“Se os tanques tiverem sucesso, a vitória seguir-se-á”

por out 14, 2022

A citação é de um conhecido general alemão da Segunda Guerra Mundial, mas resume muito bem o que se suspeita ser o discurso predominante em inúmeras equipas da NBA por estes dias: “Olhem para o Wemby, olhem para o Scoot. O caminho mais rápido para colocarmos a nossa equipa numa fase ascendente passa por perder muitos jogos este ano”.

É verdade, os mais que antecipados confrontos que opuseram o Metropolitans 92 ao conjunto da G League Ignite colocaram certezas onde já havia poucas dúvidas: Victor Wembanyama e Scoot Henderson serão, por esta ordem, as duas primeiras escolhas do Draft de 2023. O poste francês dissipou quaisquer costumeiras e teimosas reticências que a audiência americana pudesse ter, como o nível de competição ou os números ‘modestos’ que se praticam na Europa, ao terminar o duplo confronto com médias de 36.5 pontos, 7.5 ressaltos, 4.5 triplos e 4.5 desarmes de lançamento, acumulando um total de 28 (!) idas à linha de lance livre.

A cassete já não enganava e os números confirmam: estamos a falar do candidato a Draft mais cobiçado em vinte anos, desde um tal de LeBron Raymone James. Scoot jogou apenas o primeiro jogo, e deixou claro o facto de não ser apenas um prémio de consolação para quem ficar com a segunda escolha no sorteio da Lottery; é o protótipo de base moderno, com uma capacidade atlética absurda e uma habilidade e capacidade de decisão no bloqueio directo de nível NBA, mostrando-se muito mais evoluído que outras escolhas de elite em drafts anteriores neste ponto do seu desenvolvimento – como o próprio Wemby disse, seria facilmente a primeira escolha… caso ele não tivesse nascido.

A constatação dos factos do parágrafo anterior deixa, por estes dias, muitos front offices a salivar de cobiça por um destes rapazes, e o tema do tanking voltou a estar na ordem do dia: a época ainda não começou e já temos o comissário da NBA a deixar recados para a forma como quer ver a competitividade na sua liga assegurada. O problema é que não raras vezes, e estando ainda em pré-época, o tema do tanking é falado de forma abstracta, referindo-se vagamente ao conjunto de equipas que sabemos não ir ser competitivo – mas quem são essas equipas? E quantas são? Será que controlam sequer o destino da sua própria escolha de draft para abraçarem esse empreendimento que é perder uma montanha de jogos no ano?

O que se segue é a contagem dos franchises que estão com mais olhos nestes dois miúdos do que na época que se avizinha; não deve ser visto sob o prisma “Para onde vai jogar o Wemby?” ou “Onde é que eu preferia ver o Wemby?”, mas sim “Que equipas têm hoje a melhor (pior?) infraestrutura para traçar como objectivo ganhar o menor número de jogos possível, e assim acumular as melhores probabilidades no draft que se avizinha?”

Tier 1: Just lose, baby!

Oklahoma City Thunder, San Antonio Spurs, Indiana Pacers, Utah Jazz

Parecia mal começar esta lista por outra equipa que não aquela que é a actual porta-bandeira do ‘Trust The Process’. Os Thunder há muito que abraçaram a reconstrução do seu plantel via draft, desde as trocas que ditaram as saídas de Paul George e Russell Westbrook. A verdade é que o último já vai na sua terceira equipa desde então, e a equipa de Oklahoma… continua no fundo da tabela. Com uma colecção assinalável de talento, mas sem grande experiência no plantel, o destino dos comandados de Mark Daigneault ficou traçado, ironicamente, em Seattle, quando uma lesão no pé afastou Chet Holmgren da temporada 2022/23. Chet parece ser o talento que pode transformar o destino de um franchise, e a sua dinâmica com Shai Gilgeous-Alexander ameaçava trazer algumas vitórias. Agora, com o último também lesionado, os Thunder nada mais farão que rodar o pelotão de adolescentes que adquiriram nos últimos anos, evoluir ao máximo Josh Giddey, Aleksej Pokusevski e Luguentz Dort, e acumular muitas, muitas derrotas.

Os Spurs, presos em terra de ninguém desde a reforma do seu Big 3, tinham vindo numa aposta cada vez maior na juventude desde as saídas de LaMarcus Aldridge e DeMar DeRozan. A supreendente troca de Dejounte Murray selou o futuro próximo dos Spurs: colocar todas as fichas no desenvolvimento interno (Keldon Johnson, Devin Vassell, Tre Jones, Joshua Primo e rookies), arranjar uma casa para Jakob Poeltl (uma troca que poderá transformar a sua defesa de ‘má’ para ‘péssima’) e restantes veteranos, perder muitos jogos pelo caminho, e rezar por alguma sorte nas bolas de ping pong. Em San Antonio, é hora de reviver 1997.

Outra equipa habituada ao meio da tabela, mas na conferência oposta, decidiu no ano passado também ela libertar-se das amarras da mediocridade e abraçar uma viagem (que esperam ser curta) ao fundo da classificação. Notoriamente conservadores na sua estratégia e habitualmente confortáveis em disputar os últimos lugares de acesso ao playoff, os Indiana Pacers apanharam a NBA de surpresa ao trocar Domantas Sabonis, o seu mais produtivo jogador, por Tyrese Haliburton, uma estrela em ascensão na liga. Malcolm Brogdon e Caris Levert seguiram o mesmo caminho, e ainda que a novela com os Lakers pareça infindável, pouca dúvida haverá de que Buddy Hield e Myles Turner vestirão novas camisolas este ano. Sobra muito pouca coisa à volta de Hali, excepto dar o máximo de minutos a Chris Duarte, Bennedict Mathurin e Isaiah Jackson – nenhum tem mais do que um ano de experiência – e com isso sorrir a cada nova derrota que a temporada irá trazer. Ponham o Rick Carlisle a fazer psicoterapia o quanto antes.

Danny Ainge é definitivamente o homem certo no sítio certo, na altura exacta. Com créditos firmados nos círculos da NBA pelo desenvolvimento interno em Boston e pela espectacular transição entre eras que os Celtics fizeram no passado recente, não hesitou em finalmente desligar a máquina aos Jazz de Donovan Mitchell e Rudy Gobert. Com isso veio não só um camião de escolhas de draft (são já três no próximo ano), mas também um treinador novo e um conjunto assinalável de jogadores competentes, veteranos que pertencem à NBA e que até se arriscam a ganhar mais jogos do que Ainge quererá. Assim, a missão dos Jazz este ano passa por continuar no mercado como vendedora: Kelly Olynyk e Malik Beasley juntam-se a Rudy Gay, Mike Conley e Jordan Clarkson no rol de jogadores para os quais o telefone do GM de Utah estará sempre disponível. Sobra uma lista de projectos em alturas importantes da carreira (Markkanen, Sexton, Vanderbilt, Alexander-Walker) que tanto poderão ter um futuro em Salt Lake City, como arrendar nova casa até fevereiro. Muitas mexidas haverá, e para Ainge a decisão será tomada sempre na mesma direcção: acumular capital futuro, e perder jogos no presente.

Tier 2: Nós até queríamos ganhar uns jogos. Será que devemos?

Charlotte Hornets, Houston Rockets, Detroit Pistons, Orlando Magic

Em Houston, Detroit e Orlando, o feeling é o mesmo: contentes com o talento que acumularam nos últimos anos, sabem que não são candidatos a nada, mas gostavam que os miúdos começassem a trazer algumas vitórias. A excepção são os Hornets. Ao terem disputado o acesso ao play-in nas duas últimas temporadas, LaMelo Ball e companhia viam-se como equipa em trajectória ascendente; o problema, claro, foi a ‘companhia’. Miles Bridges e Montrezl Harrell tiveram problemas com a justiça, e se o último os tem resolvidos e seguiu viagem para os Sixers, Bridges tem um caso bastante complicado para resolver e não deverá jogar esta temporada, isto depois de ter estado a caminho de assinar um contrato máximo com a equipa de Michael Jordan. Sobra um plantel bastante incoerente, com Rozier e Oubre Jr como opções importantes mas inconsequentes e os ‘trintões’ Hayward e Plumlee claramente a prazo. Com LaMelo lesionado para o início ano, a época dos Hornets pode rapidamente fugir-lhes às expectativas; junte-se o facto da sua própria pick só estar protegida para as primeiras 16 posições do draft (é devida aos Spurs em caso contrário), e pode estar reunida uma tempestade em que a equipa de Charlotte provavelmente teria muito mais a ganhar ao descer na tabela, do que em (tentar) subir.

Quão alto será o impacto de Jabari Smith Jr. e Tari Eason nas suas épocas de estreia, e como será a evolução de Alperen Sengun na sua segunda época, depois de um belo EuroBasket? Estas são as perguntas que decidirão a temporada dos Rockets. Tate, Kenyon Martin Jr., Christopher são peças complementares interessantes (e ainda há Garuba, também ele com um bom campeonato da Europa), Kevin Porter outra constante incógnita e Jalen Green será um grande marcador de pontos – a questão em Houston é qual o ritmo a que todos estes atletas irão converter o potencial em produção. Não ficava surpreendido se ganhassem 21 jogos, ou 32. Vão perder bastante, mas os Texanos irão fazê-lo organicamente, tentando construir uma equipa a partir dos elementos de que já dispõem.

Não nos enganemos em relação a Cade Cunningham: apesar de ultrapassado por Scottie Barnes e Evan Mobley na luta de melhor rookie da temporada passada, é definitivamente um franchise player, um criador de jogo muito grande que consegue transportar (ou passar) a bola para onde quer, manipulando defesas e criando vantagens constantes aos colegas de equipa – as médias de 21.1 pontos, 5.7 ressaltos e 6.5 assistências acumuladas (em 20 jogos) desde a paragem para o All Star são uma amostra do que está para vir. Detroit ganhou 23 jogos em 2021/22 e ganhará mais este ano; as aquisições dos veteranos Noel, Bogdanovic e Burks são de uma equipa que quer olhar para cima. Hayes tem dado bons sinais, Bey tem coisas muito boas (e outras bem más), e Ivey pode ter algum sucesso contra segundas unidades. O play-in talvez seja demasiado ambicioso, mas os Pistons estão a comportar-se mais como uma equipa que quer ganhar jogos do que em perdê-los. O preço a pagar será uma probabilidade menor de conquistar uma escolha no top-2 do draft do próximo ano.

Franz Wagner e Paolo Banchero serão, a curto prazo, a dupla de extremos favorita de toda a população detentora de League Pass. São incrivelmente talentosos, têm um QI muito acima da média, gostam de partilhar a bola (e fazem-no bem) e vão ser no geral um deleite de ver jogar juntos. Os Magic, na sua máxima força, poderiam assumir sem medos uma candidatura ao play-in: Wendell Carter está com uma nova vida na Flórida, Fultz também, Jonathan Isaac ameaçava ser um dos melhores defensores da liga da última vez que o vimos jogar, e Suggs deixou indicadores de melhorias para ter um grande segundo ano. A realidade, infelizmente, é diferente: Isaac continua desaparecido em combate (evangélico, acha ele), e Suggs e Fultz começam o ano limitados por lesões que podem envolver uma recuperação que condiciona mais algum tempo. Tudo isto pode resultar em alguma instabilidade e incerteza na rotação, e custar a estabilidade necessária ao desenvolvimento do talento jovem. Ainda assim, os Magic deverão encontrar vitórias suficiente para não se encontrarem na luta pela vitória no sorteio que ditará a ida de um gigante francês para uma equipa de NBA feliz da vida, e cheia de derrotas. Que marchem os tanques.

por LUCAS NIVEN [@lucasdedirecta]

Autor

Lucas Niven

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