O que aprendemos com estes playoffs (até agora)

por maio 20, 2022

É costume dizer-se que a NBA é uma ‘copycat’ league. Alguém, algures, encontra alguma coisa que funciona, e o resto da liga apressa-se a correr atrás da inovação e imitar aquilo que foi bem-sucedido com outros. Os ‘twin tower lineups’, nos anos 80 e 90; tentar ir atrás dos melhores ‘prospects’ do liceu, depois dos sucessos de Kevin Garnett e Kobe Bryant; acelerar o ‘pace’ do jogo, como os ‘7 seconds or less’ Suns; encontrar o próximo LeBron (e mais recentemente o novo Draymond Green); e a revolução de três pontos que abarcou a liga inteira.

Por uma miríade de razões, raramente as cópias têm tanto sucesso como os originais: nem toda a gente tem um Parrish e um McHale à mão de semear; nem sempre o liceu tem um diamante em bruto ponto para se tornar um dos 20 melhores jogadores de sempre, e homens como Nash, LeBron, Curry ou Draymond não crescem propriamente nas árvores, disponíveis para interpretar da melhor forma o modelo de jogo em voga na altura. 

O desafio deverá ser, numa perspetiva ‘macro’, analisar o que está a ter sucesso na liga, e compreender se isso se deve apenas ao sucesso dos indivíduos que interpretam esses modelos (dentro e fora de campo), ou se há a possibilidade de escalar esses fundamentos para a sua própria organização. Dependendo da composição do plantel, tentar jogar mais rápido como aqueles Suns pode representar uma proposição estúpida, por exemplo, mas cortar nos ‘midrange’ em favor de triplos e melhor ‘spacing’ através dos ‘role players’ é hoje universalmente aceite como uma boa decisão.

O que podemos então tirar desta época, e das equipas que sobreviveram? Que ensinamentos serão úteis do ponto de vista de abordagem da época e construção de plantel, para maximizar o potencial na altura dos ‘playoffs’? Vamos à procura de respostas.

Usar a fase regular para maximizar o número de vitórias a partir de Abril (e não até Abril)

É preciso ter algum cuidado a falar do insucesso dos Suns: sob qualquer prisma que se olhe, eles são um verdadeiro ‘outlier’ em todos os sentidos, e uma das duas melhores equipas dos últimos 20 anos a não chegar pelo menos à final de conferência (com os Mavs de 2007); é sempre mais fácil criticar a sua abordagem quando estamos a dançar por cima do seu cadáver, especialmente depois de ter funcionado no ano passado, e tudo o que possamos dizer sobre eles poderá cair no erro de perdermos mais tempo a falar da excepção do que da regra.

Mas… olhando para eles, é dolorosamente óbvio de ver que são uma equipa muito menos versátil que qualquer uma das quatro ainda em prova. No ataque, a criação e excelência no ‘midrange’ dos dois bases não tinha plano ‘B’, com Cam Johnson, Bridges e Crowder a não saber fazer nada mais que lançar em posição de ‘spot up’, e Ayton, com um desenvolvimento ténue, a não ser suficientemente alimentado na fase regular para ganhar as repetições suficientes para poder aguentar um ataque durante 5-10 minutos num jogo de ‘playoff’. Na defesa, foram procurados apenas substitutos ao poste das Bahamas, com as adições de Javale McGee e Bismack Biyombo, e não alternativas; não havia, portanto, uma solução estudada na fase regular para o caso da defesa em ‘drop’ não estar a resultar – algo que Luka Doncic agradeceu, quando se apanhou a conseguir trocar o seu homem pelo poste de Phoenix. O que poderiam ter feito de diferente?

A fase regular, cada vez mais, tem um resultado que conta para cada vez menos, uma vez que é infinitamente mais importante estar preparado para ter soluções para qualquer ‘matchup’ que se apresente a uma equipa a partir de Abril. Faz assim tanta diferença ganhar 53 jogos em vez de 62, se isso significar ter investido em processos ao longo do ano que nos fez encontrar essas soluções? Claro que o ‘home court’ é uma coisa simpática, embora até isso tenha perdido alguma força recentemente, com o aumento na variabilidade dos resultados, provenientes do aumento da dieta de triplos das equipas.

Olhemos para o que fizeram as equipas ainda vivas. Dallas e Boston, ambas com treinadores no primeiro ano ao leme, pareciam condenadas a épocas que iriam cair no esquecimento quando entrámos em 2022, e tanto Udoka como Kidd eram alvo de contestação. Passou rápido. Esses primeiros dois meses e meio nada mais foram que perceber o que se tinha em casa, experimentar coisas diferentes (Luka fora da bola, Brunson no cinco inicial, transformar o ‘Timelord’ num jogador mais livre na defesa para ajudar em vez de ser uma âncora tradicional, implementar um ‘drive and kick’ para cortar no isolamento de Tatum e Brown), encontrar o que funciona em vários contextos, e eis que surgem as duas melhores equipas de 2022, com defesas competentes e prontas para enfrentar qualquer situação. Claro que as trocas na ‘deadline’ ajudaram e foram cerejas no topo do bolo, especialmente no caso de Dallas, mas o processo já era sólido.

Miami e Golden State, graças ao sucesso recente das suas fórmulas, sabiam que estavam preparadas para chegar longe nos ‘playoffs’ – as dúvidas que pudessem haver em relação aos Warriors foram rapidamente dissipadas pelo início 18-3. Nos seus casos, e com os seus modelos implementados, era sempre uma questão de saúde, garantindo que as suas estrelas chegavam à Primavera na melhor condição física possível (Curry, Draymond, Butler e Adebayo atravessaram todos períodos relativamente longos de baixa por lesão), e transformar essas ausências numa oportunidade, percorrendo o plantel até ao décimo quinto jogador, dando tempo de jogo a todos, testando e experimentando quais – e em que condições – podiam ser úteis na altura ‘a doer’. Provavelmente custou uma mão cheia de vitórias a cada um dos conjuntos, mas estão à vista os frutos de muito, muito trabalho feito de Outubro a Abril. É que um ano antes de aparecerem os elogios a Poole, Strus, ou Gabe Vincent, eles eram apenas jogadores de G-League.

Versatilidade é a nova palavra da moda, na defesa

Depois da revolução de três pontos ocorrida nos últimos 10 anos, parece finalmente que as defesas estão a atingir o ponto óptimo de maturação para responder à altura ao desafio proposto pelos ataques. E se olharmos para as quatro defesas ainda em prova, provavelmente encontramos aquelas que interpretam melhor um sistema de trocas, com um perfil de jogador capaz de defender múltiplas posições, e diferentes abordagens defensivas.

As grandes estrelas que povoam a liga hoje são jogadores muito mais completos e diversificados no ataque, e não precisamos de maior evidência do que olhar para o perfil dos 3 finalistas ao prémio de MVP este ano. Um poste que joga como base, um poste tradicional com triplo, e um Shaq com drible. Como tal, também uma defesa tem que estar preparada para resolver diferentes puzzles ao longo de quatro rondas, e não há volta a dar em relação a isto. Trae Young e Joel Embiid. Kevin Durant e Giannis Antetokounmpo. Nikola Jokic e Ja Morant. Brandon Ingram e Chris Paul. Estas parelhas partilham pouquíssimos pontos de contacto, para além do facto de terem enfrentado uma defesa capaz de resolver os problemas que lhes foram apresentados.

A capacidade de um jogador saber interpretar um esquema defensivo, mesmo que não seja um ‘stopper’, é fundamental hoje em dia, assim como a sua habilidade para defender mais do que uma posição (pelo menos). Um poste que só esteja confortável em ‘drop’ pode ter lugar numa série de playoff, mas uma equipa que só saiba defender dessa maneira terá muitas dificuldades (olá, Utah e Phoenix). Um jogador de perímetro que não consiga defender em bloqueio directo e que possa ser exposto em trocas, representará sempre um desafio tremendo para a identidade e competência defensivas da sua equipa, independentemente do seu brilhantismo ofensivo (olá, Trae Young). A missão daqueles que constroem equipas numa organização, mais do que nunca, é a de identificar atletas que maximizem a possibilidade de uma equipa ter o menor número de brechas na sua defesa, e isto não podia ser mais evidente que na final a que estamos a assistir na conferência Este.

O ‘Big Man’ está morto?

Surpreendentemente, a resposta parece ser um retumbante não, graças à utilidade demonstrada por Steven Adams frente aos Warriors, Kevon Looney frente aos Mavs, ou Robert Williams sempre que tem estado disponível. Ao mesmo tempo, é óbvio que defesas baseadas quase exclusivamente em ‘drop’ estão cada vez mais a passar um mau bocado. Também é verdade que há apenas um (1!) jogador acima de 6’10’’ ainda em prova a acumular mais do que 25 minutos por jogo, Maxi Kleber (que não é propriamente o primeiro jogador em que pensamos quando usamos a expressão ‘big man’). Então… sim, afinal está morto?

Talvez não. Do outro lado da barricada, temos a batalha dos ressaltos ofensivos a ser cada vez mais decisiva em jogos apertados, tanto devido ao maior número de triplos lançados (têm uma percentagem de acerto menor, não obstante serem mais valiosos, e tendem a ser ressaltos mais imprevisíveis), como pelo decréscimo de centímetros no ‘lineup’ médio da liga, e um jogador grande pode aumentar de forma preciosa o número de posses de bola de uma equipa. Ainda no ataque, o valor de um bom ‘screener’ nunca foi tao grande, quer seja para libertar o portador da bola, quer para forçar uma troca que o ataque quer explorar. Então… não, não está morto?

É de facto bastante complicado, e talvez a questão mais importante e com mais impacto com que as organizações se debatem na actualidade. E se Looney e Adams provaram que há lugar para eles nesta fase do campeonato, Gobert e Ayton continuam a mostrar as limitações de uma equipa que recorre a uma defesa montada à volta deles no meio (notem que disse limitações da equipa, não necessariamente deles próprios). O que deverão fazer os Suns com Ayton, por exemplo? Como vai envelhecer o contrato de Gobert?

A resposta, aqui, parece mesmo variar de caso para caso, de acordo com o perfil de ‘big man’ que se tenha no plantel. Os Sixers têm Embiid, por exemplo. É um caso extremo de talento ofensivo, e cuja defesa (que é magnífica) se baseia principalmente em dar dois passos atrás no bloqueio directo. Devem os Sixers prescindir do camaronês? Logicamente que não. Devem procurar (voltando ao primeiro ponto, da fase regular) ao longo do ano um perfil de jogador alternativo para explorar nos minutos em que Embiid se senta, e que se sinta mais confortável noutros esquemas defensivos? Absolutamente. O DeAndre Jordan ajuda minimamente a esta causa? Não. Hotel? Trivago.

A conclusão a que me apraz chegar é a de que uma equipa precisa de ter uma excelente razão para fazer de um poste que não consiga navegar defensivamente no perímetro um activo central (e bem pago) na construção do seu plantel. Uma porção do ‘cap’ em Adams, Looney, ou Robert Williams? Maravilha. Um ‘max’ ao Deandre Ayton? Mais duvidoso. O caso do ‘Timelord’ é paradigmático: não estando ao nível de um Rudy Gobert (nem de perto, apesar de mais móvel), revelou-se este ano como candidato a defensor do ano. Os Celtics não fizeram disso a sua identidade defensiva, e tinham desenvolvida uma alternativa (em Grant Williams + Al Horford) baseada em trocas, boa o suficiente para causar dificuldades ao melhor jogador da liga e eliminar os campeões em título.

O jogador grande interior pode estar em vias de extinção, mas estes ‘playoffs’ provaram que, a espaços, na situação oportuna e no matchup certo, devem ser uma espécie protegida, e as equipas devem ter uma arma destas para não reduzir a versatilidade do seu plantel frente ao adversário que possam ter pela frente. À atenção de… Neemias Queta.

por LUCAS NIVEN [@lucasdedirecta]

Autor

Lucas Niven

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