Raptors vs. Sixers, jogo 6: diário de bordo

por maio 8, 2022

O vosso fiel amigo (eu, não o bacalhau) teve a sorte de estar no Canadá de 23 a 30 de Abril. Ora, não é preciso conhecerem-me muito bem para saberem que desde que a viagem ficou alinhavada, fiquei ainda mais de olho na trajectória dos Raptors no final da fase regular. Contas feitas, quinto lugar e os Sixers como adversário. Calendário publicado, e ‘encaixaram’ os jogos 4 e 6 (a 23 e 28) da série da primeira ronda. Combinações familiares, estaremos em Montréal de 23 até 25, não dava, e bilhete comprado para 28. O preço? Barato não foi.

Depois de um Scottie Barnes a menos, meio Fred VanVleet, e os Sixers na frente por 3-0, é seguro dizer que entrei no avião perfeitamente convencido de que não veria jogo coisa nenhuma, e ia mas era aproveitar a viagem. Graças a Glenn Rivers (eu não lhe chamo ‘Doc’ porque não lhe confiava uma unha partida), os Raptors reduziram a coisa para 2-3 e lá estava eu, com marcação para o primeiro jogo de playoffs da minha vida. 

Toronto, que grande, grande cidade. Quem já visitou uma grande cidade dos EUA, é fácil o subconsciente dizer que estamos mesmo na terra do tio Sam, mas só à superfície: a lendária educação dos canadianos confirma-se, é muito mais diversificada na sua população (a presença asiática, desde o Extremo Oriente ao Sudeste Asiático é impressionante) e não é preciso andar muito no centro da cidade de costas para a baixa, para encontrarmos bairros tranquilos com moradias do final do séc. XIX. Na downtown, a Scotiabank Arena está a cerca de 500 metros do Rogers Field, o que significa que nesta altura do ano temos um grande evento desportivo quase diariamente na metrópole, entre Raptors, Maple Leafs, e Blue Jays – e os canadianos adoram as suas equipas.

Dia de jogo. Chegado ao hotel por volta das 17h20 (com jogo às 19h), já um bocado mais tarde do que queria, decido que vou direito ao pavilhão. Com mais tempo, teria ido sentir o ambiente ao ‘Jurassic Park’ e tomar a temperatura do jogo. O que se segue foi a jornada do vosso amigo.

17h35. Saio do hotel. Estou a 10 minutos a pé da Scotiabank, e já vejo muita gente na rua.

17h38. As imediações do pavilhão já estão cheias. Muitas, muitas jerseys do Vince Carter postas, é seguro dizer que estão feitas as pazes (que confirmei mais tarde). Com maior presença apenas as de Siakam, Barnes, Lowry e Van Vleet (por esta ordem).

17h47. Estou na fila da minha porta, um mar de gente (a política de máscaras no Ontario é a mesma da de Lisboa, actualmente). Gate 1, por dentro da Union Station, o ambiente é de festa: quem não soubesse quanto estava, acharia que eram os Raptors na frente da série por 3-2. Um segurança, de megafone em riste para manter a ordem nas filas, anuncia que hoje é para o empate, e que tem uma sobrinha que viu o Harden na véspera num clube de diversão nocturna. Está no papo.

17h56. Chego ao meu lugar, e tenho a t-shirt da praxe à minha espera. Sou o primeiro e único da minha secção – hora de ir buscar uma cerveja. Harden de Beats by Dre a lançar no midrange, Niang mete uns 12 triplos seguidos. Do outro lado, continuo a não gostar nada da forma de lançamento de Anunoby, e Siakam, também de phones, treina movimentos no dunker spot.

18h01. Sobre a discussão Sagres / Super Bock: Venham a um pavilhão norte-americano e sirvam-se duma Coors. Somos tipos com sorte.

18h03. Niang recolheu, Harden passou para os triplos, com Danny Green a juntar-se a ele. Ainda não há sinal de Embiid.

18h10. A minha secção começa a encher (anel superior, fim da central/início da lateral), e a tal presença asiática faz-se sentir em peso. Já faz mais sentido ter visto outdoors com o Yuta Watanabe. Mais um dos factores que raramente temos em conta quando se constrói um plantel de 15 elementos.

18h15. Temos Embiid, a solo, sem nenhum colega dos Sixers a acompanhar o seu aquecimento. Não sei se será o MVP, mas não me vou esquecer de o ver jogar.

18h16. Qualidade de vida não é um bom ordenado e uma casa na praia. Qualidade de vida e ir lançar umas bolas e ter 3 tipos a ressaltar para mim.

18h21. A animação da arena do ecrã gigante não deixa dúvidas: Siakam e Barnes são os co-franchise players desta equipa. De um lado, o veterano internacional que atesta o sucesso dos Raptors no seu desenvolvimento de jogadores; do outro a pick alta do draft, recém-vencendor de rookie do ano, a representação da esperança no sucesso futuro da equipa.

18h35. Eu devia conhecer este tipo? Se ajudar, o fato é uma banda desenhada do homem-aranha, e dezenas de pessoas quiseram tirar a fotografia. E se é uma celebridade, será que está nestes lugares manhosos porque rebentou o budget na indumentária? Trágico.

18h40. Quis entrar neste jogo de espírito aberto e ver basquetebol, sem ter nenhum cavalo na corrida. Quem é que eu quero enganar? Já estou nervoso, temos que empatar isto.

18h43. Já não falta tudo para começar. Hora de ir à casa de banho espetar um iQos.

18h49. Começam os hinos, com o mesmo intérprete para ambos. O americano é cantado num ritmo bem mais acelerado que o normal, o canadiano é cantado a plenos pulmões. Aqui, em todos os jogos, não é só NBA: é o Canadá contra os Estados Unidos. Há uma parte do O Canada que diz ‘The true North strong and free’, e na parte do ‘North’ é berrada por todos vinda dos pulmões e do coração. Épico.

18h54. Quase todo o staff de uma equipa e de outra se cumprimentam rapidamente antes do início do jogo. DeAndre Jordan um dos mais activos, até aos árbitros faz a festa. Deve ser por isto que o vemos sempre suar abundantemente no banco.

18h56. Ainda não o tinha visto nos aquecimentos, mas Tyrese Maxey mexe-se com a confiança de quem sabe que tem alguma coisa especial a acontecer consigo.

Q1, 11:00. Barnes ganha o tip, e mete dois cestos seguidos, o segundo a ir ao peito de Embiid. Scotiabank está a loucura.

Q1, 5:11. De um lado, Embiid saca a ofensiva a Achiuwa e do outro a defensiva sobre o pobre Precious. Temos o nosso primeiro ‘FUCK EMBIID’, que os desgraçados dos adeptos dos Knicks celebrizaram o ano passado com Trae Young.

Q1, 0:37. Lob do Achiuwa para o Boucher, já vi tudo. Seja bom ou mau, Boucher entra e o jogo dá por isso. Hoje, muito bom – o público adora-o (boooh-CHAYYYY)

Final do primeiro período, com 34-29 e ameaçou estar pior. A ausência de FVV é grande neste jogo, com Barnes e Siakam a terem que assumir uma despesa demasiado grade na criação. Do outro lado, Harden ditou tudo o que se passou no período, com 10 pontos e 5 assistências.

Q2, 9:25. Triplo de Boucher, depois de mais duas acções suas e um iso de Siakam contra Maxey, faz o 40-36 e vira o jogo. Pavilhão ao rubro.

Q2, 4:07. Os Raptors estão a jogar bem, a limitar as estrelas dos Sixers, mas Danny Green está de mira afinada e mete o terceiro triplo do período, que empata a coisa a 52. Por cada triplo dele, morre um gatinho canadiano bebé.

Fim do Q2. Boucher está com 19/9 ao intervalo, Green meteu o quarto triplo no Q2 e 62-61 Sixers. A sensação no pavilhão é de que está tudo de acordo com o plano, e que se isto estiver apertado lá para a frente os Sixers vacilam e vamos à negra. Mal sabíamos nós o que aí vinha.

Q3, 10:56. Barnes mete um gancho sobre o Embiid, e é como se esta gente estivesse a ver a reencarnação de Cristo. O Scottie podia matar alguém em plena Queen Street que teria uma cidade inteira de testemunhas a dizer que o falecido é que deu uma cabeçada na bala dele. 63-66.

Q3, 6:13. Nos 5 minutos seguintes, os Raptors praticamente não conseguem encontrar o cesto, e os Sixers respondem com uma run que inclui 4 triplos, o último dos quais com Maxey a tirar o oxigénio inteiro à arena. 85-67 sem que ninguém desse por isso, e ou os Raptors colocam isto por 10 até ao final do quarto ou nada feito.

Q3, 3:52. Nada feito. Triplo clássico em isolamento de Harden do topo da linha de três pontos, timeout Raptors, e o pavilhão tem a percepção colectiva do que está a assistir. 92-70 e não se ouve vivalma.

Fim do Q3. Ok, o mood está bem diferente. Com o jogo por 21 e tendo aumentado nos minutos de banco de Embiid, toda a gente no pavilhão sabe que os milagres na NBA acontecem, mas que esta não é uma dessas noites. Restam 12 minutos de morna esperança, e eu dedico-me a falar dos Raptors com o Randy e o Alex, os meus novos amigos (o Alex confirma que a cannabis é legal no estado do Ontario) que estão sentados ao meu lado.

Q4, 2:14. Siakam faz falta sobre Tobias Harris, e Nurse iça a bandeira branca. Mentiria se dissesse que o pavilhão ainda estava cheio, mas ainda estava a uns bons 75%. O cinco inicial é removido de jogo e é aplaudido de pé, efusivamente. Acabava a época dos Raptors, e diante dos meus olhos, os Sixers cumprimentavam-se no banco, com a sensação de dever cumprido, uma vitória fora de casa nos playoffs, daquelas que faz um balneário acreditar que consegue.

21:34. Saio do pavilhão, e vou tendo menos gente à volta à medida que cumpro os 35 minutos a pé que separam a Scotiabank Arena do local onde a minha família está a jantar (o Randy e o Alex, claro, disseram-me que iam fazer o velório da temporada para um pub ali ao pé, e que eu devia aparecer). 

Diz-se que ganhar ou perder é desporto, e penso no sentido dessa frase no contexto do desporto americano. Aqui estou, a caminhar por Toronto, rodeado de camisolas dos Raptors. Amanhã serão dos Leafs e dos Jays; a cidade inteira está casada com estas equipas, são as suas cores. Em campeonatos com 30 equipas, é de facto muito difícil ganhar o caneco, e fico momentaneamente feliz por terem ganho em 2019, e talvez por isso tenham tanto amor a esta equipa, que os recorda de algo que nunca se vão esquecer. E estando numa cidade tão dinâmica, com um front office e equipa técnica tão inovadores, e com talento de sobra dentro de campo, podem ter razão em acreditar nesta equipa.

por LUCAS NIVEN [@lucasdedirecta]

Autor

Lucas Niven

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