Os homens que correm atrás do tempo

por mar 11, 2022

Numa liga cada vez mais obcecada em descobrir o próximo talento, o próximo unicórnio, a próxima estrela, a NBA teima em ser um sítio onde a experiência e a idade continuam a ganhar os campeonatos. É muito raro vermos uma equipa jovem ter sucesso ao mais alto nível (OKC em 2010 talvez seja o último e melhor exemplo. Acontece, quando lá estão 3 futuros MVP), a disputar a sua conferência ou mesmo o título, sem a presença de veteranos no plantel, ou pelo menos com uma ou duas idas do seu núcleo aos playoffs para adquirir algumas cicatrizes de guerra.

Este ano, por exemplo, o Simple Rating System do basketball-reference.com inclui no seu top-8 de equipas mais fortes 5 das 8 mais ‘velhas’ da NBA (Suns, Jazz, Warriors, Heat e Bucks) – apenas os Celtics (que estão na média da liga) e os recém-aparecidos Grizzlies e Cavs invertem a tendência. As outras três mais veteranas – Lakers, Nets, e Nuggets – figuravam entre as favoritas na pré-época, podendo ainda causar estragos, não estando entre o principal lote de candidatos actualmente.

Assim, fui à procura de jogadores que simbolizassem este corolário: gente experiente, com um passado forte na postseason da NBA que, tendo já os seus melhores dias no espelho retrovisor, podem representar este ano para as suas equipas a diferença entre uma época sem história ou uma grande temporada a partir de Abril. São antigos All-Star, e a partir do momento em que as rotações encurtarem, aquilo que farão será mais importante que nunca e, em alguns casos, a última oportunidade de o fazerem a este nível, ou pelo menos ao serviço das actuais equipas. Vamos lá abrir essas garrafas de vinho.

Al Horford, Boston Celtics

10.3 pts, 7.7 reb, 3.4 ast, 1.4 blk, +16 NetRtg

Às 35 primaveras, Alfredo Reynoso, o nosso dominicano favorito, era exactamente aquilo que os Celtics precisavam e não sabiam. Completamente rejuvenescido após uma época fracassada em Philadelphia e outra ‘exilado’ em Oklahoma (talvez daí a boa forma), regressou em grande a Boston na troca que os Celtics utilizaram essencialmente para se verem livres do contrato de Kemba Walker (parece que foi há uma década, bem sei), na esperança de, na melhor das hipóteses, terem alguém que contribuísse e que conhecesse os cantos à casa, e na pior ficarem com um contrato mais fácil de gerir (era apenas parcialmente garantido nesta temporada, assim como na próxima). Alguns parvos, incluindo este que vos escreve, arriscaram que o valor dessa troca para Boston poderia estar em Moses Brown, um poste que deu nas vistas pelos Thunder no final da época passada.

Nada mais errado. Horford está a fazer a melhor época de longe desde que saiu de Boston, jogando a ‘quatro e meio’ – ora a quatro no 5 inicial ao lado de Robert Williams, ora a cinco na segunda unidade com um melhorado Grant Williams. Ambos os Williams estarem a fazer as melhores temporadas simultaneamente ao serviço dos C’s e o seu principal parceiro de frontcourt ser Al Horford só é uma coincidência para quem acredita nelas.

Tem sido um verdadeiro canivete suíço na defesa de Boston, onde os blocos vistosos do ‘Timelord’ disfarçam algumas das suas deficiências de leitura, e está muito confortável no sistema de trocas que Boston privilegia, apesar da sua idade e ‘fama’ de já ter os dias mais rápidos atrás de si. Veja-se aqui, contra Trae e Simons, dois jogadores que o deveriam deixar ‘nas lonas’:

Os Celtics são melhores com ele em praticamente todas as fases do jogo, atacam e defendem melhor com ele em campo (+4.0 NetRtg On/Off), e a sua experiência dá à equipa tudo o que ela precisar em dado momento – já falámos da defesa, mas numa segunda unidade o passe continua a ser muito valioso quando é necessária alguma criação – 3.4 assistências para apenas uma perda de bola por jogo dizem muito da qualidade dele neste capítulo.

Horford sempre foi o meu jogador favorito de uns Hawks que chegaram a fazer barulho um par de vezes. O que não sabia é que ainda ia gostar mais dele 10 anos depois, como o veterano e ‘pai’ de uma equipa que joga muito, muito bem. E que precisa dele.

Kyle Lowry, Miami Heat

12.9 pts, 4.6 reb, 7.9 ast, +5 NetRtg

Aquilo que se pede a Kyle Lowry, ele já o fez com distinção na fase regular. Com Jimmy Butler e Bam Adebayo a falharem 21 e 25 jogos de 67 possíveis (e muitos deles em simultâneo), os Miami Heat estão 33-17 nos jogos em que o ‘G.R.O.A.T.’ participou, mantendo a equipa no top-4 de Este que rapidamente de transformou na liderança isolada da conferência com o regresso das duas principais figuras.

Talvez ainda mais importante que o registo, foi a equipa que se ganhou pelo caminho: se Gabe Vincent, Max Strus, Caleb Martin ou Dewayne Dedmon eram nomes que deixavam algumas interrogações sobre a profundidade do plantel, hoje já não duvidamos que cada um deles tem 12-15 minutos prontos a contribuir – e muito se deve não só à mestria de Spoelstra a navegar um plantel que enfrentou muitas ausências, mas também ao facto de estarem em campo com um base que é um verdadeiro quarterback em campo, em que o jogo não tem segredos para ele hoje.

À beira de completar 36 anos, já sabíamos que Lowry iria ser um encaixe perfeito nos Heat fora do campo – não há vedetismos, não há egos, há uma equipa de basquetebol para a qual todos têm um plantel definido a cumprir (e um IMC que não podem ultrapassar). Dentro dele, não só completa a defesa de Miami com o seu QI alto (que o atleticismo já viu melhores dias) e sacando a falta ofensiva oportuna, mas principalmente no ataque pode ser a válvula de escape que faltou por exemplo em 2020, quando Butler foi claramente assoberbado com responsabilidades na criação (é um finalizador nato) uma vez que Herro ainda não tinha isso, sendo ainda um spacer de excelência.

Kevin Love, Cleveland Cavaliers

13.9 pts, 7.1 rebs, 2.2 ast, +11 NetRtg

Cleveland é, apesar de já nos termos habituado à sua competência, uma das grandes surpresas da época na NBA. E não houve ‘milagres’, antes pelo contrário – muitas coisas correram mal, principalmente no capítulo das lesões, com Sexton e depois Rubio a ‘caírem’. Mas ainda mais coisas correram bem: Garland e Allen entraram no patamar All-Star da liga, Mobley foi um tiro em cheio no draft, e Bickerstaff promoveu um esquema defensivo em que compensava as fragilidades no ponto de ataque de ‘SexLand’ com as duas torres Mobley e Allen, e ainda a inclusão de um terceiro ‘seven footer’ (termo cada vez mais liberalmente utilizado para definir ‘um gajo alto’) em campo, Lauri Markkanen.

E é precisamente aqui que entra o nosso amigo Kevin Love. Com 33 anos e uma carreira em Cleveland que caía a pique, quem poderia esperar isto? Entrando no lineup para cumprir qualquer função alocada a esses bigs no ataque (seja lançar no perímetro, criar no poste alto, atacar no baixo), é uma das grandes transformações da temporada. Love jogou apenas 58% dos jogos possíveis dos Cavs nas últimas cinco temporadas, desde que foram campeões em 2016, e nunca ultrapassou os 60 jogos – esta temporada leva já 57. Com os minutos bem monitorizados, longe da pressão do peso do seu contrato ter que entregar produção imediata ao clube, e com uma renovada alegria pelo jogo, temos visto o melhor Kevin Love nos minutos que se tem apresentado em campo. Não acreditam?

1) Kevin Love por 36 minutos, carreira

20.5ppg, 12.4rpg, 2.7apg, 2.1 triplos, .44/.37/.83 de lançamento

2) Kevin Love por 36 minutos, 2021/22

22.6ppg, 9.8rpg, 3.5apg, 4.0 triplos, .42/.39/.86 de lançamento

Aconteça o que acontecer na restante temporada, os Cavs deram um grande passo hoje para conhecerem o futuro da sua equipa amanhã. Com apenas um ano restante no contrato, numa época que irá começar depois de completar 34 anos, Kevin Love tem a restante temporada para fechar com nota positiva a sua passagem por Cleveland. O futuro, veremos.

Mike Conley, Utah Jazz

13.3 pts, 3.1 reb, 5.2 ast, +8 NetRtg

Os Utah Jazz, na terceira época da sua versão Conley/Spider/Gobert, estão mais silenciosos que nunca. O domínio defensivo do francês, 3 prémios de DPOY depois, já não é notícia, Donovan Mitchell é agora uma certeza a quem se exige sucesso nos playoffs depois de ter assinado pelo máximo… e Conley? Está claramente no ocaso da sua carreira, com mínimos em toda a linha desde que chegou pelos Jazz – excepção feita à sua durabilidade, onde ainda não tinha passado dos 51 jogos, indo esta época completar mais de 60.

E é aqui que reside a esperança de Utah em ter uma postseason condizente com o que a equipa já faz há muito tempo na fase regular. Ter a banda toda junta. Fosse Bogdanovic, Spider, ou Conley, os Jazz foram sempre daquelas equipas a quem uma lesão pareceu sempre desestabilizar o rumo bom das coisas; algo que não deve servir completamente de desculpa (os Clippers no ano passado viraram uma série depois de perderem Kawhi Leonard. Sim, contra… os Jazz). A visão dos responsáveis pela equipa quando assinaram com o ambidestro de Memphis era clara: depois de um ano a ver os benefícios que Ricky Rubio trouxe ao jogo de Donovan Mitchell, apostaram num criador primário com experiência para deixar o ‘combo guard’ mais livre dessas responsabilidades e atacar, atacar, atacar. É ainda isso que se pede que Mike Conley faça. Conseguirá fazê-lo? 3 anos depois da sua chegada, a defesa está mais suspeita que nunca, a durabilidade é tomada mais como uma benção que como uma certeza, e com um insucesso acumulado nos playoffs, não só a manutenção de Mike como o projecto Mitchell-Gobert pode ser posto em causa. Está na altura de fazer a sua melhor postseason em Salt Lake City. Eu gostava muito.

por LUCAS NIVEN [@lucasdedirecta]

Autor

Lucas Niven

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