What if #1: Grant Hill, o herdeiro do trono

por maio 29, 2022

O desporto é, habitualmente, uma reflexão imperfeita da nossa sociedade. Tal como na vida, também no basquetebol o inesperado bate à porta de todos, por boas e más razões, alterando drasticamente um caminho que parecia certo. Devido a problemas pessoais, lesões, falta de motivação, entre outros fatores, ficamos privados de vislumbrar a grandeza contínua daqueles que, durante a sua vida, mostraram que eram capazes de o fazer.

Os “What Ifs” da NBA existem em grande quantidade, como é o caso de Grant Henry Hill. Este é o nome completo de um dos melhores basquetebolistas de todos os tempos. Sim, pelo menos eram essas as expectativas para o “Point Forward” ao longo dos anos 90.

G-Money”, “Baby Boy Hill”, “Mr. Nice”, “Mr. Triple Double”, são algumas das alcunhas que acompanharam Grant Hill ao longo da sua carreira, que descolou na Universidade de Duke, sem limite aparente nas redondezas.

De Reston até Duke, um início de luxo

Nascido em Dallas, Texas, no dia 5 de outubro de 1972, o filho de Janet Hill e Calvin Hill (antigo jogador da NFL), mostrou as suas apetências para o basquetebol em Reston, no estado de Virgínia. Para Grant, os tempos de adolescência na escola de Saint Lakes foram “únicos”, um local em que “nem existia o sonho de jogar basquetebol universitário ou chegar à NBA, simplesmente desfrutar cada dia”.

Após a sua época sénior em Saint Lakes, “Baby Boy Hill” era um dos mais jovens basquetebolistas mais cobiçados pelos melhores programas universitários. A mãe, queria que o filho fosse para Georgetown, já o pai, puxava a atenção de Grant para North Carolina. Nem uma, nem outra, Grant Hill escolheu a Universidade de Duke para o seu próximo passo no mundo do basquetebol, uma decisão que se veio a revelar mais do que acertada.

Entre 1990 e 1994, os Blue Devils de Coach K prosperavam na NCAA, com a versatilidade de Grant Hill a completar um plantel que tinha atletas que dominaram o basquetebol universitário norte-americano como Christian Laettner e Bobby Hurley. Nas suas duas primeiras temporadas em Duke, o sucesso bateu à porta com dois títulos consecutivos (1991 e 1992), sendo que a final da 1992, frente a Kentucky, foi uma das mais épicas da história do torneio da NCAA, com a famosa “Hail Mary” a dar a vitória aos Blue Devils.

Após os Jogos Olímpicos de Barcelona 1992 e a saída de Laettner para a NBA, Hill tornou-se no líder indiscutível da equipa, demonstrando, ainda mais, a sua versatilidade nos dois lados do campo. Com 2 metros e oito centímetros de puro talento basquetebolístico, “G-Money” era um verdadeiro “Point Forward”, infalível e com um skillset único para um extremo, um excelente defensor, rápido, atlético, um verdadeiro do it all, algo que estamos mais habituados a ver nos dias de hoje em atletas “grandes” como LeBron James e Giannis Antekokoumpo.

Em 1993, Hill venceu o prémio Henry Iba Corinthian Award (atualmente designado NABC Defensive Player of The Year), consagrando-o como o melhor defensor de toda a NCAA nessa temporada, sendo que, em 1994, fez (novamente) história, tornando-se no primeiro jogador de sempre da ACC (Atlantic Coast Conference) a registar mais de 1900 pontos, 700 ressaltos, 400 assistências, 200 roubos de bola e 100 roubos de bola.

“With the third pick in the 1994 NBA Draft, the Detroit Pistons select Grant Hill, from Duke University”

Depois de deliciar os fãs do basquetebol em Duke, o destino de Grant Hill estava traçado, com a NBA à espera de receber a sua próxima estrela, numa altura em que Michael Jordan decidiu trocar a “Borracha Laranja” por um taco de baseball.

Para além da liga, também uma certa equipa em Detroit depositava as suas esperanças no jovem de 22 anos. No Draft de 1994, os Pistons tinham a terceira escolha e os “Bad Boys” encontravam-se num claro período de rebuild após a retirada de Isiah Thomas, que juntamente com Joe Dumars, formou uma das melhores duplas de bases da NBA, levando os Detroit Pistons à conquista de dois anéis consecutivos (1989 e 1990).

Depois dos Milwaukee Bucks selecionarem Glenn Robinson (Universidade de Purdue) e os Dallas Mavericks escolherem aquele que viria a ser um dos bases que marcou uma era (Jason Kidd, Universidade de California), Detroit não hesitou em trazer o número “33”, que encantou o Cameron Indoor Stadium durante quatro temporadas.

O impacto de Hill na NBA foi notório logo no seu primeiro ano como profissional, com médias de 19,9 pontos, 6,4 ressaltos, 5,0 assistências, tornando no primeiro rookie em Detroit a marcar mais de 1000 pontos desde Isiah Thomas, em 1981/82.

A capacidade atlética, a velocidade para um jogador da sua altura (2,08 m), com um crossover letal e uma personalidade simpática, “Mr. Nice” era visto como o sucessor de MJ, com os fãs a deliciarem-se com cada highlight do jovem extremo.

Ainda na sua época de estreia, Grant Hill voltou a fazer história, sendo o primeiro rookie de sempre a liderar a votação dos fãs para o All-Star Game em qualquer uma das quatro principais ligas norte-americanas (MLB, NFL, NHL e NBA), cimentando o seu impacto imediato no basquetebol profissional. No final da temporada, foi co-Rookie of The Year, juntamente com Jason Kidd (Dallas Mavericks) e apesar do insucesso coletivo dos Pistons em 1994/95 (28 vitórias e 54 derrotas na fase regular), Hill estabeleceu-se rapidamente como o futuro da NBA, com a responsabilidade de recolocar a cidade de Detroit “on top of the mountain”.

Grant Hill (à esquerda) e Jason Kidd (à direita) com o prémio de Rookie do The Year, em 1995

Em 1995/96, o crescimento dos Pistons era notório, transformando-se numa equipa jovem, com Grant Hill no papel principal, suportado por Lindsey Hunter, Allan Houston, com Joe Dumars a trazer a experiência de um passado de sucesso e Doug Collins no comando técnico da equipa.

Liderando a NBA em triplos-duplos (10), “Mr. Triple Double” demonstrava o seu jogo all-around, e mesmo após o regresso de Michael Jordan, voltou a liderar a votação dos fãs para o All-Star Game de 1996, o que ilustrava, de forma clara, o impacto de Grant Hill na liga e a sua popularidade. Nesse ano, os Pistons voltaram aos Playoffs, terminando a fase regular na 7ª posição da Conferência Este, com 46 vitórias e 36 derrotas, acabando por cair na primeira ronda aos pés de outra equipa que era considerada o futuro da NBA: os Orlando Magic, liderados por Shaquille O´Neal e Penny Hardaway.

Depois de representar os Estados Unidos nos Jogos Olímpicos de Atlanta 1996, a temporada de 1996-97 foi, provavelmente, a melhor de sempre para Grant Hill. Com médias de 21,4 pontos, 9,0 ressaltos, 7,3 assistências e 1,8 roubos de bola, Hill voltou a liderar a NBA em triplos-duplos (13), e terminou na terceira posição na votação para MVP da fase regular, atrás de Karl Malone (Utah Jazz) e Michael Jordan (Michael Jordan).

Aos 25 anos, o futuro de Grant Hill parecia claro como água, a próxima “cara” da NBA, o herdeiro do trono de MJ, com tudo aquilo que se queria num jogador: qualidade, classe e desportivismo.

O tornozelo esquerdo: como tudo mudou

Depois de diversas temporadas de sucesso individual, mas com os Pistons sem conseguir avançar da primeira ronda dos Playoffs, a época de 1999/2000 era vista como uma oportunidade de ouro para o estado de Michigan voltar à ribalta do basquetebol. Numa liga pós-Jordan, Hill voltou a deixar a sua marca, com uma média de 25,8 pontos por jogo, apenas atrás do MVP Shaquille O´Neal (Los Angeles Lakers) e Allen Iverson (Philadelphia 76ers).

Nas primeiras seis temporadas da sua carreira, Hill acumulou mais de 9000 pontos, 3000 ressaltos e 2500 assistências, números apenas superados por lendas como Oscar Robertson, Larry Bird e LeBron James.

Tudo mudou a 15 de abril de 2000. Num jogo entre os Detroit Pistons e os Philadelphia 76ers, sete dias antes do início dos Playoffs, Grant Hill sofreu uma entorse no tornozelo esquerdo, que, ao início, não parecia nada de muito grave. Depois de todas as decisões acertadas na sua vida, Hill optou por continuar a jogar e ajudar a sua equipa na eliminatória frente aos Miami Heat, uma decisão que alterou drasticamente o percurso de Grant Hill.

Durante o Jogo 2 da série, as dores eram insuportáveis e Hill acabou mesmo por sair a meio do jogo, com os Pistons a perderem a série por 3-0, numa altura em que a primeira ronda dos Playoffs era disputada à melhor de cinco jogos.

No final da temporada, Grant Hill era free agent e decidiu juntar-se a um jovem Tracy McGrady em Orlando. Um negócio “sign-and-trade” foi acordado entre Pistons e Magic, com o conjunto de Detroit a receber Chucky Atkins e um jovem poste que veio a ser essencial para o sucesso futuro da equipa de Michigan, Ben Wallace. Um contrato de sete anos, com um valor a rondar os 93 milhões de dólares, foi o que os Magic depositaram (literalmente) em Grant Hill, na esperança de uma recuperação total do Point-Forward.

A verdade é que nada voltou a ser como dantes. Nas primeiras três épocas em Orlando, Hill disputou apenas 48 jogos, apresentando sempre dificuldades físicas e um jogo algo irreconhecível. Aquela facilidade de afundar, aquele primeiro drible rapidíssimo, os voos a caminho do cesto, tudo isso era uma miragem, uma lembrança daquilo que todos nós conhecíamos.

No início de 2003, Hill submeteu-se a uma operação cirúrgica delicada para procurar reabilitar o seu tornozelo esquerdo, sendo que, sete dias após a cirurgia, contraiu uma infeção (MRSA), que o deixou hospitalizado durante uma semana e com a sua vida, potencialmente, em risco.

Depois de fazer uma pausa na sua carreira em 2003/04, Grant Hill voltou em 2004/05 e, aos 32 anos de idade, demonstrou que ainda tinha basquetebol naquele corpo que o traiu. Agora com a companhia de Steve Francis em Orlando, Hill jogou 67 jogos nessa temporada, com uma média de 19,7 pontos por jogo, que o levou a ser escolhido (de novo) pelos fãs ao cinco inicial da Conferência Este no All-Star Game, a sétima e última participação de Grant Hill no “jogo das estrelas”.

Um feito marcante para um jogador que esteve às portas da morte e teve de se adaptar à sua nova realidade, desenvolvendo um jogo de mid-range muito eficaz, mantendo intacta a sua visão de jogo e capacidade para jogar com a bola nas mãos a partir da posição de extremo.

Entre 2007 e 2012 jogou pelos Phoenix Suns e com a companhia de Steve Nash, Shawn Marion e Amare Stoudemire, o outrora futuro da NBA era agora o veterano da equipa, ajudando o conjunto de Phoenix a atingir a final da Conferência Oeste em 2010, acabando por perder para os Los Angeles Lakers de Kobe Bryant, numa série equilibrada, em que Hill teve a responsabilidade de defender o indefensável “Black Mamba”.

Esta versão de Grant Hill nos Suns, de um jogador mais velho, bom defensor, com ligeira contribuição ofensiva, é o que uma geração mais nova viu, é a imagem que muita gente tem de um basquetebolista que tinha tudo para ser um dos melhores de sempre.

Terminou a carreira nos Los Angeles Clippers, em 2013, acabando por jogar 19 temporadas na NBA, um feito histórico para um atleta que, após uma lesão que o levou a alterar tudo o que conhecíamos nele, jogou ainda mais treze anos numa liga cada vez mais competitiva.

Apesar de tudo, a história de Grant Hill tem um final feliz e fica guardada para sempre na história do basquetebol, com a sua entrada para o Naismith Hall of Fame, em 2018, com um dos melhores discursos da história do Hall of Fame, entrando no Olimpo do Basquetebol ao lado de lendas como Steve Nash, Ray Allen e, curiosamente, Jason Kidd, que anunciou a sua retirada do basquetebol dois dias antes de Grant Hill.

7x All-Star; Rookie of The Year; 3x NBA Sportsmanship Award; 1x All-NBA First Team; 4x All-NBA Second Team, 2x NCAA Champion. Estes são apenas alguns dos capítulos de uma história que acabou por ser longa de sucessos. É verdade que fomos privados de assistir ao melhor de Grant Hill durante muito mais tempo. Chegar aos 27 anos, ao prime da sua vida basquetebolística e não poder continuar no trajeto delineado, é frustrante, não é justo. Mas assim é a vida. Vale a pena chorar por aquilo que não tivemos? Não. Vale sim a pena perceber que vimos, que existiu e que fomos uns privilegiados.

Como o caso de Grant Hill, existem outros que, por diversos motivos, não puderam deixar a sua marca no basquetebol durante o tempo que todos desejavam, mas que pelas diversas madrugadas de alegria, pelo exemplo que deram e pela luta constante contra as adversidades da vida, merecem, para sempre, o nosso respeito e o reconhecimento de que aquilo que foram, por mais curto que tenha sido, e ficarão, para sempre, na nossa memória.

Obrigado, Grant.

por JOSÉ PEDRO BARBOSA [@J_Pedro_Barbosa]

Autor

José Pedro Barbosa

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