Como Spoelstra contrariou as ausências

por jan 13, 2022

Erik Spoelstra voltou a fazer das suas. Os Miami Heat são, no momento em que escrevo, segundos no Este, dois jogos atrás dos Chicago Bulls. Isto depois de, em dezembro e janeiro, terem realizado já 15 jogos sem as duas maiores estrelas: Jimmy Butler e Bam Adebayo. Nos jogos em que ambos não jogaram, os Heat conseguiram um recorde de 11-4 e estão, pela primeira vez na temporada, onze jogos acima das 50% de vitórias.

A equipa de Spo é a única presente no top 6 em offensive e defensive rating na NBA. Sem as maiores estrelas, os Heat são obrigados a usar a força coletiva e saltaram para terceiros na liga em Assist % (percentagem de pontos marcados que vêm de assistências), mesmo depois de serem obrigados a assinar contratos de 10 dias com cinco jogadores, devido a lesões e covid. Naquela que é talvez a melhor temporada em termos de desenvolvimento de jogadores na história do franchise, vamos tentar realmente perceber quais são os segredos.

Kyle Lowry

A contratação do ano para os Heat, que veio oferecer muito do que faltou na temporada passada: playmaking e defesa no ponto de ataque. Dragic e Nunn eram marcadores de pontos com claras deficiências defensivas, enquanto Lowry procura envolver toda a equipa e é um defesa muito capaz (líder em faltas ofensivas ganhas). Lowry é a base (e o base) do que os Heat conseguem fazer sem as suas duas maiores estrelas.

A capacidade de Lowry para ler defesas e encontrar os colegas em melhor posição não pode ser desvalorizada. O base inicia todos os jogos com um objetivo muito claro: envolver os colegas primeiros, marcar depois. E consegue fazê-lo porque gera uma gravidade enorme à sua volta, atraindo defesas em todos os momentos.

O rei das charges na equipa que mais as ganha na NBA. Principalmente contra jogadores mais jovens, para quem o jogo ainda é muito rápido, Kyle aproveita para ganhar a posição e “sacar” a ofensiva. Consegue sempre ler a jogada antes desta acontecer e colocar-se no sítio correto.

Numa equipa remendada, em que boa parte dos jogadores nem fariam parte da rotação no início da época, o ataque pode tornar-se complicado perto do fim dos jogos, quando a defesa aperta. E por isso é tão importante ter um jogador com a experiência de Lowry nesses momentos, que consegue pegar na bola e criar sozinho. Ele continua a encontrar os colegas, principalmente quando a defesa se fecha nele, mas é no quarto período que Kyle sabe que tem de assumir um pouco mais.

Tyler Herro

Herro é, muito provavelmente, o maior candidato ao prémio de 6th Man of the Year neste momento. Com médias de 20.7 pontos, 4.1 assistências e 5.1 ressaltos (tudo máximos de carreira), com mais minutos e mais tentativas de lançamento, Herro assumiu-se como um jogador chave para Spoelstra. Saindo do banco, é o poço de energia que a equipa precisa e tem correspondido às responsabilidades colocadas em cima dele.

Numa equipa que prima pelo movimento da bola, Herro é aquele que mais marca criando para si próprio. O grau de dificuldade em muitos dos seus pontos é extraordinário, usando um controlo corporal, fundamentos bem trabalhados e essencialmente uma boa base para colocação do corpo e aproveitamento da força criada. A ascensão de Herro a maior arma ofensiva está em marcha e o crescimento é claro.

Herro é o segundo jogador da equipa em percentagem de pontos marcados sem assistência e o terceiro da equipa em assistências. Com máximo de carreira em assistências, isto significa que Herro é um dos principais criadores da equipa e que o esquema de Spoelstra leva a isso, não que ele seja um jogar egoísta. Aliás, a presença de Kyle Lowry terá certamente ajudado à subida no número de assistências. A maneira como Herro já consegue manipular e ler defesas, trazendo até si os defensores, enganá-los e colocar a bola onde quer, é muito encorajadora e um excelente sinal para o futuro.

PJ Tucker

Campeão pelos Bucks no verão passado, não demorou muito a assinar pelos Heat. Estranha só ter chegado a Miami, principalmente sendo alguém que Pat Riley sempre gostou. Encaixa como uma luva nesta equipa e em todo o ambiente destes Heat. Mas hoje, vamos fugir um pouco à sua defesa, sobejamente conhecida, e focar-nos no que faz ofensivamente.

Spoelstra confia na experiência de Tucker e usa-o como iniciador de ataque, principalmente agora sem Jimmy e Bam, para reduzir o trabalho a Lowry. E Tucker corresponde de uma maneira surpreendente. Tem leitura de jogo para perceber timings de passe e entregar a bola ao jogador certo, principalmente a partir do passe mas também após bloqueio direto.

Algo que já fazia, mas acabou por aumentar o número de tentativas. PJ Tucker dobrou o número de lançamentos perto do cesto desde os seus tempos em Milwaukee (e Houston). Deixou de ser alguém que lançava exclusivamente do canto e passou a arriscar mais vezes a ida para o cesto, com um floater muito eficaz. As suas tentativas de 2 pontos, que nunca chegaram a ser 30% dos seus lançamentos, chegaram aos 39% esta temporada e a liberdade dada por Spoelstra tem uma influência grandes nesses números.

Caleb Martin

Um dos melhores contratos 2-way na história da liga. Os Heat adquiriram Martin e ele correspondeu imediatamente. O seu lugar na rotação é uma garantia, assim como a sua importância para a equipa. Depois de ser dispensado dos Hornets, acabou em Miami e tem saído a maior surpresa da temporada. A fazer médias de 23 minutos, 9.2 pontos, 3.8 ressaltos e a lançar 50% (tudo máximos de carreira), Martin é um valor seguro nesta equipa, tanto a 3 como a 4.

Spoelstra sempre gostou de extremos com capacidade para defender no ponto de ataque. Mais recentemente, Caleb Martin criou problemas a bases como Stephen Curry, Chris Paul e Trae Young, usando a sua energia e ferramentas físicas. Faz lembrar um pouco aquilo que Derrick Jones Jr. oferecia defensivamente, dando uso a uma capacidade atlética fora do normal para perturbar os portadores da bola.

Do outro lado do campo, não sendo um portento técnico, a equipa de Miami consegue tirar o melhor de Martin. Velocidade, explosividade e constante pressão no cesto. O facto de também conseguir atirar de fora (36.8% em 2.8 tentativas por jogo) obrigam a defesa a estar mais próxima e abrir espaço nas costas, onde Caleb gosta de aparecer.

Omer Yurtseven

A sua produção na G-League e Summer League faziam prever que havia ali algo de interessante, mas ninguém esperava que o impacto de Yurtseven fosse tão repentino. Principalmente após um início de época complicado em que não correspondia quando era chamado. Porém, com as lesões de Bam e Dedmon, foi chamado ao papel principal e isso também parece ter dado a confiança que o turco precisava. Os Heat são quintos na liga em Defensive Rebound % (percentagem dos ressaltos disponíveis ganhos pela defesa) e Omer, segundo da equipa em ressaltos, muito contribui para isso. Especialmente nos últimos jogos, com o poste numa série de doze jogos consecutivos com 10 ou mais ressaltos.

Yurtseven é muito bom a ler o que fazer pós-bloqueio e ainda melhor a fazer o trabalho de ressalto antes da bola sair da mão do lançador. Mostra-se sempre disponível para receber e sabe como usar o corpo para garantir a melhor posição possível. A finalização perto do cesto ainda é algo irregular, mas vai pendendo na direção certa.

O maior problema no início da temporada vinha do lado defensivo. Muita dificuldade para mexer os pés, era facilmente ultrapassado. Para além de ter melhorado essa parte do seu jogo, Spoelstra coloca-o em posições onde pode criar mais problemas ao ataque, defendendo em drop e protegendo o cesto, onde a sua altura e envergadura causam sempre dificuldades a quem finaliza.

Os atiradores

Uma das adaptações mais claras quando Spoelstra perdeu as duas estrelas, foi adaptar-se àquilo que havia. E o que há muito em Miami são atiradores. Os Heat aumentaram o número de tentativas sem Bam e Jimmy, porque quase toda a gente em campo sabe atirar, tem menos capacidade para atacar o cesto e porque a rotação da bola também leva muitas vezes a isso mesmo.

Duncan Robinson é nono na NBA em lançamentos de 3 pontos convertidos e sétimo em lançamentos de 3 pontos tentados. O jogo dele baseia-se na procura pelo triplo e as defesas são geralmente atraídas para ele, pelo perigo que representa. Depois de um início de temporada algo ineficiente, Duncan começou a subir de produção e a voltar ao seu normal, com mais oportunidades para lançar após handoffs e bloqueios e menos lançamentos estáticos.

Mais um jogador a produzir bem acima do seu contrato, Max Strus assinou este ano um contrato a tempo inteiro, depois de ser 2-way na temporada passada. Strus está a lançar 42% de 3 pontos, em 6.3 tentativas por jogo. Menos móvel e mais robusto do que Duncan Robinson, Strus pode ser colocado em campo para desempenhar as posições 3 até 4, oferecendo espaçamento. Tem também capacidade para colocar a bola no chão e atacar o cesto, sendo mais um atirador spot up do que em movimento.

Na mesma situação de Max Strus, Gabe Vincent saltou para a rotação dos Heat devido à sua defesa e uma muito maior capacidade de ter bola e iniciar o ataque. Ainda assim, é no lançamento exterior que acaba por se destacar, após passe e já com alguns flashes de criação do próprio lançamento. Vincent está a lançar 4.4 vezes por jogo a 38.4% (máximos de carreira), sendo que nos últimos 10 jogos, a percentagem sobe para os 41.2%.

O desenvolvimento principal está em todo o restante jogo ofensivo, mas Tyler Herro não desaprendeu a lançar de fora. Aliás, está a lançar 38.3% (perto dos 38.9 da sua primeira época) mas num volume muito maior. Para além disso, muitos dos seus lançamentos de 3 já vêm da sua própria criação, após drible, o que mostra mais um pouco de crescimento.

Esta é a pior época em termos de percentagem de triplos marcados para Lowry desde 2009/10. O que o base traz ao jogo dos Heat vai muito para além disso e o seu lançamento exterior acaba por não ser necessário, mas Kyle ainda consegue oferecer capacidade no tiro exterior em momentos chave.

O rei do lançamento do canto, PJ Tucker está a lançar 46.6% de 3 pontos esta época. Um máximo de carreira claro (seis pontos percentuais a mais relativamente ao máximo anterior). Tucker aproveita o movimento da equipa e a gravidade criada pelos seus colegas para atirar completamente sozinho. E se for do canto direito, melhor ainda.

Defesa zona

Algo que começa a ser hábito nas equipas de Erik Spoelstra. A zona dos Heat é agressiva, tem sempre altura colocada na frente e é bastante… esporádica. Sim, embora empregue com sucesso, a defesa zona aparece em situações pontuais do jogo, tal como a pressão a campo inteiro. Assim, a equipa dos Heat obrigam os adversários a estarem alerta, em vez de relaxarem sabendo o que a defesa tem preparado.

O trabalho feito este ano é um excelente testamento ao valor de Erik Spoelstra e ao staff técnico dos Miami Heat. O treinador, duas vezes campeão da NBA, teve dois percalços com os quais teve de lidar (as lesões de Butler e Adebayo) e teve de escolher. Ou mantinha o plano de jogo ou adaptava aos jogadores que tem no plantel. A ideia principal está lá: pressão defensiva forte e um jogo ofensivo pensado. Mas em vez de viver da capacidade de criação com bola dos jogadores que tinha e deixou de ter, privilegiou o movimento da bola e o movimento dos seus jogadores fora da mesma.

Um aspeto interessante enquanto preparava os vídeos para este artigo foi perceber que, em cada secção, encontrava partes de outras secções. Desde a gravidade de atiradores e penetradores ao extra passe ou o playmaking dos vários jogadores que costumam estar envolvidos nessa parte do jogo. Tudo isso é a prova de uma máquina bem oleada e de um trabalho técnico e tático muito forte.

por ANTÓNIO DIAS [@antoniodias_pt]

Autor

António Dias

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