Retratos da classe média

por dez 10, 2021

Com a aproximação dos dois meses de competição, esta é a altura em que conseguimos começar a perceber o valor das equipas para lá das amostras pequenas de início de temporada, e a ter uma ideia de como se vão encaixar na classificação das respectivas conferências. É também uma data importante porque a época de trocas abre não oficialmente a 15 de Dezembro, quando serão levantadas as restrições de trocas impostas a quem assinou novos contratos no defeso, tornando elegíveis mais de 100 jogadores para serem negociados, levando as equipas a debruçarem-se sobre o rumo a tomar e em que horizonte temporal o farão.

Este ano, no entanto – e não sei se é impressão minha ou se corresponde à realidade –, a ‘classe média’ da NBA parece maior que nunca. Excluindo as equipas que já percebemos que são de facto boas e só um acidente as tira do top-6 de acesso directo ao playoff, e as que já sabemos que são más e não estarão sequer a competir pelo play-in, conto dezoito (!) equipas que, com diferentes graus de incerteza, têm a sua época em aberto.

Excluamos então algumas equipas do âmbito desta peça. Na conferência Este, Nets, Bucks, Bulls e Heat estarão no acesso directo ao playoff. Apesar de terem enfrentado (ou estarem a enfrentar) ausências relevantes, o seu talento e rotinas não as deverão deixar cair para o sétimo lugar. Do outro lado do espectro, Magic e Pistons são cartas fora do baralho para a NBA pós-Abril. No Oeste, Warriors, Suns e Jazz têm sido simplesmente as três melhores equipas do campeonato até agora, e é difícil conceber um cenário em que não ocuparão o topo da conferência. Olhando mais para baixo, Rockets (não obstante a streak!), Thunder e Pelicans deverão ficar aquém do décimo lugar requerido para disputar o acesso à postseason.

Temos então 60% das equipas envolvidas num pot-pourri de indecisão, onde alguns excedem expectativas e outros as defraudam, e onde há front offices encantados com o que está a ser construído, e outros com a palma da mão no botão de pânico. O que se segue, em vez de tentar ordenar as equipas num exercício que este início de temporada já provou ser muito díficil, é uma tentativa de caracterizar o sentimento destas equipas, e procurar pistas para o seu futuro próximo.

“Isto está a correr bem melhor do que contávamos”

Memphis Grizzlies (15-11, 4.º Oeste)

Washington Wizards (15-11, 5.º Este)

Cleveland Cavaliers (14-12, 6.º Este)

Bem, quem tinha a múltipla de ‘ao fim de quase um terço de época, aposto que Wizards, Cavs e Grizzlies estarão no acesso directo aos playoffs‘ pode ir ao guichet levantar o seu prémio. A equipa de Memphis continua o seu caminho de desenvolvimento interno: é uma equipa sem maus jogadores, talvez com a rotação mais profunda da liga. A ideia era promover este crescimento orgânico com a chegada de Ja Morant ao estatuto de superstar, e é aqui que se dá um twist curioso: enquanto o point guard definitivamente deu esse salto e é já um dos jogadores mais espectaculares de acompanhar na liga, a defesa de Memphis caiu de 6.º para 30.º em eficiência defensiva com Morant na rotação; desde a sua ausência por lesão, os Grizzlies têm (de longe) a melhor defesa do campeonato. Há factores atenuantes, é certo: o regresso de Dillon Brooks e a subida de produção desse lado do campo de Jaren Jackson Jr., bem como um calendário mais facilitado. De qualquer maneira, aquele que pareceu um momento que tornaria a época num pesadelo foi transformado num registo de 6-1 e o quarto lugar isolado na conferência. O desafio para Taylor Jenkins agora é o de encontrar um equilíbrio defensivo com o regresso do seu point guard, e quem sabe se Memphis não fará melhor que as idas ao play-in dos últimos dois anos.

Os Wizards foram talvez a maior surpresa do início de temporada. Uma colecção de veteranos sem experiência enquanto colectivo que se enturmou imediatamente, tendo chegado a liderar a conferência. Com seis derrotas nos últimos 10 jogos e a 7.ª pior eficiência colectiva da liga nesse período, a realidade parece agora estar a assentar. Escrevi no último artigo que o estado de graça de Washington iria acabar por passar, mas que a luta pelo play-in era uma hipótese em aberto, e só isso já seria um exceder de expectativas na capital. Restam as dúvidas de longo prazo: Bradley Beal está a ter uma época decepcionante e é free agent no Verão (se quiser), um conjunto de prospects (Hachimura, Avdija, Kispert, Gafford) cujo valor pode andar entre o ‘medíocre’ e o ‘bom’ e o rol de veteranos que tornam a equipa boa o suficiente para competir, mas insuficiente para se tornar melhor a médio prazo. Os Wizards podem ser uma equipa a ter em conta no mercado de trocas até fevereiro, dependendo de como projectam o seu futuro.

Uma das melhores histórias deste início de temporada são os Cavs. Uma equipa muito competente, que assente em bons princípios defensivos aplicados pela presença interior de Jarrett Allen e a mobilidade de Evan Mobley (muitos emojis do coração aqui) disputa qualquer jogo contra qualquer equipa. Garland está a dar um salto assinalável e projecta-se como um possível futuro All-Star. A equipa de Cleveland tem razões para sorrir, e o que já mostrou este ano deve dar-lhes a sensação de que estão no caminho certo – serão pelo menos equipa de play-in. Devem apostar no crescimento do seu núcleo de jogadores, sendo a próxima decisão importante a tomar o futuro de Collin Sexton.

“Hmm, vamos ficar no top 6, certo?”

LA Clippers (14-12, 5.º Oeste)

Philadelphia 76ers (14-12, 7.º Este)

Atlanta Hawks (13-12, 8.º Este)

Dallas Mavericks (12-12, 6.º Oeste)

LA Lakers (13-13, 7.º Oeste)

Boston Celtics (13-13, 10.º Este)

Este é um grupo que olhamos e temos um conjunto de boas equipas, que apesar de se verem como podendo fazer estragos na postseason, a verdade é que neste momento se encontram a alguma distância dos favoritos. Têm também em comum o facto de estarem comprometidos com uma ideia de construção de plantel em que a flexibilidade no seu cap ou desapareceu ou está prestes a acontecer. No Este, é quase garantido que uma destas três equipas irá disputar o play-in: depois do top-4 mencionado acima, simplesmente não há espaço para mais. Os Sixers estão a atravessar a melhor fase da temporada, passadas as ausências por COVID, Maxey afirmou-se como podendo ser uma solução temporária enquanto dura o impasse de Ben Simmons, e só uma troca pelo base com um retorno favorável justificará um recalibrar de expectativas em Philly. Aguardemos.

Os Hawks são vencedores de sete dos últimos 10 jogos depois de um início difícil, mas a sua defesa é neste momento a sétima pior do campeonato, e isso coloca um tecto nas suas aspirações. Lesões permanentes em Reddish e Hunter, aliada à incapacidade defensiva de Trae, Lou, Bogdanovic e Gallo no perímetro torna muito complicada a vida a John Collins e Capela no interior. Deverão aproveitar este ano para procurar soluções para defesa na asa uma vez que a extensão máxima de Trae Young está à porta, ou assumir que repetir a final de conferência é uma miragem.

Há equipas que ficam presas na mediocridade, e depois há os Celtics, que estão presos no ‘somos bonzinhos’ desde que juntaram Tatum a Jaylen Brown. É uma equipa numa situação de cap complicada, e as dúvidas sobre o sucesso de longo prazo com os dois wings no plantel irão subsistir. Robert Williams está a dar sinais de se tornar a presença interior que faltou nas equipas de Brad Stevens, mas parece que se avizinha mais uma época de ‘esperar para ver onde estamos em relação aos outros’ em Boston, especialmente porque Jaylen tem falhado muito tempo. No final da época veremos como está o sentimento em relação ao seu futuro.

Os Clippers abandonaram a final de conferência do ano passado com a sensação de que podiam ter feito melhor, e que com Kawhi Leonard a final seria possível. Apesar do salto dos Warriors, o sentimento no front office e balneário mantém-se inalterado: Ty Lue está a fazer um bom trabalho com o que tem à disposição e é difícil argumentar que com Kawhi não estarão na luta do Oeste. O problema é que o seu regresso este ano é improvável e, com uma folha salarial totalmente comprometida, os Clippers não terão muitas opções a não ser continuar este caminho e esperar por azares alheios para chegar longe.

Depois de duas saídas do playoff à primeira precisamente frente aos Clippers, os Mavericks decidiram fazer alterações fora de campo, desde o front office ao comando técnico. Jason Kidd chegou e prontamente os Mavericks se tornaram uma equipa medíocre: a defesa melhorou face aos tempos de Carlisle (16.ª em eficiência defensiva), mas o ataque caiu a pique numa tentativa de reintegrar Porzingis na equipa e retirar um pouco o heliocentrismo de Luka Doncic; um diferencial de -1.3 pontos por 100 posses de bola é o 10.º pior da liga, e há muito mais perguntas que respostas no futuro de Dallas, com a extensão máxima de Luka à porta.

E o que dizer dos Lakers? Por esta altura, é já evidente para todos que trocar os minutos na asa de KCP e Kuzma por Westbrook foi asneira grande, apenas suplantada pelo erro de deixar Alex Caruso sair com um obrigado e uma palmada nas costas. O que sobrou foi uma equipa completamente estrangulada na folha salarial, sem caminho para apresentar uma defesa razoável. O front office dos Lakers decidiu abandonar a fórmula ‘LeBron + AD + peças que permitam ao Vogel montar uma defesa’, que os tornou campeões há apenas 15 meses, e decidiu trocar a última parcela por ‘contratos mínimos que hão-de meter uns triplos’. Isso não vai ser suficiente em LA, e a subtil passagem neste contexto de LeBron de jogador top-3 da liga para top-5/10 e de AD de top-5/10 para top-25 desde os tempos da bolha não ajuda. É jogar esta época até ao fim e entrar na lotaria de Verão outra vez.

“Temos aqui qualquer coisa e queremos muito saber o que é”

Charlotte Hornets (14-13, 9.º Este)

Minnesota Timberwolves (11-14, 9.º Oeste)

Hornets e Timberwolves são duas equipas perfeitamente razoáveis e medianas na NBA (17.º e 19.º em eficiência colectiva, respectivamente), e isso são excelentes notícias! Tendo começado o ano com expectativas de lutarem por uma vaga no play-in, estão neste momento no meio dessa luta e com todas as razões para acreditarem na sua capacidade em garantir uma vaga em Abril.

Tanto em Charlotte como em Minnesota a tendência positiva é assente no nascimento de duas estrelas: LaMelo Ball é um jogador All-NBA neste momento, um dínamo ofensivo que vê coisas que outros não vislumbram, e processa o jogo a um ritmo diferente dos outros nove em campo; Anthony Edwards é um espécime criado em laboratório para marcar pontos na NBA moderna, um tanque que combina força, velocidade e agilidade que dá a sensação que está apenas a arranhar a superfície. Ambas as equipas devem seguir este caminho, embora haja tarefas no front office a serem resolvidas: a defesa dos Hornets é um buraco e a equipa parece que disputa cada jogo na casa dos 120 pontos; Plumlee é simplesmente mau e PJ Washington curto em tamanho para uma presença interior que faz falta (Myles Turner pelo hometown boy Gordon Hayward para Indiana, estamos à espera do quê?). Já em Minnesota a defesa tem dado sinais de vida, mas uma bola começa a ser pouco para a convivência entre D’Angelo Russell, Ant e KAT – eu sei de qual abdicaria.

“Podemos só avançar para a próxima época, por favor?”

Denver Nuggets (12-13, 8º Oeste)

A situação dos Nuggets é tão deprimente que lhes dedico uma categoria só para eles e rapidamente seguimos em frente. Longe vão os tempos (e nem passaram 10 meses) em que a troca por Aaron Gordon assentou que nem uma luva na equipa de Denver: num Oeste completamente aberto, Denver ganhou os primeiros quatro jogos depois da troca por mais de 12 pontos de diferença, incluindo contra Hawks, Sixers e Clippers. Estava ali um contender, com todas as letras. O resto já sabemos: Jamal rebentou o joelho, as costas de MPJ deram de si e Aaron Gordon, Deus o abençoe, é uma boa quarta opção e uma terrível segunda. Sobra Nikola Jokic, o melhor jogador de basquetebol do planeta, a lutar sozinho por manter uma equipa à deriva e cujo prime na alta roda da NBA enfrenta sérias questões, pela saúde dos que o rodeiam. Merda para isto.

“Vamos ficar em terra de ninguém, ou qual é o próximo passo?”

New York Knicks (12-13, 11.º Este)

Sacramento Kings (11-14, 10.º Oeste)

Toronto Raptors (11-14, 12.º Este)

San Antonio Spurs (9-15, 12.º Oeste)

Chegámos definitivamente à parte menos optimista da coluna, onde temos aqui quatro equipas em período de estagnação: todas estão mais ou menos com o mesmo núcleo e performance do ano passado, e a percorrer uma estrada que não vai dar a parte nenhuma.

Em New York, os Knicks apostaram que trazer ameaça ofensiva desde o perímetro iria aumentar o espaço para Randle e Barrett operarem, a custo de alguma defesa. O tiro saiu espectacularmente pela culatra. Os Knicks passaram da quarta melhor defesa em 2020/21 para a 20.ª à entrada do mês de Dezembro, quando Kemba foi retirado da rotação. O cerne da questão está em Julius e RJ, claro: são dois jogadores absolutamente médios na sua globalidade, numa equipa que se apoia neles como primeira e segunda opção. Rodeiem-nos de defesas, e a defesa vai ser boa, mas o ataque pobre; vice-versa com jogadores de perfil ofensivo. Junte-se a isso o facto de serem maus lançadores, e a construção de plantel dos Knicks é uma charada difícil de resolver.

Os Kings ganharam cinco dos últimos oito jogos, o que torna Alvin Gentry uma lenda viva na capital da Califórnia! Apesar de de repente se terem encontrado na luta do play-in, o panorama não muda em Sacramento: é uma equipa que não vai a parte nenhuma como presentemente construída, nem tem talento para o fazer. Começam a surgir rumores de um futuro sem De’Aaaron Fox… estará Ben Simmons na calha?

Spurs e Raptors são equipas a quem se reconhece talento e uma organização funcional, mas cujo caminho para subir na tabela não é evidente; em ambas as situações temos muitos jogadores que serão óptimas segundas ou terceiras opções, mas onde falta o talento de topo indispensável ao sucesso na NBA. Se nos canadianos Scottie Barnes traz um raio de esperança a um core de FVV, Siakam e OG Anunoby, já os texanos terão que, mais tarde ou mais cedo, reconhecer que o interessante núcleo de Dejounte Murray, Derrick White, Vassell e Poeltl simplesmente é insuficiente para sair da metade inferior da conferência.

“Basta, assim não vai dar”

Portland Trailblazers (11-15, 11.º Oeste)

Indiana Pacers (11-16, 13.º Este)

Para o fim deixo as duas equipas que parecem já ter tomado a decisão de apontar para o futuro, uma vez que do presente não virá nada de bom. Em Portland, a queda em desgraça de Neil Olshey parece ter sido o toque final na insustentabilidade no status quo dos Blazers: uma equipa que cometeu muitos erros no draft, e tentou sempre em vão e sem flexibilidade no cap melhorar a sua defesa para compensar as fragilidades defensivas dos criadores de pontos da equipa. Todas as hipóteses parecem estar em aberto, desde uma remodelação profunda à volta de Dame Lillard, até a própria troca do icónico base dos Blazers, apesar da sua insistência em dizer que quer permanecer na equipa. Já os Pacers foram mais explícitos e é assumido que estão abertos a trocar Caris Levert e um dos elementos do seu frontcourt. A equipa de Indiana pecou por não conseguir fechar jogos: de acordo com a NBA.com, são a quinta equipa que disputou mais minutos no clutch, mas são a sexta pior em eficiência nesses minutos, com um registo de 3-12 nas partidas que envolveram jogos com 5 pontos de diferença a 5 minutos do final. Trágico, uma vez que são a décima melhor equipa em eficiência colectiva, e o seu diferencial de pontos nesta fase (+1.6 pontos por 100 posses de bola, melhor que Celtics, Sixers ou Hornets) está mais perto de se traduzir num registo de 15-12 do que 11-16. De qualquer maneira, Rick Carlisle e o seu front office decidiram que já viram o suficiente e que mudanças são necessárias… aguardemos para ver quais.

por LUCAS NIVEN [@lucasdedirecta]

Autor

Lucas Niven

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