Um português pelo Mundo: Memórias de Kavadarci

por dez 14, 2017

Apelidar aquele espaço de pavilhão para treinos é um enorme desafio para a imaginação… Não tinha medidas mínimas para o campo, todas as linhas estavam encostadas às paredes, a porta tinha de estar fechada senão ficava dentro das linhas, os aquecedores estavam suspensos na parede à altura da cabeça, também eles dentro da área de jogo, e as tabelas eram… dois pedaços de madeira apenas com aros!

Mudam-se os tempos mas não se mudam as vontades ou os compromissos, que é como quem diz, não obstante ter regressado a Portugal, a vontade e o prazer de continuar as minhas crónicas neste blog mantêm-se intactas.

O desafio de narrar aqui alguns dos episódios mais caricatos deste meu percurso internacional foi aceite e esperemos que o consiga fazer ao nível que se impõe neste espaço e perante uma plêiade tão respeitável de seguidores do Borracha Laranja.

Pegando no tema das Seleções, tendo em conta que sou Selecionador de Sub20 Femininos há mais de uma década, vivenciei de facto alguns episódios caricatos.

Lembro um muito peculiar, em 2010, em mais um campeonato europeu, desta feita na Macedónia e numa cidade chamada Kavadarci. No nosso staff já contava na altura com o José Araújo, entre outros elementos.

Conforme sempre fazemos, procuramos antecipadamente descobrir na internet os alojamentos, pavilhões, distâncias entre as várias instalações, horários. etc.. O planeamento da logística pode ser o detalhe que faz a diferença numa campanha e todos os treinadores sabem que “o segredo, se existe, está precisamente nos detalhes”.

Pareceu-nos desde logo que o hotel onde ficaríamos era sofrível, que o pavilhão de jogo era antigo e o de treino inexistente ou com algum “problema de relacionamento” com o motor de pesquisa da Google Earth, que a cidade não passava de um lugarejo com dez ruas, que a temperatura média naquela altura do ano rondava os 40 graus, entre outras coisas. Todas elas “agradáveis”, conforme calculam.

Quando chegados ao local e preparados para um autêntico “cenário de guerra”, constatamos que afinal não era assim tão mau. Era ainda pior…

Afinal não ficávamos em Kavadarci, mas em Negotino, uma localidade a 20km de distância. Afinal não era um lugarejo com dez ruas, mas um amontoado de casas num local onde acabava a estrada nacional, com duas ruas – talvez – e sem hospital. A única coisa semelhante era mesmo… a temperatura. Um calor sufocante de mais de 40 graus. O hotel que tínhamos visto na internet era o mesmo… de há 30 anos.

Com efeito, o espaço livre de terraço acabava numa autêntica selva, com parte das instalações em ruínas ou abandonadas e a outra parte inacabada, como algumas varandas sem vedação. Nem todos os quartos tinham refrigeração e, nalguns casos, o convívio forçado com todo o tipo de insetos era uma realidade.

O transporte era feito em autocarros de transporte público, sem janelas de abrir ou ar condicionado, pelo que os 20km de viagens diárias, em cada sentido, tornavam-se um suplício ou um prazer, dependendo de se gostar de sauna ou não.

O pavilhão de treinos existia, se bem que apelidar aquele espaço de pavilhão para treinos é um enorme desafio para a imaginação… Não tinha medidas mínimas para o campo, todas as linhas estavam encostadas às paredes, a porta tinha de estar fechada senão ficava dentro das linhas, os aquecedores estavam suspensos na parede à altura da cabeça, também eles dentro da área de jogo, e as tabelas eram… dois pedaços de madeira apenas com aros!

Finalmente o pavilhão de jogos, que, não sendo mau, era antigo e desprovido de ar condicionado. Num termómetro de parede que existia no seu interior, chegamos a constatar, antes de um jogo, mais de 40 graus…

A nossa primeira refeição no hotel foi… um prato com esparguete. É verdade, não tinha qualquer acompanhamento. Depois de alguma insistência lá se conseguiu que nos fizessem alguns hambúrgueres. Porém, para além de minúsculos, eram contados. Um dos empregados controlava o seu levantamento na mesa do buffet e não ousamos experimentar o que aconteceria se tentássemos retirar mais do que uma peça.

Isto não aconteceu no século passado, meus amigos. Este europeu ocorreu há sete anos e serve sobretudo para vos deixar duas ideias. Primeiro, que as nossas organizações, nomeadamente as dos Europeus de Matosinhos, são de primeiríssima água. Segundo, que as seleções vivem por vezes cenários realmente críticos no plano desportivo, longe da ideia de que tudo são rosas ou luxos.

Já agora, e em jeito de conclusão, importa referir que fizemos um Europeu brilhante, indo até às meias-finais, onde fomos derrotados por 7 pontos, num jogo cheio de polémica com a Grã-Bretanha. Ao perdermos no jogo da medalha com a República Checa, classificámo-nos em 4.º lugar.

Por agora fico-me por aqui, com a promessa de mais “estórias” em 2018.

Bom trabalho e não se esqueçam de se divertir a jogar.

por EUGÉNIO RODRIGUES

Autor

Eugénio Rodrigues

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