Um dos maiores rivais da era de Stephen Curry faz agora parte dos Warriors. De que forma pode o veterano introduzir uma nova dimensão nesta equipa?
No dia 22 deste mês, cai a notícia como uma bomba entre os fãs da equipa de São Francisco. Os Golden State Warriors trocam aquela que tem sido a peça mais bem sucedida daquele que seria o seu “grupo do futuro”, o base de 24 anos Jordan Poole, por Chris Paul! Na verdade, os Warriors somaram ainda duas seleções de draft ao pacote para adquirir o “Point God”, agora com 38 anos e veterano de várias batalhas contra esta mesma equipa (quer pelos Clippers ou Rockets).
“It’s the money, stupid”
Se a missão aqui é entender como pode ser o encaixe destas duas partes e não litigar a qualidade da troca, é impossível contextualizar este evento sem mencionar que, mais do que a produção em campo e as habilidades de cada um dos jogadores que fizeram parte da transação, isto foi uma troca entre dois contratos – e ficou claro qual o menos valioso dos dois.
O luxo da distância temporal permite dizer que o caminho para a saída de Poole da equipa começou quase um ano antes, no dia 7 de Outubro de 2022. Este é o fatídico dia no qual a TMZ mostra ao mundo inteiro Draymond Green a agredir o seu companheiro de equipa durante o treino. E se é inteiramente compreensível que isto tenha afectado a dinâmica interna do plantel e contribuído para um ano de regressão na qualidade de jogo do Jordan, o contrato que Poole recebe imediatamente após esta situação é o que encosta os Warriors à parede para tomar esta decisão – uma extensão de rookie no valor de 128 milhões de dólares ao longo dos próximos quatro anos.
O novo acordo colectivo de trabalho anunciado pela NBA e pela associação de jogadores para entrar em efeito neste verão torna quase impeditivo uma equipa continuar a gastar dinheiro ao nível que Golden State tem feito nos últimos tempos. O João Costa listou todas as desvantagens do novo regime para essas equipas e ficou claro que havia uma decisão pela frente: Era impossível continuar a pagar a toda a gente no grupo de Draymond Green, Klay Thompson e Jordan Poole. Um deles teria de ir de mala feita para fora de São Francisco ainda este ano, no qual as restrições das trocas ainda não estão activas e a dificultar qualquer negócio. A escolha não foi difícil. Fica assim solidificada a ideia que Draymond vai renovar e continuar o seu percurso na equipa que onde tem jogado toda a sua carreira profissional – é difícil imaginar um cenário em que uma troca destas acontece sem já ter isso internamente estabelecido.
Nesta época, os Warriors foram 5.9 pontos por 100 posses de bola piores quando o Poole estava em campo do que quando ele estava no banco e, se isolarmos apenas os minutos em que Curry está também em campo, é uma diferença de -10.38 pontos por 100 posses de bola quando o Poole é um dos outros quatro! Se olharmos para algumas das principais métricas de impacto (EPM, DPM, LEBRON, RAPTOR) para tentar avaliar onde Poole se situa na liga, estas colocam-no na posição 261 de 417 jogadores com mais de 250 minutos jogados na época regular. Isto tudo para dizer que por muito nocivo que tenha sido o impacto de Poole nos resultados do jogo, a parte mais nociva para o franchise continuava na verdade a ser o seu contrato. Não se trata de uma questão de não acreditar que ele não pode dar a volta a um ano menos conseguido – antes pelo contrário, ninguém ficará surpreendido se em Washington ele retomar muito do seu valor. Mas financeiramente era uma questão existencial para os Warriors.
Et tu, Chris?
É impossível escapar à “bagagem” entre as duas partes do negócio. O anúncio da troca foi suficiente para recuperar alguns dos eventos mais recentes como os Warriors celebrarem em Houston com o cântico de “Fuck Chris Paul!” no corredor em que dava para o balneário da equipa da casa ou quando, ainda há uns meses, Stephen Curry relembrou CP3 que “já não estamos em 2014” (os tempos em que Paul era um dos melhores jogadores da NBA e Curry estava ainda em ascensão).
Mas se havia factores financeiros a levar à saída de Poole, também há motivos dessa natureza que tornam Chris Paul um alvo apetecível. Apesar de o contrato deste ano ter sido maioritariamente garantido para a concretização da troca, na próxima época o seu salário é completamente não garantido – significando que os Warriors (ou qualquer equipa que o receba numa subsequente troca) se pode libertar do jogador sem nenhum custo para a cap salarial da equipa.
É assim que os Warriors ganham flexibilidade: Tal como durante a saída de Kevin Durant no passado levou a absorver D’Angelo Russell, trazer Chris Paul mantém o acesso a um bloco de dinheiro acima da cap que pode ser re-aplicado numa troca – idealmente num salário mais pequeno, que seja sustentável para os próximos anos. É também mais fácil conseguir um negócio quando o receptor pode simplesmente cortar o salário depois ou a quantidade de dinheiro garantido é ajustável à necessidade. Mesmo na eventualidade que essa troca não surja, os próprios Warriors podem tirar o máximo que conseguem do jogador na época de 2023-24 e limpar as contas futuras não garantindo o salário.
E por falar nisso, que pode então Golden State esperar do seu novo membro quando for altura de entrar em campo?
Os pontos negativos
À partida, estamos a ver o mais próximo que existe entre água e vinagre quando comparamos o que definiu estilisticamente a carreira de Chris Paul com o que Steve Kerr implementou desde a sua chegada em 2014.
Não há volta a dar: O valor de um jogador nesta equipa é inteiramente dependente de como afecta os minutos no qual Stephen Curry está em campo. O estilo de jogo dos Warriors é completamente definido pela sua estrela e o seu incansável movimento fora da bola e a resultante gravidade que implode esquemas defensivos. Podemos apenas olhar para os últimos três anos e ver quanto do jogo da equipa é directamente finalizado por acções “vindas de movimento”, em comparação com o jogo mais clássico de bloqueio directo:
Golden State Warriors (fonte) | Frequência de cada tipo de acção (%) [Ranking na NBA] | |||
Pick and Roll | Handoff | Cut | Off-Screen | |
2020-21 | 14.8% (27º) | 7% (3º) | 8.8% (4º) | 8% (1º) |
2021-22 | 12.6% (29º) | 6.4% (4º) | 10.5% (1º) | 9.7% (1º) |
2022-23 | 13.5% (28º) | 7% (3º) | 10.2% (1º) | 10.2% (1º) |
Se muito do ataque de Golden State deve o seu sucesso a um jogo rápido ao nível da reacção e da decisão – uma leveza improvisacional potenciada pela química das suas várias partes – Paul, por oposição, é um jogador profundamente metódico. O seu brilhantismo revela-se no papel clássico do base que sonda e mapeia todo o campo antes de entrar em bloqueio directo. Na época que agora terminou, CP teve um tempo médio de toque na bola de 5.59 segundos, o 7.º valor mais alto da NBA; O jogador que lidera os Warriors nessa marca, Steph Curry, aparece apenas no 66.º lugar!
Usando os mesmos dados da tabela anterior e olhando para os perfis da frequência de cada tipo de jogada, a diferença entre Paul e os membros de Golden State é gritante:
Outra maneira de verificar este contraste é olhando para um par de métricas que calculei (detalhes omitidos deste artigo para efeitos de brevidade) procurando quantificar os pontos gerados pelas tais acções associadas a movimento, a capacidade de lançamento de distância e quanto espaço os defesas dão para esses mesmos lançamentos:
Movement Scoring (Percentile) | “Gravidade” no Perímetro (Percentile) | |
Stephen Curry | 98.º | 100.º |
Klay Thompson | 99.º | 99.º |
Jordan Poole | 87.º | 95.º |
Donte DiVincenzo | 86.º | 91.º |
Chris Paul | 1.º (!) | 58.º |
E não é apenas a natureza estática do seu jogo que torna o papel de Chris menos claro entre os melhores grupos da equipa. As defesas adversárias não irão respeitar o seu lançamento de três pontos e irão tentar bloquear o movimento ofensivo das maiores ameaças – ainda para mais sabendo que é pouco provável que Paul abandone a sua posição inicial.
Podemos dizer que a solução óbvia é meter a bola nas suas mãos enquanto dois dos melhores lançadores de sempre correm à sua volta mas isso resulta numa duplicação de papel com Draymond Green. E se ambos serão ignorados pela defesa quando não tiverem a bola nas mãos, apenas um deles consegue somar uma incrível capacidade de rapidamente usar o seu corpo para uma acção de bloqueio à sua habilidade de passe.
Ainda para mais, neste cenário, a única pick and roll disponível entre CP e o equivalente a um poste seria com o próprio Green. É muito complicado gerar uma vantagem para atacar quando a defesa não respeita a capacidade de marcar pontos de nenhuma das duas partes envolvidas.
Jogar com Steph Curry e Chris Paul em simultâneo também dificulta a vida da equipa defensivamente. Paul não se trata de Gary Payton II ou DiVincenzo deste lado do campo pois tem sentido a idade e tem se vindo a tornar um alvo fácil para oponentes desde os playoffs da época passada. Isto obriga Curry a defender melhores jogadores no perímetro e força esta equipa a profundas deficiências de altura e atleticismo perante os adversários – algo que já era um problema no ano passado e esta troca só vem exacerbar.
Tudo isto leva-me a argumentar que juntar Chris Paul ao cinco inicial – e talvez até ao cinco que fecha jogos – é uma decisão que prejudica os Warriors. É por isso que recebo com receio a notícia, via Marc J. Spears, que a expectativa é que a nova aquisição substitua Looney no cinco inicial.
Respeitando que, em 1363 jogos de carreira (época regular e playoffs), Chris Paul nunca iniciou a sua participação num jogo saindo do banco, eu aqui defendo que “equipa que ganha, não se mexe”. O cinco inicial do ano passado para Golden State foi mais que um sucesso: Em termos de Net Rating (Pontos marcados por 100 posses de bola – Pontos sofridos por 100 posses de bola), foi o melhor cinco da NBA inteira que tenha jogado mais de 200 posses de bola:
De notar que outro conjunto da equipa aparece ainda no top 5, também envolvendo Kevon Looney.
Mesmo que a decisão de alterar o papel de Looney vá para a frente, suspeito que será como todos os playoffs dos últimos anos, e não passará muito tempo até o treinador decidir que é altura de voltar ao que sempre funcionou. Chris não terá escolha e não se pode excluir o cenário de isso originar tensões que resultam numa recolocação via troca mais cedo que o pretendido.
Os pontos positivos
Apesar de não ser o emparelhamento mais evidente, há obviamente vários cenários no qual a equipa pode melhorar com a adição do base que já foi 11 vezes selecionado para as equipas All-NBA. Afinal, apenas olhando para o que fizeram no ano que passou, Chris Paul foi indiscutivelmente um melhor jogador que Jordan Poole. Se uma menor carga de criação de jogo e de minutos ajudar a mascarar regressões resultantes da passagem do tempo, não há motivo para não ser imediatamente valor acrescentado para os Warriors .
Estou até aberto ao argumento que a parceria dele com o Draymond acaba por funcionar apenas porque estamos a falar de dois génios a processar o jogo a terem a oportunidade de atacar qualquer ponto fraco que identifiquem na defesa. Consigo ainda visualizar cenários onde Chris Paul é utilizado como screener, fora da bola mas dentro do pintado, para abrir cortes para o cesto de companheiros de equipa. Fica assim incumbente à equipa técnica e ao próprio jogador buscarem oportunidades de utilizar a sua leitura de jogo de uma forma activa e dinâmica.
Onde o papel teria retornos imediatos seria a controlar a segunda unidade. Novamente olhando para os últimos três anos, os Warriors têm um Net Rating de -2.24 nos minutos sem o seu MVP em campo e quando isso coincidiu com o Jordan Poole estar em campo, ainda ficava pelos -1.22. Na mesma janela temporal, os Suns tiveram um Net Rating de 2.50 quando Paul jogou sem a presença de Devin Booker (ou Kevin Durant).
Se o par de Curry e Green partilharem grande parte dos seus minutos, Chris terá ao seu dispor um cenário mais apetecível para o seu jogo de bloqueio directo, com a ajuda de Klay Thompson como o jogador perfeito para garantir mais espaço de acção e ainda surgir de pindowns ou slips e receber a assistência para o seu lançamento sem nunca precisar de muito tempo de bola.
Neste momento não existe um grande parceiro para o executar o roll para o cesto mas depois de ver como Paul consegue maximizar qualquer poste mediano (peço desculpa a Bismack Biyombo, mas não há melhor exemplo), não tenho dúvidas que um contrato mínimo chegaria para encontrar alguém para esse papel. E existem opções mais “fora da caixa” já entre o actual plantel: Gary Payton, apesar da sua estatura, tem assumido muito esse papel ofensivamente no seu percurso recente.
O que me deixa mais intrigado é se o bloqueio directo com Chris Paul pode desbloquear Jonathan Kuminga. Tipicamente, o atleticismo do jovem jogador tem sido usado para ataques rápidos numa fase inicial de ataque com a drive a partir da recepção da bola ou em cortes para o cesto vindos do lado oposto ao da principal acção:
Neste ano, ele terá de assumir em pleno o papel de backup 4. A esperança aqui seria aplicar esses dotes físicos e agressividade no ataque ao cesto para ser parte deste 2-man game. Segundo os dados da NBA, Kuminga apenas finalizou 71 posses de bola como Roll Man ao longo dos seus dois anos de carreira mas este ano já teve uma eficácia acima da média nesse cenário:
Jonathan Kuminga como Roll Man | Posses de Bola | Pontos Por Posse de Bola (PPP) | Percentil de PPP |
2021-22 | 36 | 0.97 | 28º |
2022-23 | 35 | 1.17 | 60º |
Olhando para alguns exemplos, vemos que ainda tem muito trabalho pela frente – acima de tudo, saber preparar o bloqueio e garantir que estabelece contacto de forma eficaz. Mas não existe melhor professor para essas situações do que um dos melhores operadores de bloqueio directo desta era. E é certamente tempo melhor gasto que as várias jogadas que eram desenhadas para o Kuminga tentar um post up.
Para mais, se há alguma vantagem na maneira deliberada com que Chris Paul aborda uma jogada é ser incrivelmente eficaz a minimizar turnovers:
- CP3 termina a última época em segundo lugar em Playmaking Usage (PmUSG%) mas com uma True Turnover % de 10.3% – a melhor marca para qualquer jogador no top 25 de PmUSG%.
- Paul tem um On/Off de melhoria da percentagem de turnovers da equipa acima do percentil 90 em 14 das 18 épocas da sua carreira!
- Nos seus 3 anos em Phoenix, a equipa esteve sempre no top 10 de menor taxa de turnovers.
Esta é uma dimensão que vai muito para além de bem-vinda a esta equipa: Golden State tem sido a segunda pior equipa da NBA em turnovers nas últimas duas épocas, algo para o qual Jordan Poole contribuiu intensamente…
O total de turnovers do Jordan foi o 4.º maior da liga na última época regular!
Agora, quando a equipa entra numa sequência de erros no qual a bola começa a voar por todo o lado com péssimos passes, é possível ao Kerr ordenar a bola para ficar nas mãos do jogador mais apto a quebrar esses ciclos que alguma vez teve a seu dispor.
Por fim, apesar das críticas que possa ter deixado à sua actual habilidade defensiva, Chris Paul não vai ser pior defesa do que Poole foi em 2022-23.
Conclusão
Há uma novidade intrigante em imaginar o que acontece quando se introduz numa máquina tão oleada uma peça que aparentemente não devia pertencer ali, que porém traz experiência comprovada e a sua particular forma de segurança.
Há muitos riscos aqui, a começar com a possibilidade que haja um confronto entre diferentes personalidades e um desalinhamento sobre o papel esperado e o papel “possível” aos olhos do treinador. A equipa está mais velha, mais pequena e menos versátil.
Na realidade, para todo o tempo gasto a pensar como poderá ser a experiência de jogo, pode ainda haver uma troca que acabe com esta parceria antes desta sequer ter um único minuto em campo.
Mas, podendo até ser menos prováveis, as maneiras no qual pode funcionar não são menos interessantes. Trata-se de uma força estabilizadora numa equipa que muitas vezes o precisa. Abre também a porta a uma segunda unidade desenhada para destruir os momentos em que os adversários também não estão a apresentar os seus melhores grupos, o desenvolver de um jovem jogador sob a asa de um veterano e ver um dos melhores bases da história a reduzir a sua carga de jogo a jogo com o objectivo de ter mais uma chance de competir ao mais alto nível.
Ainda falta um verão de decisões antes de sabermos que equipa se vai realmente apresentar quando isto começar a ser a sério. Mas, se chegar a ter a chance de jogar, Chris Paul em Golden State vai ser de uma forma ou outra um evento a não perder.
por MARTIM PARDAL [@MEmpire25]