Há umas semanas trouxe ao Borracha Laranja a história dos Baltimore Bullets, indiscutivelmente o melhor franchise entre aqueles que já não integram as fileiras da NBA. E prometi voltar para falar da segunda vida do nome “Bullets” na NBA.
A história dos primeiros acabou em 1954, mas apareceram uns novos Bullets em 1963, que assim foram conhecidos até 1997, com a alteração para o actual “Wizards” quando a equipa já estava sediada em Washington. Tudo por causa do crescente número de mortes provocados por um aumento da violência armada na cidade – embora uma teoria incorrecta dissesse que a mudança aconteceu devido ao assassinato a tiro do primeiro-ministro israelita da altura, amigo do dono do franchise. Rebobinemos a cassete.
Baltimore voltou a ser a casa de uma equipa profissional de basquetebol em 1963. O franchise vinha de Chicago, onde surgiram dois anos antes os Packers. Uma péssima escolha para uma equipa de Chi-town – já existiam os Green Bay Packers na NFL, eternos rivais dos Chicago Bears. Devido à popularidade, passaram a ser os Zephyrs em 1962, antes de rumarem para o estado de Maryland (Chicago teria a sua equipa definitiva em 1966, com os Bulls).
Não vamos alongar-nos muito nos resultados desportivos da equipa, porque o foco aqui é a história do nome, mas os primeiros 20 anos viram acontecer as épocas mais bem-sucedidas do franchise – em particular o período de 1967 a 1982. Tudo começou com a chegada de Wes Unseld e Earl “The Pearl” Monroe, escolhidos com a segunda pick em anos consecutivos.
Earl acabou por rumar aos Knicks, mas contribuiu para virar a página nos Bullets, que na década de 70 nunca falharam as meias-finais de Conferência e chegaram a quatro finais, vencendo o único título do franchise na época de 1977-78 – aí, já com Elvin Hayes (primeira escolha dos San Diego Rockets no mesmo draft de Unseld) e Bob Dandridge.
O único troféu da equipa já foi conquistado com os Bullets em Washington, para onde se mudaram em 1973-74 – uma relocalização de cerca de 50 quilómetros. Nessa primeira época na capital norte-americana, foram os Capital Bullets. Depois disso, sim, assentaram no nome Washington Bullets.
A decisão aparentemente demorada de Abe Pollin
Durante quase toda esta cronologia que vos conto, o dono dos Bullets nunca mudou: era Abe Pollin, um judeu empreiteiro de Filadélfia que liderava o grupo de investidores que comprou os Baltimore Bullets em 1964 e acabaria por tornar-se o proprietário mais antigo de uma equipa da NBA (esteve 46 anos à frente, até morrer, em 2009). E durante muito tempo, o nome da equipa não terá sido um problema.
Abe Pollin foi buscar o nome Bullets à anterior equipa de basquetebol da cidade de Baltimore. Com um título conquistado, era um nome com prestígio. Os Bullets originais usavam-no em homenagem à Phoenix Shot Tower, também conhecida como Old Baltimore Shot Tower, uma torre de tijolo vermelho que, à altura da sua construção, em 1828, era o edifício mais alto dos Estados Unidos. E qual a sua finalidade? Fabricar balas (chumbos) para mosquetes – daí a alcunha “Bullets” (balas).
Mas o nome foi dado numa altura diferente da realidade norte-americana, quando balas e seus disparos podiam ser vistos sem uma conotação pesada. Ao longo dos anos, multiplicaram-se os assassinatos de personalidades de relevo – John F. Kennedy, o irmão Robert, Martin Luther King e Malcolm X, para nomear figuras mortas a tiro apenas nos anos 60.
Ao mesmo tempo, nas ruas dos Estados Unidos, os homicídios também aumentavam, assim como a utilização de armas de fogo. E Abe Pollin reflectia sobre o nome do seu franchise. E reflectiu durante muitos e muitos anos, aparentemente, porque a alteração só aconteceu na segunda metade da década de 90, em 1997 (curiosamente, o pico da vaga de homicídios em Washington D.C. foi uns bons anos antes, em 1990-91).
Os falsos e verdadeiros motivos da alteração
Mas afinal, o que motivou a mudança? É aqui que entra o mito que dá o título a este trabalho, leitor.
Ao longo dos anos, vários meios de comunicação deram conta da vontade de Abe Pollin se distanciar da conotação negativa que a alcunha “Bullets” estaria a ganhar. E outros referiram que a decisão foi tomada depois de um amigo de longa data do dono ter sido assassinado. O amigo? O primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin.
Rabin foi assassinado em Tel Aviv a 4 de Novembro de 1995. Era amigo de Pollin desde o final dos anos 60, quando o empreiteiro recebeu uma chamada da embaixada israelita, contava o The New York Times (NYT). O parágrafo seguinte é um excerto de uma notícia publicada uma semana depois do assassinato.
“Souberam que tinha um campo de ténis, recordou Pollin. ‘Perguntaram-me se gostaria de jogar com o novo embaixador, Yitzhak Rabin. Oh, uau. Tornamo-nos amigos. A sua mulher. A minha mulher. Os nossos filhos. No último Verão levei toda a minha família a Israel para o vermos. É uma perda tremenda.’”
Segundo a narrativa que surgiu ao longo dos anos, a morte de Rabin motivou o dono dos Bullets a alterar o nome. No entanto, várias notícias e declarações da altura mostram que a história não é nada assim – a morte pode ter tornado a escolha de um novo nome mais premente para Pollin, mas o processo já estava em andamento.
“Diga adeus a Bullets como alcunha”, era o título da peça do NYT citada acima. Aqui é dito que Abe Pollin já tinha decidido “há vários meses” a alteração do nome – e que pensava na mudança há várias décadas. (Como disse, reflectiu muitos e muitos anos, aparentemente).
Uma coluna de opinião de 2010 do actual editor de desporto do The Washington Post, Dan Steinberg, confirma a ordem dos factos: em Maio de 1995, o Post dizia que Abe Pollin ia decidir se alteraria o nome da equipa, “sensível ao número de mortes com armas de fogo na área”. Não havia uma decisão final, mas havia vontade.
“Antigamente, o nosso lema era ‘Mais depressa que uma bala’. Era a visão que tínhamos em Baltimore. Hoje, a conotação é um pouco diferente”, dizia Abe Pollin.
Dan Steinberg argumentava em 2010 que a mudança não estava intimamente ligada à situação violenta nas ruas da capital norte-americana. Uma interpretação também feita por alguns dos que criticaram a decisão de alterar o nome logo em 1995: apontaram a hipocrisia que era os Bullets terem celebrado um campeonato num ano de 1978 em que tinham sido assassinadas 189 pessoas em Washington, D.C..
Steinberg dizia que a decisão estaria relacionada com uma remodelação generalizada da imagem da equipa, que culminaria com a mudança para um novo pavilhão (a actual casa dos Wizards). “Vários funcionários vêm tal mudança favoravelmente, numa altura em que a organização leva a cabo um facelift que começou com a aquisição de Chris Webber e Juwan Howard”, escrevia o Post em 1995.
Um outro excerto do artigo do The New York Times publicado dias depois da morte do primeiro-ministro israelita confirma que a ideia também já estava planeada.
“’Pensei sobre isto durante 31 anos’, disse Pollin noutro dia, depois de anunciar que uma nova alcunha estará escolhida até ao Outono de 1997, quando a equipa se mudar para uma nova arena na capital.”
A morte de Rabin não foi, portanto, o motor da mudança – a circunstância permitiu, no entanto, que Pollin reforçasse publicamente a ideia de que a alcunha Bullets não era adequada e era, por isso, necessário mudar. Mas a alteração esteve sempre intimamente ligada a uma questão de renovação de imagem, de revitalização de um negócio que estava há anos no fundo da NBA – e novos logos, equipamentos e nome seriam um excelente tónico. (Se a motivação fosse moral e da mensagem passada pelo nome, porquê ter noites retro com os antigos equipamentos?)
No fim de tudo isto, como é que se chegou aos Washington Wizards? O novo nome foi escolhido através de um concurso aberto, que terá contado com mais de 500 mil sugestões para três mil nomes diferentes.
Na derradeira fase do processo, restaram cinco: Dragons, Express, Stallions, Sea Dogs e Wizards. Já se sabe quem venceu. Mas não sem polémica! A escolha de Wizards deu que falar por este se tratar de uma patente do grupo racista Ku Klux Klan. O nome acabou por ficar, no entanto.
Em termos desportivos, não se pode dizer que os anos de Wizards tenham muita magia – em 26 anos, têm nove idas aos playoffs, e só por quatro vezes passaram da primeira ronda. Quanto à alteração do nome, era apenas uma questão de tempo. Ou acham que David Stern permitiria que os Bullets continuassem pistoleiros depois de o Gilbert Arenas ter levado uma arma para o balneário?
por JOSÉ VOLTA E PINTO [@zevolta97]