Agradeço, e nunca será o suficiente

por out 7, 2017

Acordavas-me às 7h, descíamos as escadas, abríamos a porta para o quintal e lá começava eu: 1, 2, 3… 40, 41, 42… 100, 101 e por aí fora. Trinta a quarenta minutos de lançamentos antes da escola. “A esta hora, há alguém no mundo que está a trabalhar mais do que tu!”, dizias-me.

Nunca fui de pedir nada. Mas vocês davam. Davam tudo para me verem feliz. Nem por um momento me perderam o rasto. Fossem quais fossem as circunstâncias, sabia que estavam ali. Orientavam-me, aconselhavam-me, entregavam-me as ferramentas para que eu, sozinho, tomasse as minhas próprias decisões, fizesse as minhas próprias escolhas. Sei que deram o vosso melhor.

Medicação, precisa-se…

Desde cedo foi-me diagnosticada asma e, de vez em quando, lá íamos nós às urgências. Grande treta! “O menino não é como os outros. Não pode praticar tanto desporto” Maravilhosas teorias da velha guarda… Mas vocês olhavam para mim e diziam que eu podia ser tudo aquilo que quisesse ser. E eu acreditei em vocês.

No intervalo da escola primária, saías do trabalho e vinhas dar-me a medicação. Lembras-te, não é? Eu descia do “campo da bola”, todo suado e vermelho que nem um tomate, umas vezes contente, outras… Ui! Danado, furioso por ter perdido. Perder? Nem a feijões! Que coisa é esse de “o que conta é participar?” Quero ganhar sempre, ora! De trombas, passava por ti e… nem ai, nem ui. Como se tivesses culpa… Ainda assim, agarravas-me, limpavas-me a cara e davas-me a medicação.

“Jogas futebol? Chamas-te Eusébio? Não? Então não és estrela nenhuma, pah!”

Quantas e quantas vezes me disseste isto? Estavas a preparar-me para aquilo que a vida viria a revelar. Foste desportista e sabias do que falavas. Hoje digo-vos: preparem-se! Vão cair… Vão perceber que não são mais do que uma gota no oceano. Vão pensar “Porquê a mim?” Acreditem que é com trabalho e dedicação que nos voltamos a levantar. Sempre deixaste isso tão claro… mas nós temos sempre que sentir o sabor amargo da derrota e da frustração, não é? Parece que só assim aprendemos. Maldita adolescência!

Acordavas-me às 7h, descíamos as escadas, abríamos a porta para o quintal e lá começava eu: 1, 2, 3… 40, 41, 42… 100, 101 e por aí fora. Trinta a quarenta minutos de lançamentos antes da escola. “A esta hora, há alguém no mundo que está a trabalhar mais do que tu!”, dizias-me. Às 8h, ela levava-me à escola, sempre com a mania das pressas: “Anda, Tomás! Come, Tomás! Vamos chegar tarde! Os teus irmãos?” Que se lixe, era a escola… À tarde, lá vinha ele com os problemas de matemática para resolver. Ela estudava comigo e, ao mesmo tempo, embirrava com a minha caligrafia horrível – nota da professora: “Cuidado com a letra”. E por volta das 19h30 chegava o momento alto do meu dia: o treino.

Me voy a Madrid!!!

E lá vieram eles. Sete horas de viagem para vos convencer a deixarem-me ir. Vocês só tinham que garantir as condições. A decisão cabia-me a mim. Tinha apenas 16 anos e o que parecia ser já ali ao lado veio a revelar-se distante. Ela chorava. Ele, entusiasmado por fora, sofria por dentro.

Dizem que “de Espanha nem bom vento, nem bom casamento”. Pois bem, de Madrid chegava o pior dos diagnósticos: rutura do ligamento cruzado anterior do joelho direito. No meu segundo ano na capital espanhola, o mundo parecia cair sobre mim. Comigo, do início ao fim, lutaram juntos durante seis longos meses, naquela que parecia ser a minha maior batalha.

Regressei em Setembro e, a pouco e pouco, sentia-me melhor, mais confiante, mais solto. De águia ao peito. Estava feliz!

Até que… Outra vez? O mesmo? Rutura? É verdade…

Ligaste-me e, no teu tom calmo e sereno, enquanto eu soluçava de desespero, disseste-me que havia um mundo para além do basquetebol e que eu não precisava de passar por aquilo outra vez. Eu quis! E assim foi. Acordei da operação e estavas lá tu, à minha espera, para me levar para casa. Ela aguardava-nos de braços abertos. Juntos para mais uma batalha e – esta sim! -, foi a mais dura de todas.

Hoje…

“Talvez mudasse isto… Talvez tivesse feito diferente…” Não! Foi como foi. Se estou a viver o meu sonho, é porque vocês o permitiram. Gostava de conseguir agradecer, mas não existe uma palavra que resuma tudo o que tenho para vos dizer. Todas as minhas conquistas profissionais e todas as minhas realizações pessoais têm a vossa marca. O passado e as circunstâncias, os encontros e os desencontros, as frustrações e as alegrias, as perdas e as conquistas e – claro está – vocês fizeram de mim o que sou hoje. Uma transformação constante e inacabada, mas que vos deixa extremamente orgulhosos. E é isso que quero que tenham. Quero que tenham orgulho em mim.

por TOMÁS BARROSO

Autor

Tomás Barroso

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