for.

A Conferência Este é a corrida mais aberta que me lembro de ver em muitos anos (talvez desde o Este do início dos anos 2000, com a saída de cena dos Bulls até à chegada dos Pistons), um pelotão de equipas fortes, algumas muito fortes, mas nenhuma de elite, e quase todas com falhas identificáveis. Talvez mais do que nunca, convém ter alguma memória curta em relação às conclusões que já tirámos sobre estas equipas, e tentar perceber exclusivamente o que valem para a restante época.

Para termos ideia da competitividade de que falo, se o top-10 do Este fosse colocado na outra conferência, estariam todas encaixadas entre o quarto e o oitavo lugares! É uma dispersão muito apertada, e é também difícil distinguir o que é ruído do que é tendência, quando a margem que separa muitas destas equipas é verdadeiramente mínima.

E foi neste top-10 que peguei esta semana: em princípio será este conjunto de equipas que entrará na postseason, antes da ronda de play-in tirar duas da equação. O objectivo foi fazer um power ranking de como vejo a posição relativa entre estas equipas – basicamente quanto mais acima estão, mais provável é eliminarem a sete jogos uma das que está abaixo – e perceber se Raptors ou Cavs nos reservam uma surpresa gigante, se os Heat repetem a brincadeira da ‘bolha’, se os Bucks fazem o ‘bis’… ou se vamos coroar o quinto campeão de conferência diferente em outros tantos anos.

“Sem outro criador não vamos lá”

10. Charlotte Hornets (Registos na Conferência em 2022: 10.º lugar, 10-14; -1.1 NetRtg)

9. Atlanta Hawks (8.º lugar, 12-12; +0.8 NetRtg)

8. Cleveland Cavaliers (5.º lugar, 15-8; +1.9 NetRtg)        

Os Hornets e Hawks são equipas siamesas naquilo que de bom e de mau oferecem: um criador primário como não há muitos (LaMelo/Trae), um extremo finalizador que precisa de ganhar mais valências no resto do jogo (Bridges/Collins), e defesas suspeitas, para ser simpático. O problema, claro, é quando a bola sai das mãos dos pequenos geniais. Na NBA moderna, e nos playoffs em particular, o sucesso ofensivo exige alguma variabilidade, contra-ataques para quando a defesa rejeita a intenção inicial, e para isso convém existir mais que um criador – não tanto para si próprio, mas para oferecer alguma continuidade colectiva à equipa. Sem Trae e LaMelo, as suas equipas são um deserto de ideias, caindo facilmente num iso-ball (Rozier/Bridges, Bogdanovic/Gallinari) em que a eficiência dos ataques cai a pique. Na defesa, e apesar de alguns sinais de vida dos Hornets nesse lado, estão ambas muito longe do nível exigido para voos mais altos para lá de Abril. Tendo que apostar, são as duas que deixo por terra no play-in.

Os Cavaliers insistem em não desaparecer do topo da tabela. Caiu Sexton, Rubio, mas apoiados no salto gigante de Garland e nas ‘twin towers’ mais modernas do mundo, os Cavs lá se vão orientando, com uma colecção rotativa na asa e um renascido Kevin Love (melhor sexto homem do ano?). O que esperar do que ainda falta jogar? Levert (surpresa) já está no estaleiro, e Garland está com um problema nas costas, que mesmo com algum descanso nas duas semanas que passaram, o obrigarão a falhar mais tempo. À semelhança das duas equipas anteriores, a ausência de criação além-Garland no perímetro não me deixa muito descansado, mesmo com um bom Levert, e sem estes dois deverá ser impossível – estão com dois jogos à maior sobre o sétimo lugar, e caso lá caiam os Cavs podem terminar em baixa uma época que começou (e continuou) muito bem.

“Nós somos alguma coisa, se souberem o quê, avisem-nos”

7. Toronto Raptors (3.º lugar, 17-8; +4.2 NetRtg)

6. Brooklyn Nets (13.º lugar, 8-19; -5.0 NetRtg)

E agora, para algo completamente diferente, duas equipas perfeitamente antagónicas. No momento que atravessam, na maneira como jogam, e nas expectativas que havia para elas. No virar do ano, os Raptors estavam 15-17 e os Nets 23-10; nem dois meses depois, os canadianos têm 2.5 jogos de vantagem sobre os americanos na luta pelo apuramento directo.

Os Nets, talvez mais que ninguém, vão começar uma nova temporada. À semelhança do ano passado, há talento de sobra para trazer um título, disso não há dúvida. Novamente, começa a fazer-se tarde para se encontrar uma equipa, e já se viu nos últimos playoffs que um super Kevin Durant e quatro rapazes ao calhas não vai chegar. São talvez a equipa desta Conferência com maior amplitude de possibilidades, mas ainda assim as casas de apostas consideram-nos como favoritos a ganhá-la. E lá está, é fácil de ver isso acontecer num exercício mental, que no campo está mais difícil… e a concorrência está mais pesada. E a precisar de ‘ses’ como ‘o Governador vai levantar as restrições’, ‘o KD volta a 100%’ e ‘o Simmons regressa, e no espaço de um mês está ao seu melhor nível’, tenho muitas dúvidas.

Já os Raptors pareciam ter comprometido esta época a uma de desenvolvimento dos seus atletas: entregar a offense a Vanvleet sem a ‘bengala’ Lowry, ver o que tinham em Barnes, a reabilitação de Siakam e a progressão de OG. Todos os testes foram passados com relativa distinção, e o resultado foi o encontrar de uma equipa: com FVV ao leme e quatro tipos que correm, com braços marcianos, e que defendem 4/5 posições, Nick Nurse montou uma equipa divertida, dinâmica, e que será uma dor de cabeça para quem aparecer à frente. Não haverá expectativas defraudadas em Toronto com o play-in, mas pode haver uma surpresa melhor.

“Temos óptimas razões para acreditar que ganhamos o Este”

5. Chicago Bulls (6.º lugar, 16-11; -0.3 NetRtg)

4. Philadelphia 76ers (2.º lugar, 16-7; +4.0 NetRtg)

3. Miami Heat (4.º lugar, 15-8; +4.9 NetRtg)

Os Bulls têm sido uma equipa muito difícil de analisar com justiça: sem Caruso, simplesmente não são os mesmos. Juntando a ausência de Lonzo Ball, simplesmente perdeu-se a identidade defensiva de uma equipa que gerava o caos nos perímetros dos adversários. Nem tudo foi mau, descobriu-se Ayo Dosunmu, um jogador de sinal mais na defesa que tem acumulado muitas noites de 40 minutos, e o reaparecimento de Nikola Vucevic, que tem sido nos últimos tempos o segundo melhor jogador dos Bulls. O melhor, claro, é DeMar DeRozan, que lidera a corrida a MVP, divisão dos norte-americanos – um jogador que está simplesmente a roçar a perfeição em todos os momentos do jogo ofensivo, e a tocá-la com as duas mãos no clutch. Mas mesmo contando com o regresso a 100% dos dois bases, é difícil imaginar os Bulls a enfrentar os colossos (leia-se KD, Giannis, Embiid) da Conferência quando terá que alinhar com quatro jogadores de estatura pequena e Vucevic (não propriamente um especialista). Entre a exploração que será feita a Vooch no bloqueio directo, e a deficiência nas tabelas, a tarefa parece ser demasiado grande para ser corrigida com a chegada de… Tristan Thompson. Custa a crer pela excelente temporada (e actual liderança do Este), mas há um cenário bastante realista em que os Bulls não chegam à segunda ronda. Que pelo menos tenhamos direito a isto nos playoffs:

Os Sixers olham para o que têm pela frente com a confiança de que isto pode ser o ano deles, e por que não? Com a ausência de Simmons, a equipa com o segundo melhor registo na Conferência em 2022 trocou essencialmente Seth Curry por James Harden na sua rotação. Nada mau. Embiid está, pelo segundo ano seguido a mostrar que é um dos dois ou três melhores jogadores do mundo, num campeonato completamente à parte (com Jokic e Giannis) quando somamos o impacto para a equipa em ambos os lados do campo. Tal como com os seus parceiros de troca, a época em Philly começa hoje, com a estreia de Harden. Como coabitarão ele e o camaronês? As fragilidades de Maxey e Harden na defesa serão colmatadas pela presença interior de Embiid, e este chegará com ‘gás’ ao final dos jogos? É Cauley-Stein a resposta para o render 12 minutos por jogo? Parecem ainda muitas perguntas para sair daqui um campeão, mas é um cenário não muito obscuro de imaginar. E se Harden e Embiid estiverem a 100% e na mesma página, ganhar quatro jogos aos Sixers não vai ser nada, nada fácil.

O que dizer dos Heat? Estão 38-21, com Bam a falhar 25 jogos e Jimmy Butler 19. O sexto jogador da equipa com mais pontos no ano é um rapaz chamado Max Strus, Dedmon lidera a equipa em ressaltos; caramba, o Haslem tem 57 minutos! Erik Spoelstra pegou definitivamente na coroa de Popovich como melhor treinador da liga, e isso é um ás de trunfo em altura de playoff. Em 2022 são já uma equipa de topo na conferência, e os seus pesos pesados estão a ganhar rodagem. O quarteto Lowry/Butler/PJ Tucker/Bam tem claramente defesa de título, podendo alternar a criação de Herro, o spacing de Robinson ou a largura defensiva com Caleb Martin. Há duas grandes verdades sobre estes Heat: nenhuma equipa tem demasiada confiança em poder ganhar-lhes, e eles não têm dúvida nenhuma que podem ganhar a qualquer um. Junte-se experiência ao melhor treinador da liga e a uma defesa de elite, e apostem contra os Heat por vossa própria conta e risco.

“Somos a melhor equipa desta conferência”

2. Milwaukee Bucks (7.º lugar, 12-11; +1.6 NetRtg)

1. Boston Celtics (1.º lugar, 18-7; +13.1 NetRtg)

Os Bucks, valha a verdade, não têm jogado grande coisa, tendo sido em 2022 uma equipa mediana na liga. Mas quando se tem o escudo de campeão, as coisas ganham uma perspectiva diferente. Eles sabem que são os melhores, porque o demonstraram – e a equipa é praticamente a mesma. O ano passado também não houve DiVicenzo nos playoffs, e este ano só agora Brook Lopez está a dar sinais de voltar. Há ainda Grayson Allen e Ibaka, e com eles razões para acreditar que esta equipa ainda é melhor que a do ano passado, não fosse o pequeno senão de ainda não o ter demonstrado. Com cada elemento do seu Big 3 a já ter falhado entre 11 e 16 jogos, dá a sensação de que os Bucks ainda não engataram mais que a quarta mudança, e tal como as pessoas se aborrecem do domínio de Giannis nos dois lados do campo nos últimos três anos, também se aborrecem com um campeão que não se tem destacado. Mas nós sabemos como a NBA funciona: quando um dos Grandes, e Giannis é um Grande, encontra o caminho até ao Larry O’Brien, normalmente passa a ser visita recorrente na hora da decisão, por isso deixo a sua possível eliminação antes de tempo nas vossas mãos: quem pára o grego?

Não estavam à espera desta, pois não? Bem, se calhar estavam, dado que os Celtics desde a trade deadline se transformaram na equipa da moda, e podem virtualmente escolher a métrica que quiserem: desde que o ano virou a página são de longe a melhor defesa da NBA e a que tem o melhor NetRtg. A diferença neste capítulo para os Heat (2.º no Este) é maior que a dos Heat para os 14.º Indiana Pacers, Tatum lidera a liga em Defensive +/-, Robert Williams III é o terceiro jogador da liga que melhor contesta lançamentos, Horford foi beber à fonte da juventude, Grant Williams está a transformar-se a olhos vistos num sósia do PJ Tucker com pernas mais frescas, Derrick White, Jaylen Brown e Marcus Smart oferecem a distribuição necessária, defesa de perímetro de elite e, para completar, são meninos para garantir 50-60 pontos à equipa sem ter muita coisa desenhada para eles. O que me está a falhar? Não sou o maior fã de Udoka, mas hey, o Bud é campeão! A criação colectiva podia ser melhor (mas é aceitável), têm dois jogadores que criam o próprio lançamento em qualquer posse de bola, e o seu top-6 pode fazer várias combinações de uma defesa de elite, e têm experiência – sim, convém lembrar que Brown já tem três finais de conferência e Tatum mais duas. Podemos ter-nos esquecido disso, mas eles não. E quando lá chegarem, talvez sejam os menos surpreendidos por isso acontecer, e consigam marcar encontro com quem aparecer de Oeste. Eles estão a tentar avisar-vos.

https://twitter.com/NBA/status/1496922880944197636?s=20&t=JR4hukUqAFS9dYqvo9wnQw

por LUCAS NIVEN [@lucasdedirecta]

Autor

Lucas Niven

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