Fomos todos testemunhas

por fev 8, 2023

That’s great company that I have my name mentioned with that guy, even though I’m a Kobe guy.

Cam Thomas, depois de se tornar no segundo jogador mais novo da História da NBA a conseguir marcar mais de 40 pontos de forma consecutiva, apenas atrás de LeBron James.

Eu também era um “Kobe guy”. Aliás, ainda sou. Jordan depois de Jordan. A superação sobre qualquer lesão ou contrariedade. A mentalidade: competitividade maníaca por vencer, convicção de que não há qualquer obstáculo que não seja possível de ultrapassar, um lançamento de cada vez.

Quando LeBron James apareceu vindo do liceu aos 18 anos, com o rótulo de “Chosen One”, rapidamente nos apercebemos do fenómeno que iria entrar nas nossas vidas.

0 pontos.

A inesquecível cara de prisão de ventre de Jerry West, quando perdeu a possibilidade de o escolher na Lottery. Os 27 pontos por jogo à segunda temporada, tornando-o All-Star (Em 2004. E nunca mais deixou de o ser), e a nomeação All-NBA na terceira época (Em 2005. E nunca mais deixou de o ser).

6307 pontos.

E 2007, quando isto aconteceu frente aos Pistons, que estavam na sua quinta final de Este consecutiva.

Não viram mal: marcou mesmo os últimos 25 pontos da sua equipa, aos 22 anos, frente à melhor defesa dessa década. Porquê? Bem, este foi o plantel que levou à final da NBA nesse mesmo ano:

Disse-lhe Tim Duncan, no final do último jogo: “I appreciate you giving us this year, this is gonna be your league in a little while”. Os Spurs ganharam, 4-0, mas Timmy tinha poucas dúvidas.

8439 pontos.

Nunca mais viria a repetir uma final pelos Cavaliers e a promessa d’O Escolhido entregar um título à sua terra Natal ficou por cumprir (ou pelo menos foi disso que ficámos convencidos). The Decision, onde tomou uma das piores decisões de relações públicas de que há memória para um grande atleta. O primeiro ano em Miami, sob um escrutínio sem precedentes, culminado noutra derrota na final da NBA, essa que levou um alemão ao Olimpo. Estamos em 2011.

17362 pontos.

E aqui, reflectimos. Passadas oito temporadas na sua carreira, LeBron James deixou para trás qualquer dúvida sobre o seu talento. Mas com duas finais disputadas (e perdidas) e uma polémica troca de equipa, o mar de críticos era enorme e o seu lugar entre os Grandes comprometido. Kobe Bryant conquistou nessa altura, no espaço de dois anos entre 2008 e 2010, dois títulos, dois Finals MVP, um MVP, e ouro olímpico (este também com LBJ); a Mamba Mentality atingia o seu pico e Kobe a sua imortalidade. LeBron? “É muito bom, mas nunca vai ser o Kobe”.

Começou aí uma série de oito idas consecutivas à final da NBA (igualando um record de Bill Russell) e os miúdos de Oklahoma City não conseguiram evitar, finalmente, o encontro entre LeBron James e Larry O’Brien. Doze anos volvidos, Kevin Durant, James Harden e Russell Westbrook são o segundo, terceiro e quartos melhores marcadores de sempre da NBA em actividade. O primeiro é o protagonista desta história. Em 2012, provavelmente a melhor performance individual que já vi na NBA, condenando os Celtics à morte em pleno Garden, no jogo 6 da final de Este, enfrentando a eliminação.

E os Spurs na final, e Tim Duncan outra vez. Ray Allen pode ter mudado o curso da História com um lançamento, mas havia um Jogo 7 para disputar. Duncan falha o que passou uma carreira a acertar, LeBron converte, rouba a bola e sela um segundo título consecutivo. Estamos na sua décima temporada, a sua carreira a menos de metade do caminho.

21081 pontos.

Num golpe de teatro, Tim Duncan ainda não lhe tinha entregado a propriedade da liga quando falhou aquele lay-up, e os Spurs de 2014 causaram nova final perdida a LeBron, num bailado disfarçado de basquetebol que sugou a alma aos Heatles e fez o miúdo prodígio do Ohio, agora homem campeão, voltar a casa. LeBron tinha um destino por cumprir, uma promessa por pagar, e ninguém criticaria se o melhor-jogador-do-mundo-a-caminho-de-ser-bilionário não voltasse a Cleveland. Quis fazê-lo, expondo-se ao falhanço, apesar de uma conferência Este órfã de equipas de topo. Continuaria a encontrar o caminho das Finals (LeBron chegar à final do Este, durante quase uma década, foi tomado como um dado adquirido) e a esbarrar consecutivamente contra a maior dinastia moderna da NBA. Depois de nova derrota (2-4 em Finais, e parece que os estamos a ouvir: “He’ll never be Jordan. Ever.”), 2016 acontece, o improvável acontece, isto acontece:

Este título é o feito mais impressionante que já vi um jogador de NBA atingir. Lembro-me perfeitamente de onde estava nessa noite, e de, pela primeira vez na minha vida, estar abertamente a torcer por LeBron. Queria o sucesso de Nowitzki, daqueles Spurs que me apaixonaram, e dos miúdos de Golden State que mudaram um basquetebol. Isto era diferente. Soa a buzina final, e estou completamente sem palavras, a ver LeBron ajoelhado em São Francisco. Ao lado, um amigo e fã confesso de James desde a primeira hora, finalmente ouve-me articular: “A partir de hoje, o Rei tem a coroa na cabeça.”

26833 pontos.

O destino volta a cruzar-se com Kevin Durant, e a perfeição daqueles Warriors aliada à contínua degradação do talento em Cleveland (uma marca constante nas equipas de LBJ, na qual não está imune a críticas), condena-o a novos fracassos, e o homem campeão, agora pai de família e lenda, procura nova casa para trazer os seus talentos. No ocaso da sua carreira, onde a preponderância do que entrega dentro do campo tem um grande peso, mas é não o único na sua vida, Los Angeles serve de lar para a sua família, e de base para o seu império bilionário. Um projecto de reconstrução e uns playoffs falhados, sinal de que as coisas já não eram como dantes, à medida que se aproximava dos Maiores. Como naquela noite em Philadelphia:

Kobe era, afinal de contas, um “LeBron guy”. Claro que era.

33644 pontos.

As coisas não eram como dantes, mas no ano da morte de Kobe Bryant e de uma pandemia que nos mudou a todos um bocadinho, LeBron mostrou que ainda podiam ser como sempre foram, e pediu respeito por isso.

O capítulo actual, e por favor não digamos que é o último (o tal respeito!), é cheio de altos e baixos, e com incerteza no futuro colectivo. A excelência individual, essa, teima em não desaparecer, e enquanto não cumpre o sonho de partilhar um court de NBA com o filho, escalou o pico mais alto de uma montanha sagrada, o Santo Graal que, sem querer, conquistou. O que durante a 38 anos pertenceu a Kareem, que lho entregou com a grandeza característica.

Foto: Andrew D. Bernstein

38390 pontos.

Kobe Bryant. Michael Jordan. Jerry West. Tim Duncan. Dirk Nowitzki. Kevin Durant. Steph Curry. Bill Russell. Kareem Abdul-Jabbar. Fomos todos testemunhas da viagem do miúdo de Akron, Ohio, que perdeu e ganhou contra os deuses deste desporto, até ele próprio se tornar num. Se ocupa o trono mais alto desse Olimpo? Não estou interessado na resposta. Fico-me pelo privilégio de termos sido todos testemunhas. E sim, somos todos “LeBron guys”.

por LUCAS NIVEN [@lucasdedirecta]

Autor

Lucas Niven

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