A redenção dos Sacramento Kings

por dez 9, 2022

A história de sucesso mais improvável da NBA, a reboque de um fulminante ataque, está à procura de quebrar uma das maiores “secas” do desporto americano… Dezassete anos é muito tempo para esperar por algo.

Não é descabido ponderar se, em 2006, um De’Aaron Fox de apenas oito anos estava colado à televisão a ver os playoffs da NBA. Talvez tenha tido oportunidade de seguir a série entre a primeira e a oitava classificada equipas do Oeste, que resultou na eliminação dos Sacramento Kings em seis jogos perante os San Antonio Spurs.

Uma coisa é certa: quase 17 anos depois, Fox pode estar a uns meros meses de presenciar em campo o fim de uma ausência de aparências nos playoffs que assombra os Kings desde então.

A escolha do base como símbolo desse momento não é acidental. Os Kings dedicaram grande parte de 2022 a uma total reestruturação do plantel e Fox é apenas um de dois elementos do cinco inicial que já jogava em Sacramento no início da época anterior. O resultado é talvez a equipa sensação desta época, ultrapassando todas as expectativas e (ao momento de escrita) no quarto lugar da conferência. Os Kings são o quinto melhor ataque da NBA e uma das mais agradáveis experiências para qualquer audiência do desporto.

Uma tradição de transição

Sacramento encontrou sucesso numa estratégia que privilegia transição ofensiva rápida, sempre à procura de apanhar defesas desprevenidas. Nesta época, os Kings são a equipa mais rápida a efectuar um lançamento após um ressalto defensivo e são a segunda equipa com maior frequência do seu ataque a ocorrer em transição.

E seria de pensar que era uma escolha óbvia devido a Fox ser um dos jogadores mais explosivos em sprint da actualidade.

No entanto, de uma forma que revela a influência dos diferentes treinadores, os últimos anos dos Kings têm sido medianos no que toca a maximizar esta abordagem. Usando dados do CleaningTheGlass.com:

ÉpocaFrequência de Transição [Ranking]
2018-1919.6% [1º]
2019-2014.1% [19º]
2020-2114.8% [13º]
2021-2214.7% [15º]
2022-2318.7% [2º]

O ano no qual lideraram a liga foi quando o Dave Joerger levou a equipa à melhor classificação que obtiveram na última década antes de ser despedido em mais uma questionável decisão da gestão anterior dos Kings. Por outro lado, a inabilidade de conseguir uma época de destaque em jogo de transição ofensiva é um dos mais fortes sinais do falhanço do período de Luke Walton no comando.

Shooting e Geometria

Mas é no contexto de posses de bola no halfcourt, que a alteração do modelo foi uma total revolução. Após um par de rápidas e negativas experiências em Los Angeles e Cleveland, o tempo que Mike Brown passou longe do comando de uma equipa nos últimos seis anos como parte do staff de Steve Kerr em Golden State foi decisivo para moldar os princípios ofensivos que definem o sucesso actual de Sacramento. Registam neste momento o 3.º melhor rating ofensivo quando não atacam em transição e não há memória recente de este tipo de sucesso neste franchise:

Brown implementou um sistema moderno no qual há sempre pelo menos quatro jogadores que exercem pressão como ameaças de lançamento triplo. Mas não é só a capacidade de lançamento que “estica” o campo e permite criar pontos de stress num esquema defensivo – o efeito é reduzido se a defesa conseguir prever onde está cada ameaça. O segredo passa por movimento constante em múltiplas direções e por decisões rápidas.

Os Kings estão permanente à procura de diferentes acções com bloqueios fora da bola (incluindo levantar directamente o split-cut usado pelos Warriors), de ler a reacção de defesas para cortar na direcção oposta ou de usar um movimento inicial de ataque à paint para gerar um “afundar” da defesa e explorar essa vantagem com rápido movimento da bola.

A transformação radical é visível nos números. Por dados do stats.NBA, vemos os elementos de movimento e passe de forma muito mais marcada:

 Ranking em 2021-22Ranking em 2022-23
Passes por jogo19º
Potenciais assistências por jogo27º
AST%23º
Frequência de handoffs
Frequência de cortes
(Frequência de uma certo tipo de jogada refere-se a jogadas que terminam directamente a partir dessa acção)

Olhando para a frequência da localização dos lançamentos, vemos o quanto aumentou a dieta de triplos:

E se poderia parecer contraprodutivo reduzir tão drasticamente os lançamentos perto do cesto, o spacing gerado pela presença de tanta shooting levou a uma muito melhor qualidade de lançamentos no interior. Aliás, os Kings lideram a NBA em percentagem em lançamentos de dois pontos com 59.2%, exactamente devido a lançamentos abaixo da linha de lance livre.

É também Fox que tem mais beneficiado desta nova abertura do paint. Depois de um par de épocas em que pareceu estagnar, ele desenvolveu a confiança no seu lançamento a um ponto que os defesas não podem contornar os bloqueios por dentro como antigamente (36.6% de triplos é apenas a segunda vez que está acima da média da liga) o que abre ainda mais chances de atacar em velocidade – e as percentagens que está a conseguir perto do cesto são absurdas.

O base encontrou o seu ambiente ideal com uma criação de jogo mais comunitária e poder mais frequentemente receber ele a bola e atacar já em movimento ou usando a sua rapidez perante um campo muito mais aberto.

Sabonis, Sabonis e mais Sabonis

Não há como exagerar o quão central o poste lituano-americano é para o sucesso deste modo de jogo. Sabonis é reconhecido pela sua habilidade de criação do elbow e uma visão e precisão de passe muito acima do que se espera para alguém da sua posição. É esta habilidade de ler o jogo e agir como um hub central que gera frutos de todo o movimento do resto da equipa, não muito diferente do que o Draymond Green representa nos Warriors – algo que os Kings estão a explorar até ao seu limite.

E o próprio é capaz de começar a transição ofensiva:

É até frequente ainda na fase inicial do ataque o Sabonis ir procurar um shooter na ala e imediatamente executar um handoff rápido.

Sacramento lidera a NBA em handoffs por jogo e é apenas a 3.ª equipa nesta métrica a ter uma média superior a 10 instâncias desde que há dados públicos (começando em 2015-16). Olhando para o top-20 de utilização destas jogadas para a criação de um lançamento, há três jogadores de Sacramento – Huerter, Fox e Monk. Isto só é possível devido a quão elite o Sabonis é em acções de bloqueio: Ele combina estar em 3.º em screen assists por jogo, apenas atrás de Steven Adams e Wendel Carter, e 1.º em pontos gerados por estas com uma AST% (percentagem de lançamentos concretizados que ele assiste durante o seu tempo em campo) que está apenas atrás do Jokic e o LeBron para jogadores considerados como bigs pelo CleaningTheGlass.com.

O que o Sabonis consegue trazer, e que não é possível com o um Draymond Green, é uma válvula de escape para qualquer posse de bola que esteja à beira de terminar sem as típicas acções terem sucesso. Sabonis é um talentoso jogador no low post e consegue usar tanto o jogo de pés como força bruta para marcar ou forçar a defesa a vir ajudar:

Aliás, de momento, a concretização de 79.8% em redor do cesto e as 6.1 tentativas de lançamentos livres por cada 36 minutos são as melhores marcas da sua carreira.

Perfeitas peças complementares

Uma estratégia fluída, com grande espaço para improviso por parte dos jogadores e onde a bola não “cola” nas mão de nenhum membro da equipa, necessita de jogadores com características adequadas. E muito mérito tem de ser dado à construção de plantel por parte do front office por reunir um conjunto de jogadores com rapidez de decisão, de disponibilidade de movimento e de contribuição longe da bola.

Malik Monk continua o que já tinha demonstrado nos Lakers no papel de spark plug saída do banco que também é capaz de servir como um criador de jogo complementar; Barnes continua a ser capaz de atacar com a bola na mão de forma sólida e gera inúmeras vantagens perante o típico extremo; Keegan Murray já tinha mostrado a sua aptidão para jogar fora da bola e a sua capacidade de finalização como promessa antes de ser drafted este ano; Terence Davis nunca conheceu uma oportunidade lançamento que não gostasse…

Sacramento tem três jogadores complementares acima do 80º percentil de True Shooting relativamente à respectiva posição na presente época.

(Nota: PSA é a mesma coisa que 2x TS%)

Mas é Kevin Huerter em particular que se tem destacado. O “Red Velvet” sempre mereceu mais apreço pela contribuição que consegue fazer como conector através de passes em movimento e até na ocasional pick and roll. Mas encontra-se a ter um ano irrepreensível como shooter e nos seus primeiros 17 jogos concretizou 49.6% das suas 7.4 tentativas por jogo! A sinergia que apresentou de imediato com Sabonis é notável e Huerter lança mais directamente de handoffs que qualquer outro jogador na liga ao mesmo tempo que tem uma média de 1.28 pontos por cada handoff – a milhas de qualquer outro jogador de volume comparável.

O papel dele estende-se de muitas formas a uma versão lite de um Stephen Curry: Huerter recoloca-se imediatamente após libertar a bola, está perpetuamente à procura de aberturas e também é usado no contexto inicial de Spain pick and roll, na posição responsável pelo backscreen.

Nesta jogada ele faz um bloqueio inicial para um companheiro no weak side e depois corre ele próprio à volta de um outro bloqueio, seguido de um handoff com o Sabonis.

É esta incansável ameaça multi-dimensional que o ex-parceiro de Trae Young nos Hawks representa quando numa situação que utiliza mais movimento, tanto de jogadores como da bola. Se há tantas aberturas para atacar o cesto forçadas pela movimentação ofensiva, Kevin Huerter é o maior factor de caos que as gera.

Um modelo sustentável

É justo questionar se o que estamos a assistir se trata de uma boa fase ou se é algo sustentável para além deste início de época, mas os sinais são geralmente positivos. Loc eFG% mede qual a esperada eficácia de lançamentos baseado apenas na localização das tentativas (assumindo uma eficácia média para um dado local) e os Kings realmente mostram uma subida no ranking comparado com o ano passado: de 22.º para 16.º. E se é difícil acreditar que a 2P% se mantenha tão destacada do resto, há outros indicadores que podem ajudar a mitigar essa regressão. O caso mais óbvio é que apesar de múltiplos lançadores de qualidade, os Kings parecem ter algum “azar” em triplos nos cantos – presumivelmente os mais perigosos –  ao terem a segunda pior percentagem de concretização.

Com o principal factor de sucesso tem sido o ataque, não houve até agora um foco para explorar a defesa. Mas a capacidade de criar disciplina defensiva é a base da reputação de Brown e é inquestionável que, nem sempre com os melhores resultados, o esforço tem sido constante. Assiste tempo suficiente a jogos dos Kings e encontras a ocasional posse de bola com a perfeita conjugação de comunicação e rotações de início ao fim.

Sabonis não é particularmente atlético ou ágil em rotação de ancas, portanto fica quase sempre abaixo do nível de um bloqueio para proteger o interior enquanto o base procura garantir apenas que o triplo não é uma opção e um dos alas (tipicamente o Barnes) assegura uma rotação nas costas do poste. Desta forma, temos uma defesa que principalmente concede lançamentos na zona intermédia:

Têm apenas o 17.º melhor rating defensivo mas também são bons sinais de estabilidade e disciplina que os Kings estão ligeiramente acima da média a evitar faltas que resultem em lançamentos livres e são a melhor equipa em termos de percentagem de ressaltos defensivos.

Trata-se assim de uma defesa relativamente conservadora, que evita faltas e posses de bola extra para o adversário enquanto apenas facilita o tipo menos eficaz de lançamento. Se é algo que se prevê como suficiente para ir longe nos playoffs? Talvez não. Mas é uma receita que garante competência durante uma longa época e a verdade é que os Kings andam a subir nos rankings: Eram uma das piores defesas há um mês, quando os adversários estavam a concretizar do midrange de forma insustentável.

Uma última prova de confiança: nas últimas duas semanas, o ataque tem tido mais problemas mas a defesa tem sido a segunda melhor da liga, com um rating de 106.8 por 100 posses de bola!

Podemos ser frios e reconhecer que os Kings dificilmente vão acabar entre as 4 ou 5 melhores equipas da conferência… Mas isto representa uma possível redenção não só para uma cidade de leais e famintos apoiantes mas para as várias figuras que constituem esta equipa: um base que tinha “saído de moda” nas discussões de talento jovem, um par crucial de jogadores que foi trocado para fora das suas equipas anteriores e um treinador há muito atrás de uma nova chance.

Este ano começou novamente com baixas expectativas e no presente momento é o consenso da comunidade de fãs que os Kings irão conseguir novamente poder jogar basquetebol em Maio! Isto é realmente altura de ficar a apreciar a jornada – o facto de o estarem a fazer com um dos estilos de jogo do mais excitantes no continente só torna tudo mais belo.

Light the beam!

por MARTIM PARDAL [@MEmpire25]

Autor

Martim Pardal

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