Becca Wann-Taylor: “Não estaria aqui sem a minha família”

por mar 9, 2024

A história de Rebecca Wann-Taylor é uma de diversos obstáculos, muitas alterações num percurso que tinha o basquetebol e o futebol como o foco das atenções iniciais, mas as lesões obrigaram a que um dos seus sonhos tivesse de ser adiado, com possibilidades até de nunca se vir a realizar.

Há duas temporadas a jogar fora dos Estados Unidos, a jogadora de 31 anos do Basquete Clube do Barcelos falou ao Borracha Laranja sobre a sua chegada a Portugal, o realizar do sonho de jogar basquetebol, a importância da família nestas conquistas e até sobre a sua participação num Mundial Sub-20 de futebol.

Basquetebol e futebol, duas paixões que sempre se cruzaram

Nascida e criada no estado de Virginia, Becca sempre gostou de Desporto, de brincar e jogar com os irmãos, e encontrou no basquetebol e futebol as duas modalidades com as quais se identificava. Sendo a “bébé” da família, com um irmão 10 anos mais velho e outro dois anos mais velho, era no exterior que se sentia bem.

“Crescendo com dois irmãos mais velhos, estava sempre lá fora a jogar com eles, habitualmente num Desporto que envolvesse uma bola. Sempre estive melhor lá fora do que a fazer alguma coisa dentro de casa.”, diz a jogadora barcelense que cedo percebeu quais eram os Desportos que preferia.

A partir dos sete anos, Becca começou a jogar basquetebol e futebol e foi sempre essa a realidade da futura jogadora durante a sua juventude, com o seu foco direccionado exclusivamente para a modalidade que estava a praticar naquela altura do ano.

“As épocas de basquetebol e futebol disputavam-se sempre em alturas diferentes, por isso nunca parava, mesmo quando cheguei à Universidade de Richmond. Quando era altura de jogar basquetebol, só jogava e treinava basquetebol. Depois, quando começava a temporada de futebol, virava todas as atenções para isso.”, releva Wann-Taylor, que vivia constantemente em torno dos dois Desportos.

Apesar de não treinar especificamente para uma modalidade, Becca sentia que tinha a capacidade atlética necessária para ter algum sucesso, mas cedo percebeu que tinha mais possibilidades no futebol. Muito ao estilo de Mário Jardel, era com cabeceamentos certeiros que Wann-Taylor ia construindo a sua reputação nos relvados, o que lhe valeu uma bolsa para a Universidade de Richmond, onde marcou 34 golos, segundo melhor registo de sempre em Richmond, acabando também por jogar basquetebol neste período.

Chegar ao Japão e vencer: a presença de Wann-Taylor num Campeonato do Mundo

Perto de completar 20 anos, uma oportunidade única surgiu à porta de Rebecca Wann-Taylor, a possibilidade de representar os Estados Unidos num Mundial Sub-20, algo que surpreendeu bastante a jovem da Universidade de Richmond.

“Fui convidada para um Estágio na Califórnia, em maio (2012), e não estava na melhor forma física. Dei o meu melhor, sabia que tinha algumas qualidades diferentes das outras jogadoras, mesmo não estando bem conseguia cabecear, era forte, tinha facilidade em fazer lançamentos laterais longos, mas, como não fui chamada para o segundo estágio em junho, pensei que não ia ser chamada para o último estágio em julho”, diz Becca Wann-Taylor sobre essa experiência que, afinal, não tinha acabado.

Devido a algumas lesões no plantel, Becca foi chamada para o derradeiro estágio da equipa e cedo referiram que caso fosse chamada para o Mundial, seria para ser uma opção de recurso para os últimos minutos do jogo, caso a equipa precisasse de algum golo e de alguém forte para cabecear nas bolas paradas.

Como tem demonstrado nas duas últimas épocas em Portugal, uma “simulação” de jogo nesse estágio levou Becca a marcar um golo, a demonstrar que poderia ser uma opção para a equipa técnica e foi convocada para marcar presença no Mundial Sub-20 no Japão, onde esteve ao lado de futuras estrelas do futebol Mundial como Julie Ertz, Crystal Dunn e Samantha Mewis.

Apesar de ter jogado poucos minutos, o nome “Becca Wann” fica para sempre na história do futebol Feminino Norte-Americano e o próximo passo parecia certo. Com a criação da NWSL (National Women’s Soccer League) em 2012, o caminho para o sucesso desportivo da atleta norte-americana parecia escrito nos relvados, a acumular golos no futebol Profissional, mas, infelizmente, esse caminho sofreu um desvio.

Num momento em que via rivais que jogou durante anos a seguirem o seu caminho profissional no futebol, a prosseguirem com a sua carreira no “boom” da NWSL, a verdade é que, como Becca Wann-Taylor foi aprendendo ao longo da vida, temos que nos adaptar à realidade que nos é colocada à frente.

Das lesões à família, do inferno ao céu

Numa altura em que já pensava num futuro Draft da NWSL, foi depois de alguns exames médicos em Richmond que lhe foi informado de que, após diversas concussões, Wann-Taylor não devia jogar mais futebol. Sendo o seu jogo de cabeça prato principal nas suas apetências para o futebol, o sonho da menina que brincava com os seus irmãos mais velhos caía num piscar de olhos, mostrando a verdadeira efemeridade da vida.

Tinha jogado durante 15 anos, e na altura de dar aquele que seria o passo mais importante, dizem que não podes jogar mais”, revela Wann-Taylor, que nunca tinha pensado numa carreira profissional em basquetebol, achando sempre que era algo “mais para descontrair”.

Aos 21 anos, depois de acabar os estudos em Richmond, não havia uma opção imediata, tudo estava centrado no sonho do futebol, até que surgiu uma oportunidade de ser árbitra. Durante sete anos, Becca Wann-Taylor continuou no Desporto Universitário Norte-Americano, desta vez do outro lado, a arbitrar jogos de basquetebol da Divisão I da NCAA, algo que lhe dava prazer, mas, no fundo, ainda estava ali aquele bichinho da competição.

Casada com Dan Taylor, Becca jogava em algumas ligas amadoras com o seu marido e chegava a casa sempre com a mesma ideia. “Eu sou bem melhor a jogar basquetebol do que era na Universidade, será que se dedicar 100% a isto ainda consigo ter uma carreira a jogar?”.

A verdade é que, quando mudam os tempos, mudam as prioridades, e a prioridade de Dan e Becca era de serem pais, um novo sonho nascia, um objetivo crescia com o passar dos anos. Depois de algumas dificuldades, como já parecia habitual no caminho de Becca, o sonho passou a realidade em 2020, com a nascimento da sua filha JoJo.

Foto: Instagram Rebecca Wann-Taylor

No momento mais feliz da vida de Dan e Becca, foi aí que Becca decidiu tentar seguir o caminho do basquetebol como jogadora. Pela primeira vez na vida teve sessões individuais com um treinador, algo que nunca tinha feito ao longo do seu percurso na modalidade, e, ainda no pico da pandemia COVID-19, surgiu a oportunidade de se juntar ao programa “Athletes Unlimited”, encorajada por Amber Nichols, antiga colega na Universidade de Richmond e GM da equipa da G-League Capital City Go-Go.

Na semana do sexto aniversário do seu casamento, a família, em conjunto, viajou para Atlanta para se juntar aos tryouts para a liga profissional de basquetebol dos “Athletes Unlimited”, acabando por ser uma das jogadoras selecionadas para fazer parte.

Com diversas jogadoras com experiências de basquetebol profissional na Europa, antigas jogadoras da WNBA, Becca Wann-Taylor sentia-se quase como uma criança, num mundo diferente, ao vislumbrar diversas jogadoras de alto nível e, acima de tudo, com a sua família ao seu lado.

Chegar, vir, vencer e ficar em Barcelos

Aos 29 anos, e sem qualquer experiência de basquetebol profissional fora dos Estados Unidos, surge a oportunidade para Becca Wann-Taylor representar o Basquete Clube de Barcelos. Tal como no programa “Athletes Unlimited”, a prontidão do marido Dan Taylor foi importantíssima para a decisão tomada. A trabalhar de forma remota desde 2020, Dan procurava ser a voz de apoio aos outros sonhos de Becca, com JoJo sempre de mão dada com os pais.

Desde o início que ele apoiou todas as decisões, ele foi sempre o primeiro a dizer: “Vamos”, sem qualquer tipo de hesitação.”, diz Wann-Taylor que vinha para o total desconhecido, para uma oportunidade que, habitualmente, seria para uma jogadora de 22, 23 anos.

Foto: Instagram Rebecca Wann-Taylor

Antes do basquetebol, as preocupações de Becca eram todas relacionadas com a família, de encontrar uma escola para a filha, de perceber que tinha um lugar para ficar com Dan e JoJo e de garantir que eles podiam estar sempre ao lado dela. Mais do que o jogar basquetebol, é o jogar basquetebol com a família ao lado, com os que fazem bem e estiveram com ela nos momentos mais difíceis e trouxeram um sorriso no rosto durante grande parte da sua vida.

Quem acompanhar um jogo do Basquete Clube de Barcelos, a relação de Wann-Taylor com a sua família é algo que salta logo à vista. Há sempre um abraço, um beijo antes e depois do jogo, uma conversa com Dan para receber feedback sobre o seu jogo, uma brincadeira com JoJo, e isso é algo indispensável para o sucesso que Rebecca tem tido em Barcelos.

Quando cheguei a Barcelos, não sabia mesmo o que esperar, não sabia se teria qualidade para jogar aqui, sabendo do que esperam de uma jogadora norte-americana.”, diz Wann-Taylor, que, apesar dos receios, queria passar uma mensagem muito importante à sua filha, de que “nunca é tarde para ir atrás dos sonhos”, e mesmo que esta experiência não fosse um sucesso, a verdade é que nada poderia tirar a coragem das ações de uma família em busca de um sonho.

Na CN1 Feminina, Taylor era uma máquina de fazer duplos-duplos, uma jogadora com diversos jogos com mais de 40 pontos e 20 ressaltos e foi fundamental para a equipa comandada por Ricardo Lajas conseguir a subida à Liga Betclic Feminina.

Jogando esta época no principal escalão do basquetebol sénior feminino em Portugal, as dúvidas de Wann-Taylor em relação ao seu sucesso eram as mesmas da época passada, sem certezas de que teria a mesma capacidade que demonstrou na temporada 22/23. A verdade é que a jogadora de 31 anos vai acumulando MVP´s de jornadas, meses e, faltando apenas duas jornadas para a conclusão da Fase Regular, sairá, com quase toda a certeza, com o prémio de MVP da Liga Betclic Feminina, com médias 26.5 pontos e 15.3 ressaltos por jogo.

Foto: Federação Portuguesa de Basquetebol

“Eu sinto que posso jogar em Portugal até aos 40 anos, não tenho o desgaste habitual de uma atleta de 31 anos, adoro o processo de treino e sinto que estou a aprender a crescer como jogadora”. Esta afirmação revela muito do espírito de luta de Becca Wann-Taylor, não dando nada por garantido, mas apreciando o que a vida vai dando, lutando para que tudo vá continuando a acontecer.

Em Barcelos encontrou uma casa, uma cidade em que conhece as pessoas, em que se sente acarinhada por todos, colegas de equipa que são incansáveis e são mais uma família que se junta aos que ao lado de Becca Wann-Taylor fazem esta viagem pela vida.

“O modo como fui recebida em Barcelos, como receberam a minha família de braços abertos, significa tudo para mim.”

Se o que esta história nos conta é que há sonhos que ficam por realizar, a verdade é que também há muitos que nascem e renascem, sendo que sozinhos conseguimos muito, mas com a companhia certa, somos muito mais fortes.

“Eu quero que a minha filha perceba que não há limites para o que podes alcançar, independentemente da tua idade, do que queres para a tua vida. Esse é o legado que quero deixar.”

Entrevista completa:

Autor

José Pedro Barbosa

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