Não consigo explicar o turbilhão de sentimentos no momento em que a minha treinadora me substituiu, a cerca de um minuto e meio da buzina final. Este seria o meu último momento a pisar o campo com este grupo incrível de mulheres trabalhadoras, persistentes e sonhadoras.
Ao contrário do campeonato português, aqui as finais acontecem em Março e quem está familiarizado com a competição universitária já deve ter ouvido falar em “March Madness”. As finais acontecem numa só cidade e, no nosso caso, Sioux City (Iowa) é o local escolhido para disputar os cinco jogos finais.
Quando cheguei a Indianapolis ninguém esperava nada da nossa equipa, até porque no ano anterior ficaram a meio da tabela na conferência e não conseguiram apurar-se para os nacionais. Felizmente conseguimos provar que dali em diante o programa ia levar outro rumo: ganhámos o torneio da conferência e apurámo-nos para os nacionais, onde infelizmente perdemos por três pontos na primeira ronda de playoffs.
No meu segundo ano (sophomore), sabíamos do que éramos capazes e cada vez conseguíamos atrair mais e mais apoio. O pavilhão ficava lotado sempre que jogávamos em casa e não há nada melhor do que jogar num ambiente assim. Nesse ano, voltámos a ganhar a conferência, garantindo assim a presença nos nacionais.
Marian University era aquela equipa que ou não apurava ou jogava contra as equipas com melhor ranking, tornando o apuramento para a ronda seguinte quase impossível. Antes do primeiro jogo, relembrámos o quão difícil foi perder logo na primeira ronda na época anterior e, então, prometemos umas às outras que íamos deixar tudo dentro de campo jogo após jogo. Fomos somando vitória após vitória até à final, que acabámos por vencer. Ganhámos a alcunha de “Cinderella” e, acima de tudo, ganhámos o respeito de todas as equipas presentes nas finais.
No meu terceiro ano (junior), iniciamos a época sabendo que toda e qualquer equipa que jogasse contra nós ia entrar com tudo, porque, afinal de contas, quem é que não quer derrotar “the defending national champions”? Nesse ano conseguimos uma química incrível e invejável. Como base, eu sentia que já jogava com todas as minhas colegas há muito mais do que apenas três anos.
Tanto no ataque como na defesa, não importava quem jogava mais ou menos minutos, estávamos “ALL-IN” e com apenas um objetivo em mente: o bicampeonato nacional. Depois da dobradinha (conferência e torneio da conferência), lá estávamos nós outra vez em Sioux City, a apenas cinco jogos de atingir o nosso objetivo.
Na final, fizemos talvez o jogo mais equilibrado de toda a época, contra uma equipa que não falhava lançamentos exteriores e tinha uma capacidade ofensiva invejável. Felizmente, nós fomos superiores e conseguimos parar as jogadoras chave da universidade de St. Xavier, nomeadamente a extremo lançadora que mais tarde foi considerada jogadora do ano. A vitória sorriu-nos e ali estávamos nós, um ano depois, a levantar o troféu e, mais tarde, a fazer medições para aquele que seria o nosso segundo anel em apenas dois anos.
Com o bicampeonato veio também o reconhecimento individual, uma vez que fui considerada MVP das Finals. Nesta época perdemos apenas três dos 38 jogos realizados. Se antes já foi difícil repetir a proeza, então este ano seria ainda mais. A dificuldade não está em chegar ao topo, mas sim em permanecer por lá. É preciso estar “ALL-IN”, é preciso querer sempre mais do que o próximo, é preciso ter as pessoas certas do nosso lado e, acima de tudo, é preciso traçar objetivos e metas para sabermos que direção precisamos tomar.
Este ano ninguém esperava tanto de nós, não só pela dificuldade em ganhar um terceiro campeonato nacional seguido, mas também pelo facto de termos graduado três jogadoras seniores do nosso cinco inicial (sendo uma delas a portuguesa Jessica Almeida, considerada ‘First Team All-American’ no ano anterior). Mesmo assim, os nossos objetivos nunca mudaram e, por isso, ganhar TUDO estava na mira. Treino após treino, fomos trabalhando para que a vitória nos sorrisse no dia de jogo.
O meu papel foi totalmente diferente, com o dobro das responsabilidades dentro e fora do campo. Como jogadora de último ano, era meu dever ser um exemplo, não só no campo mas também em termos académicos. Assim, dia após dia, somámos as vitórias necessárias para manter um bom ranking a nível nacional. Foi, sem dúvida, uma época que superou as minhas expectativas. Uma equipa relativamente nova que sofreu muitas baixas entre jogadoras que faziam a diferença e se graduaram, e outras que sofreram lesões muito graves.
Mesmo assim, terminámos a fase regular como tricampeãs da conferência e do torneio da conferência. A nível individual foi, talvez, a melhor época da minha carreira aqui nos Estados Unidos: fui nomeada jogadora do ano da nossa conferência, mais tarde recebi a notícia de que fazia parte da First Team All-American (top-10 de jogadoras do país, na nossa liga) e bati os recordes de todos os tempos da universidade para roubos de bola e assistências.
Finalmente chegámos a Março e fomos selecionadas como “2nd seed” para jogar na primeira fase nacional. Não vou negar que a ansiedade de ver a bola ao ar do primeiro jogo não me deixou dormir uma noite ou outra, até chegar a Sioux City. Contudo, ser “2nd seed” permite-nos jogar contra um “seed” não tão bem classificado e, por isso, conseguimos sair a ganhar e avançar no “bracket” para o Sweet 16. Passado dois dias, enfrentámos uma equipa de Nebraska que, depois do scouting, percebemos que jogava um jogo incrivelmente físico e pouco pensado, totalmente o contrário do nosso estilo de jogo. Logo aí já sabíamos que não ia ser fácil.
Infelizmente, não conseguimos que o nosso basket superasse a agressividade de Nebraska, quer na defesa, quer no ataque, e fomos eliminadas antes de avançar para a Elite 8. Não consigo explicar o turbilhão de sentimentos no momento em que a minha treinadora me substituiu, a mim e à minha outra colega senior, a cerca de um minuto e meio da buzina final. Este seria o meu último momento a pisar o campo com este grupo incrível de mulheres trabalhadoras, persistentes e sonhadoras.
Quando me sentei no banco, não consegui segurar as lágrimas, que encheram os meus olhos não tanto por essa derrota, mas pelo fim de uma carreira de quatro anos, pelo fim de um sonho de criança que eu realizei e que me fez deixar tanto para trás. Agora, já velha e reformada, sinto que deixei a minha marca nesta universidade, nesta conferência e na liga. Vim para cá em 2014 com determinados objetivos individuais e coletivos e agora, em pleno 2018, olho para trás e vejo que alcancei mais do que aquilo que sonhei.
Eyes on the prize, always!
por JOANA SOEIRO