Os bilionários conhecidos

por dez 9, 2021

Ser dono de um franchise da NBA é fazer parte de um clube de elite. Dos clubes mais elitistas que há no mundo porque há apenas 30 lugares nessa mesa. Um clube restrito para o qual pertencer é preciso ter muito dinheiro, mas… isso não basta.

Existem muitas pessoas ricas o suficiente para serem donas de uma equipa na NBA, mas a escassez de lugares nesse clube e, sobretudo, de lugares disponíveis, faz com que o acesso a ele seja muito mais difícil do que apenas atirar dinheiro para cima da mesa.

Verdade seja dita, alguns franchises da NBA são aquilo que chamamos máquinas de fazer dinheiro. Mas nem todas funcionam no verde. Há algumas que de vez em quando vão ao vermelho porque nem todos os mercados são iguais e quando se juntam pequenos mercados com produtos medíocres em campo, o lucro não é propriamente um resultado regular.

No entanto, nunca faltam interessados quando um dos trinta franchises fica disponível. E porquê? Porque apesar de bilionários não gostarem de deitar dinheiro fora, pertencer ao clube dos donos da NBA é, para além de um negócio, uma questão de estatuto.

A NBA tem dos atletas mais conhecidos do mundo. Pertencer a esse círculo, faz maravilhas pelo reconhecimento público destes homens cuja notoriedade nem sempre pode ser comprada. Claro que toda a gente já sabia quem era o Michael Jordan antes dele comprar os Charlotte Bobcats. E há muitos donos que são low profile e que gostam de permanecer longe da ribalta.

Mas há uma certa aura que atrai bilionários para a esfera de um negócio volátil como o desporto. É que muitos deles deixam de ser apenas bilionários. Passam a ser bilionários conhecidos.

“Antes, quando caminhava pela rua, era um bilionário desconhecido. Agora sou um bilionário conhecido” – Ted Stepien

Ted Stepien jogou basquetebol quando era mais novo. Mas não foi só o amor pelo jogo que o levou a pagar 2M por 38% dos Cleveland Cavaliers em abril de 1980 e, nos meses seguintes, adquirir mais 44%. A notoriedade que vem com o ser dono de um franchise atraiu o bilionário do marketing /publicidade para uma área de atividade que simplesmente não era a sua praia.

Não se ganham milhões e milhões e se gere empresas de sucesso sem uma confiança inabalável na capacidade própria de gestão de tudo o que envolve um negócio. E um erro comum em donos de franchises desportivos, NBA e não só, é a confiança que a aplicação do mesmo paradigma que se tornou um sucesso empresarial noutra área de atividade, vai resultar na indústria desportiva. Geralmente não é o caso.

“Eu consigo gerir os Cavs. Qualquer um consegue gerir os Cavs. O truque é geri-los bem” – Ted Stepien

Pois. Aí é que está o problema. Se fosse fácil, todos os fariam. Mas são poucos os que o fazem bem. E o Ted Stepien é um caso de estudo de como não fazer.

A sua passagem pelos Cavs, entre 1980 e 1983 resultou num estrondoso fracasso muito por culpa da ânsia e falta de paciência na tentativa de criar uma equipa competitiva instantânea.

O povo diz que “depressa e bem, há pouco quem” e em três épocas passaram seis treinadores e 44 jogadores, nenhum dos quais a cumprir as três épocas na equipa, com os desastrosos resultados totais de 66 vitórias e 180 derrotas. Foram ao todo 21 trocas, nove das quais envolvendo picks de primeira ronda, que levaram a liga a intervir para tentar minimizar o desbaratar do futuro da equipa.

E é neste campo particular que Ted Stepien conseguiu construir a sua imortalidade na NBA. Para além de toda a ineptidão desportiva, o tempo de Ted Stepien à frente dos Cavs é conhecido por um período onde o futuro da equipa foi hipotecado por um presente medíocre.

Por uma questão de justiça, é importante referir que, antes de entrarmos no que Stepien fez ou não fez, as picks de primeira ronda dos Cavs de 1980, 1981, 1982 e 1983 já tinham sido trocadas antes sequer dele ter entrado na porta. Ou seja, a famosa pick número 1 que os Cavs trocaram e que resultou na escolha de James Worthy por parte dos Lakers em 1982, não foi trocada por Stepien apesar da escolha de Worthy ter ocorrido quando era dono da equipa.

O problema é que, não obstante a situação difícil em que o franchise se encontrava em termos de assets futuros, quando assumiu a equipa, Ted Stepien trocou, no espaço de cerca de cinco meses, as picks de primeira ronda da equipa em 1984, 1985 e 1986 para além de uma pick de 1.ª ronda dos Hawks que a equipa tinha em seu poder.

Em jeito de sumário, em fevereiro de 1981, os Cavs tinham trocado as suas picks de 1.ª ronda em 1981, 1982, 1983, 1984, 1985 e 1986. E tudo isto resultou em 28 vitórias, 54 derrotas e o 4.º pior registo da liga nesse ano.

E devido a este claro desdém por escolhas no draft, a NBA integrou na sua constituição, uma regra que limita o desbaratar dos futuros de uma equipa. Uma regra que foi popularmente designada por “Stepien Rule”.

“7.03. First Round Draft Choice. No Member may sell its rights to select a player in the first round of any NBA Draft for cash or its equivalent, or trade or exchange its right to select a player in the first round of any NBA Draft if the result of such trade or exchange may be to leave the Member without first-round picks in any two (2) consecutive future NBA Drafts.”

– Constitution and By-laws of the NBA

O ponto 03 da secção 7 da Constituição da liga estipula que nenhum franchise pode vender ou trocar uma pick de 1.ª ronda se essa venda/troca possa resultar que esse mesmo franchise fique sem uma pick de 1.ª ronda em dois drafts futuros consecutivos.

Ou seja, uma equipa pode trocar as picks que quiser, mas não pode fazer uma troca que possa deixar a equipa sem picks de 1.ª ronda em anos seguidos no futuro.

E realço futuro porque isto no presente não se aplica. Por exemplo, vamos imaginar que uns hipotéticos e imaginários Vancouver Grizllies trocavam a pick de 1.ª ronda de 2021. Segundo a regra, não podiam trocar a pick de 1.ª ronda de 2022. Isto é verdade enquanto estamos a falar do futuro. No dia do draft, depois de fazer a escolha, os Grizzlies podiam trocar os direitos do jogador selecionado.

E reparem noutro pormenor: a regra não impede que as equipas troquem as suas picks de primeira ronda. Impede que o franchise fique sem picks de 1.ª ronda. Ou seja, os citados Vancouver Grizzlies podiam ter trocado as suas picks de 1.ª ronda de 2021 e 2022 desde que, por exemplo, fosse sua a pick de 2022 dos, sei lá, Seattle SuperSonics.

Um terceiro pormenor interessante é que a regra abrange cenários hipotéticos. E isto é importante nas trocas de picks atuais que são cada vez mais estruturadas com diversos níveis de proteção e condicionalismos. A regra é clara e não quer saber de proteções. Se uma eventual troca coloca a equipa num cenário em que possa não ter uma pick de 1.ª ronda em dois anos consecutivos futuros, essa troca não é válida à luz da “Stepien Rule”.

Esta é a razão pela qual, quando vemos uma troca que inclui várias picks de 1.ª ronda envolvidas, como a famosa troca entre Nets e Celtics em 2013, a que levou Paul George dos Thunder para os Clippers ou, mais recentemente, a troca que levou James Harden para os Nets, vemos picks de 1.ª ronda intervaladas com direitos de troca. Foi a maneira que as equipas encontraram para circum-navegar a “Stepien Rule”.

Esta não é a única regra que foi desenhada pela liga para “proteger os franchises de si próprios”. Há um track record de tentar dar um mínimo de proteção à gestão danosa de um qualquer dono, porque a NBA é uma empresa. O que um franchise faz tem a capacidade de afetar todos os outros.

E apesar dos três anos do Ted Stepien terem sido efetivamente um exemplo exacerbado do que pode correr mal, aqui e ali vemos situações semelhantes em escalas menores que me faz sempre lembrar uma frase habitual do Danny Leroux, jornalista do The Athletic. Parafraseando o Danny numa tradução tosca, ele basicamente diz que “o dono de um franchise é a maior vantagem competitiva na NBA”.

Parece ser um bocado exagerado, sobretudo num desporto onde uma superestrela em campo tem uma influência enorme, mas se um dono pode influenciar a atratividade e capacidade de retenção das mencionadas superestrelas, a noção pode não ser assim tão descabida. Em última análise, está muito, se calhar demasiado, nas mãos dos bilionários. Dos bilionários conhecidos.

por JOÃO COSTA [@JoaoPGCosta]

Autor

João Costa

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