Havia sempre mais um cesto

por jan 17, 2018

No caminho para a escola, todas as paredes ou muros serviam de colegas de equipa a quem passava a bola, para – claro! – a devolver imediatamente! Era a protagonista do jogo.

Era uma vez uma rapariga de 11 anos que vivia num país chamado Moçambique, mais precisamente em Lourenço Marques, onde o clima proporcionava uma vida passada ao ar livre e cheia de momentos onde a brincadeira com os amigos era uma constante do dia a dia. Saía todos os dias, pelas 6h30 da manhã (as aulas começavam às 7h15) para a escola, a pé, num percurso que demoraria uns quinze minutos. Ela demorava trinta, porque levava consigo a sua “melhor amiga”, a bola de basquete, e tudo servia para treinar o drible, o passe e o lançamento.

No caminho para a escola, todas as paredes ou muros serviam de colegas de equipa a quem passava a bola, para – claro! – a devolver imediatamente! Era a protagonista do jogo. Driblava ao longo do passeio, inventando “adversários” que se opunham e que tinha que fintar, usando a mão direita e a mão esquerda, mudando a bola por baixo das pernas ou por trás das costas ou simplesmente fazendo uma finta de corpo.

Todas as árvores e ramos faziam lembrar cestos e a pontaria fazia com que ganhasse o jogo, quando acertava, ou perdesse, quando falhava. Mas nunca esmorecia, pois havia sempre mais um “cesto” até chegar à escola.

Na sala de aula, a bola ficava guardada debaixo da carteira, mesmo junto aos pés e, assim que tocava para o intervalo, saía a correr para o campo. Não podia perder tempo, o intervalo era curto, mas dava para terminar aquele jogo de 1X1 com a Tecas que tinha ficado empatado no intervalo anterior.

 

De vez em quando, a minha mãe era chamada à escola para falar com a diretora de turma. A diretora de turma queixava-se que eu era muito infantil, que não brincava como as outras meninas, que só queria brincadeira e jogar à bola. Até aqui, tive sorte. A vida proporcionou-me os melhores pais do mundo, porque – diziam eles – preferiam ser chamados para lhes dizerem que eu era infantil e que gostava de jogar basquete do que para lhes dizerem que eu era indisciplinada ou má aluna.

Num dos torneio inter-escolas (sim, em Moçambique a escola era muito à frente e nos anos 70 já havia torneios de desporto escolar) houve um treinador da Académica que reparou em mim e foi falar com os meus pais. E assim ingressei no mundo do basquetebol de competição.

Gostava de deixar aqui o testemunho e homenagear duas pessoas que foram, sem dúvida, quem me incentivou e me transmitiu aquilo que, para mim, é o mais importante: não o gosto, mas a paixão pelo jogo de basquetebol. Foram eles a minha professora de Educação Física, jogadora internacional portuguesa e homenageada na última Gala do Basquetebol, Regina Peyroteu, e o meu treinador entre os 12 e os 17 anos, Diogo Amoroso Lopes.

A partir daí a minha vida passou a ser dividida entre a escola, os treinos na Académica e os campos de basquetebol que havia espalhados por todas as casas do meu bairro, inclusive a minha.

Passava horas a treinar aquela finta especial, para enganar a adversária que normalmente me defendia. Fazia dezenas, talvez centenas, de lançamentos por dia, pois não podia falhar no jogo dessa semana, como tinha falhado no anterior. Convencia as minhas irmãs para fazerem de minhas adversárias, o que nem sempre foi fácil. Tinha que lhes prometer que ganhavam. Para mim, isso não era o importante, porque o que eu queria era recriar as jogadas e inventar alternativas para ganhar o jogo no fim-de-semana. Precisava da ajuda delas.

 

Foram anos que passaram depressa, mas que deixaram uma enorme marca, naquilo que fui como jogadora e que se prolongou pela vida fora enquanto professora, treinadora, mãe e mulher.

A minha vida está cheia de basquetebol. Obrigado.

 

por ISABEL RIBEIRO DOS SANTOS

Autor

Isabel Ribeiro dos Santos

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