Duelo de Titãs a Oeste: o Golias anunciado contra o David inesperado

por maio 16, 2023

Está lançada a final da conferência Oeste, e é uma reedição daquela a que assistimos na ‘bolha’ de Orlando, em 2020. Nuggets e Lakers afastaram dúvidas e críticos ao ultrapassarem com relativa facilidade adversários que se adivinhavam difíceis: não faltava quem apostasse que Devin Booker e Kevin Durant seriam suficientes para fazer vacilar a defesa dos líderes da fase regular, ou que os ainda campeões em título Golden State Warriors tinham uma Last Dance dentro deles, na qual os Lakers – vindos do play-in – seriam vítimas.

Tal não aconteceu, e temos agora frente a frente mais um contraste de estilos: um ataque maravilhoso, que atinge um tecto que mais nenhum conseguiu nesta edição do campeonato, contra uma defesa que se especializou em tirar o que o adversário faz melhor, sufocando seja o lançamento exterior ou interior, obrigando os ataques a recorrer a soluções que não desejam. Como certamente já repararam, a identidade de ambos os finalistas está fundamentalmente assente no perfil dos seus melhores jogadores, que por acaso ocupam a mesma posição em campo, e por onde qualquer análise a esta série deve começar: Nikola Jokić e Anthony Davis.

O poste sérvio, de regresso à final do Oeste depois de duas campanhas de MVP em que um plantel cheio de lesões nos impediu de o vermos chegar mais longe, parece estar a agarrar firmemente o estatuto unânime de melhor jogador ofensivo do planeta. Ninguém marca de forma mais eficiente a este volume, ninguém passa melhor a bola, ninguém torna a vida dos colegas de equipa mais fácil no ataque. Está com média de praticamente triplo-duplo com 30 pontos, e a jogar o melhor basquetebol da sua carreira na altura mais importante da sua carreira. Como é que os Lakers o pararão? Bem, ter Anthony Davis a comportar-se como o melhor defensor do planeta ajuda, certamente. Há mérito de Rob Pelinka nas trocas que fez, não necessariamente pelo talento, mas pela profundidade e versatilidade que trouxeram ao plantel. Mas a equipa chega até esta fase porque AD redescobriu a sua melhor forma; se alguém consegue abrandar Jokić, é ele. Mas será essa a melhor opção, tentar a defesa 1×1? E do outro lado, por que razão ninguém se pergunta de o sérvio consegue parar AD, quando o interior de Denver foi tão questionado o ano inteiro? Mais, irá Jokić ser encarregue desse matchup a tempo inteiro, podendo ser explorado e acumular faltas? Veremos.

Quando os Nuggets tiverem a bola

Há essencialmente duas correntes de pensamento sobre como parar Jokić e os Nuggets: defender o poste no 1×1, e deixá-lo ser um marcador de pontos e limitar a restante equipa, ou trazer a ajuda no tempo certo e obrigar jogadores inferiores a tomar decisões difíceis. A minha expectativa é que os Lakers começarão a série com Vanderbilt no cinco inicial, por gostarem da sua defesa, para testar as águas, embora nem me pareça a melhor opção. Se isto acontecer, Anthony Davis será colocado no sérvio. Irá Vanderbilt ser utilizado por Darvin Ham em Jamal Murray, como foi o caso com Luka Doncić ou Ja Morant, numa tentativa do seu comprimento importunar o canadiano? 20% das acções ofensivas dos Nuggets envolvem um lançamento vindo dos homens que estão no bloqueio directo, e são literalmente a melhor equipa da liga em ambas as opções: 1.11 pontos por posse de bola (PPP) quando é o portador da bola a lançar (quase sempre Jamal Murray), 1.21 PPP quando é o bloqueador (claro, o ‘Big Honey’). É um jogo de bloqueio directo não convencional, onde uma espécie de jazz improvisado entre sérvio e canadiano utiliza dribles de hesitação, olhares, simulações com a cabeça, meios passos para o lado, tudo para melhor temporizar e encontrar ângulos de passe e corte numa química quase inatingível por outra qualquer parelha na liga. Anthony Davis, que deverá entrar na série no seu high drop mais conservador, esperando por Jokić a partir da linha de lance livre, poderá beneficiar da envergadura e actividade defensiva de Vanderbilt para importunar a dinâmica adversária; a capacidade de Vando em conseguir combater os bloqueios massivos do ex-MVP serão essenciais – é possível que abra a série a passar por baixo deles, oferecendo o triplo a Jamal, especialmente em condução para a direita onde apresenta eficiências bem menores. Os Lakers cederam apenas 0.79 PPP ao portador da bola em bloqueios directos, melhor que 87% da NBA, um excelente sinal para este confronto. Se Vando não estiver à altura, ou se os seus minutos forem diminuindo ao longo da série (suspeito que sim), veremos Dennis deste papel, ele que vem de desempenhar a tarefa com competência frente a Steph Curry.

Quando Jokić estiver no poste médio e baixo, é entrar numa câmara de tortura: os Nuggets marcam 1.15 PPP nestes lances, melhor que 93% de toda a NBA. AD, por muito bom que seja, conseguirá apenas limitar o sérvio, quando este atacar, e tem de evitar entrar em problemas de faltas. Aqui, o essencial será controlar os tempos de ajuda, e ter critério ao fazê-lo: Jokić no poste tem o condão de lentamente puxar a defesa toda para si, colocando todos os olhos e atenção no que vai fazer. Quando chegar o dois contra um, ele já seleccionou o melhor passe, é muito difícil fazê-lo errar aí, e o jogo que os Lakers terão de jogar é o de minimizar os cortes de Aaron Gordon e Bruce Brown, e limitar os triplos de Michael Porter Jr. e Kentavious Caldwell-Pope. Mais fácil dito que feito, mas a série, a ser ganha pelos Lakers, será feita nestas pequenas escolhas, fazendo valer uma das melhores defesas da linha de três pontos desde fevereiro.

Outra estratégia que deverá ter minutos é a de colocar outro homem em Jokić, na tal tentativa de o transformar num marcador de pontos, e ‘secar’ o restante jogo dos Nuggets: Hachimura (e não Vanderbilt, por ficar a dever muitos quilos e centímetros ao sérvio) afigura-se como uma solução interessante, ficando AD com Gordon, e, portanto, mais livre para patrulhar o pintado, e LeBron temporizando ajudas do lado fraco, onde estará com Porter Jr.. Depois de ter sido uma das figuras contra Denver e praticamente ter desaparecido da rotação contra os Warriors, pode ser uma série com contribuições importantes do japonês. D’Angelo Russell será ‘escondido’ em KCP para começar, mas a sensação é de que a actividade defensiva de Schroeder resultará – pelo menos – numa repartição de minutos entre os bases.

Quando os Lakers tiverem a bola

No frontcourt não haverá muito que enganar, e os Nuggets começarão com Jokić em AD e Aaron Gordon em LeBron James; aqui, AG tem um tamanho bastante interessante para tentar tornar LBJ o mais possível num lançador que ocupa áreas de perímetro do que em alguém que consiga soluções de penetração. Depois, enfrentam a primeira decisão: que dois jogadores colocarão nos criadores de Los Angeles? Sabemos que KCP será um deles – provavelmente em D’Angelo Russell – e deverá ser Murray colocado em Reaves, ‘escondendo’ MPJ em Vanderbilt; Malone provavelmente gostaria de poder fazer descansar o seu base em Vando, mas é muito arriscado ter Porter Jr. a defender o ponto de ataque (apesar das tímidas melhorias defensivas noutras áreas). Se os Lakers optarem por tirar Vando por um de Schroeder/Hachimura (ou Lonnie), a coisa pode complicar-se para Denver; adicionar um elemento extra de criação/lançamento no perímetro de LA pode desequilibrar a defesa de Denver no exterior – e apesar da má fama da malfadada defesa interior dos Nuggets, é essencial perceber que muitas vezes é exponenciada por um perímetro extremamente permeável em penetrações, apanhando-se em desvantagem. Um LeBron com iniciativa no bloqueio directo é o pior pesadelo de Denver: Gordon não tem capacidade para combater o bloqueio de AD em tempo útil, e Jokić tem de sair ao portador da bola em zonas exteriores, a partir daí, os Nuggets terão de ser muito disciplinados nas suas rotações para o efeito dominó não resultar em desastre.

A melhor estratégia dos Nuggets será anularem a pressão que os Lakers gostam de colocar no aro. Isto foi algo em que foram extremamente eficientes a fazer na série anterior, tirando máximo proveito pelo apetite e tendência natural de Booker e KD pelo midrange; será muito mais difícil contra LeBron e AD, que colocam muita pressão no pintado adversário, e que são a equipa que vai mais frequentemente à linha de lance livre desde que fizeram as suas trocas. Os Nuggets não são tão maus como os Warriors nesse capítulo, e deverá ser um ponto de atenção para Denver. No perímetro, Christian Braun será importante quando sair do banco, uma vez que terá de se juntar a KCP e ter uma grande série defensiva a combater as penetrações de LA. Bruce Brown é outro que, faltando-lhe algum tamanho, ajudará em vários momentos defensivos e é possível que, se o tiro de MPJ não estiver a cair, Malone tenha uma trela curta com o atirador e dê progressivamente mais minutos a um dos melhores 6th men do campeonato. A atenção no perímetro ganha redobrada importância quando descobrimos que o modesto ataque dos Lakers apenas marca mas de 1.00 PPP em dois tipos de jogada a meio-campo: putbacks (onde são dos melhores da Liga, mas toda a NBA é eficiente neste playtype) e… spot up (1.12 PPP), ou seja lançamentos sem drible criados por colegas: quando LeBron e AD ganharem as suas vantagens, quando Jokić tiver de fazer o seu hard show para impedir penetrações, é fundamental os elementos do perímetro de Denver não se perderem.

A série vai decidir-se…

Nos triplos, na transição, e nos bancos. Bem, basta de falar dos postes, apesar de começar aí a decisão, logicamente. Ou melhor, continuemos a falar deles, noutras áreas do jogo: a eficiência dos seus jogos irá ditar muito do comportamento das equipas em transição, e esta época os Lakers têm sido medíocres na ofensiva e defensiva – os Nuggets, por sua vez, são uma das melhores equipas no contra-ataque (1.19 PPP, percentil 93) mas uma das piores a defendê-lo (1.23, p-13%). Cada vez que Jokić for forçado a decidir mal, ou um lançamento de triplo não entrar, houver um turnover ou simplesmente os Nuggets não acertarem o cesto (tudo áreas onde AD terá enorme influência), os Lakers deverão aproveitar para correr como se a sua vida dependesse disso, uma vez que o adversário é um dos piores da NBA em transição defensiva. O mesmo é verdade ao contrário: apesar dos Lakers demostrarem alguma apetência defensiva para defender esse tipo de lances, têm tendência a cometer mais perdas de bola e os Nuggets são letais na saída.

No triplo passa-se outra guerra bastante equilibrada: Nuggets e Lakers são equipas aceitáveis no spot-up (Nuggets: 1.09 PPP, p-60%; Lakers 1.12 PPP, p-67%), mas têm sido absolutamente elite a defender estes lances (Nuggets; .93 PPP, p-87%; Lakers: .91 PPP, p-93%), e em particular a linha de três pontos, em que foram ambas top-5 com os adversários a lançar abaixo de 34%. Seja por melhor criação ofensiva, ou por mão quente no momento exacto, afigura-se uma boa probabilidade da linha de triplo poder resolver um ou mais jogos.

São conhecidas as dores de Denver nos minutos em que Jokić se senta: tiveram um net rating de -9.9 nos minutos sem Jokić durante a fase regular… mas estão com uns incríveis +9.8 nesta edição dos playoffs. É mais fácil dar demérito aos adversários que enfrentaram até agora do que acreditar num milagre desta magnitude, mas numa série onde o sérvio e AD terão os seus minutos e tempo no court praticamente igualado pelos seus treinadores, poderemos ver um small ball onde Aaron Gordon tem sido o poste contra um dos Lakers em que o poste será… LeBron James. Com Hachimura, Dennis, e Lonnie saídos do banco (haverá minutos para Malik Beasley nesta série?), poderá ser o basquetebol mais rápido a ser jogado nesta final de conferência.

E o palpite é…

Os Nuggets foram a equipa com o melhor registo da conferência, aquela que apresentou um nível mais alto durante mais tempo, a que tem o factor casa e o melhor jogador da série, e por isso se me tivessem perguntado ontem, Nuggets em 7. Mas quanto mais olhei para esta série, mais dei por mim a duvidar disso – e acreditem, olhei outra vez para me garantir despido de qualquer parcialidade – e a lembrar-me da frase de Steve Jones Jr. que, parafraseando livremente, diz que todas as séries chegam ao ponto em que uma equipa tem de resolver os problemas muito específicos que a outra lhe coloca. Acho sinceramente que esta equipa dos Lakers é o pior matchup possível na pior altura possível para os Nuggets e, pela menor das margens, terá a capacidade de apresentar mais problemas ao seu adversário.

Lakers em 7.

por LUCAS NIVEN [@lucasdedirecta]

Autor

Lucas Niven

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