O hospital podia esperar

por mar 28, 2018

O Heshimu era mais alto, mais forte, estava no auge da sua carreira. O que fazia sentido era ser um 4 ou um 3 a defendê-lo, mas não, o Chico sabia o quão importante era parar o Heshimu e assumiu logo essa tarefa. Na primeira ou segunda jogada dessa partida, o Heshimu partiu o nariz ao Chico com uma cotovelada…

Íamos entrar na época de 2005/2006 quando uma das maiores mudanças da minha vida aconteceu. Após uma vida inteira a representar o Algés (com um ano de Atlético pelo meio no minibasket), chegava a oportunidade de representar pela primeira vez uma equipa profissional: o Queluz.

O Queluz tinha acabado de ser Campeão Nacional e tinha ganho a Taça de Portugal. Eu ia jogar com nomes que, para mim, eram referências no basquetebol nacional, como o Miguel Miranda, o Luís Silva, o João Manuel, o Tomás Rodriguez, o Felipe Gomes, o Chico Rodrigues, o Leroy Watkins… entre outros! Para um miúdo vindo do Algés, o simples facto de treinar com eles diariamente era um verdadeiro privilégio. A intensidade a treinar, a forma de estar em campo, a preparação dos jogos… tudo era novo para mim. E por vezes nem parecia real, mas era. Eu estava mesmo ali.

O primeiro jogo oficial da temporada foi no dia 5 de Outubro de 2005. Mal eu sabia, que esse jogo contra a Ovarense, na Supertaça, ia ser um dos momentos mais incríveis da minha vida.

Desde os primeiros treinos que dava para perceber que aquela equipa tinha um líder. Havia um jogador que naturalmente se impunha nos treinos, que ditava os ritmos de jogo, que dava o exemplo a defender. Mas quando o dia do primeiro jogo chegou, isso foi ainda mais evidente.

Mal o jogo começou, o Chico assumiu que era ele que ia parar aquele que era provavelmente o melhor jogador da Ovarense. Até aqui tudo bem. Mas se olharmos para ambos os jogadores, as diferenças eram evidentes. O Chico quis defender o Heshimu Evans. O Heshimu era mais alto, mais forte, estava no auge da sua carreira. O que fazia sentido era ser um 4 ou um 3 a defendê-lo, mas não, o Chico sabia o quão importante era parar o Heshimu e assumiu logo essa tarefa. Na primeira ou segunda jogada dessa partida, o Heshimu partiu o nariz ao Chico com uma cotovelada… Óbvio que isso não foi suficiente para tirá-lo do jogo! A ida ao hospital podia esperar! Antes, havia uma Supertaça para ganhar. Aí eu percebi de que era feito um verdadeiro campeão. A coragem, a determinação, a raça, a entrega ao jogo… Não há palavras que possam descrever aquilo que ele representou para mim naquele dia! E claro, ganhámos a Supertaça!

Com o decorrer da época a minha admiração pelo Chico foi aumentando. Ele era aquilo que se espera de um verdadeiro líder. A equipa estava sempre em primeiro lugar, para ele ganhar era o mais importante de tudo. E ele controlava tudo o que se passava no pavilhão, como nunca antes eu tinha visto (e depois também não vi): colegas, adversários, árbitros, oficiais de mesa, bancada… Ele parecia mandar em tudo!

Este verão, quando tomei a decisão parar de jogar, tive que lhe ligar. Agradeci o papel que ele teve na minha carreira e na minha vida, sem ele saber que o teve. Ele, ao seu jeito, riu-se e disse: “Não tens que agradecer, eu não fiz nada”.

Mas fez! E muito!

Na verdade, durante toda a minha vida tentei aprender com os melhores, e tive a sorte de jogar com muitos: Sérgio Ramos, João Santos, Miguel Miranda, Diogo Carreira, António Tavares, Miguel Minhava, Elvis Évora, Heshimu Evans, João Manuel, Luís Silva, Leroy Watkins, Ben Reed, Seth Deliboa, tantos… Mas o Chico foi aquele que mais me marcou. O que aprendi com ele tornou-me sem dúvida melhor base, melhor líder, mas acima de tudo, melhor homem.

Obrigado, Chico!

por MIGUEL BARROCA

 

Foto: Paulo Coelho

Autor

Miguel Barroca

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