Quando se fala de Carlos Lisboa como um Steph Curry antes do seu tempo, há muita verdade nisso. O tiro exterior era o predicado maior do ataque do base, seja na capacidade de conversão, no release rapidíssimo, ou na versatilidade.
Dados Biográficos
Carlos Lisboa é um dos nomes cimeiros do desporto português. Na véspera de celebrar 65, e a convite do nosso Ricardo Brito Reis, temos aqui uma brincadeira em gesto de homenagem: um scouting report, muito ao jeito do que faço todos os anos para vários prospects, onde destrinçamos um pouco o jogo do homem que foi cabecilha de uma era dourada do basquetebol nacional e cujo palmarés como jogador inclui 14 Campeonatos, 8 Taças de Portugal, 5 Taças da Liga e 6 Supertaças. Portanto venham comigo, coloquemos a cassete no leitor, ignoremos a imagem 240p, e entremos no mundo de Carlos Lisboa, ou como alguns alfacinhas dizem: ‘L’sboa’.
Atletismo
Quebro deste já a 4th wall para ser completamente transparente – todos os jogos que consegui encontrar de Lisboa foram no Benfica, entre 1991 e 1996, numa altura em que o jogador já se encontrava nos seus 30s. Como tal, não se pode dizer que a amostra no que toca a traços físicos como a explosão na passada, mudança de velocidades, capacidade de salto ou agilidade lateral sejam algo por aí além, mas também temos de ser claro no facto de a amostra não ser representativa da carreira de um homem que jogou mais de 20 anos.
Ainda assim, mesmo nos seus 30 e picos, Lisboa era um jogador forte para a posição de base, ajudado pelos ombros largos e força abdominal, características que lhe oferecem alguma vantagem a jogar no 1v1 contra jogadores da mesma posição ou a ser usado a bloquear para colegas. Tinha boas mãos, fortes, bem como reflexos rápidos, que o tornavam uma ameaça a atacar linhas de passe.
Para além disso, era um jogador com bom pulmão para alguém numa fase descendente em termos atléticos, sendo que o seu motor sobressaia ofensivamente na maneira como se movimentava activamente longe da bola, seja a cortar na linha de fundo, ou a sair de bloqueios indirectos para procurar o tiro.
Perfil ofensivo
Quando se fala de Carlos Lisboa como um Steph Curry antes do seu tempo, há muita verdade nisso. O tiro exterior era o predicado maior do ataque do base, seja na capacidade de conversão, no release rapidíssimo, ou na versatilidade (pull ups, tiros estacionários, triplos em movimento, em desequilíbrio, em ‘curl’ da esquerda ou direita). Lisboa conseguia disparar rapidíssimo e tinha uma facilidade absurda para receber, enquadrar os pés e subir num piscar de olhos.
Este lance, em que adapta o lançamento num milissegundo, pronunciando o arco da bola de maneira a evitar o desarme, é um dos meus favoritos.
Não tendo qualidades atléticas para criar espaço com os seus pull ups, tinha ainda assim uma imensa facilidade a transitar do drible para o tiro e gostava de usar a posição de tripla ameaça e pequenos sidesteps, dribles de hesitação e lançamentos à retaguarda para facilitar a tentativa de disparo. O bom trabalho de pés facilitava imenso quando criava no 1v1.
Não se pode dizer que fosse um incrível passador. Tinha boa técnica e toque de bola, colocando-a redondinha no alvo, cumprindo em passes de entrada no poste e variados passes de conecção. No P&R, a gravidade do seu tiro permitia-lhe distorcer defesas em drop P&R, obrigando o big a subir ao nível do bloqueio e abrindo muito a oportunidade para o pocket pass, que executava com bom timing. Não tendo sido um jogador que tinha muitas linhas de passe disponíveis, devido à altura, tinha uma boa capacidade para ditar o ritmo com pound dribbles e decidir simples e rápido, não comprometendo o ritmo ofensivo.
Uma nota final para a sua utilidade sem bola no ataque, não só como espaçador no canto e ameaça-engodo em bloqueios indirectos, mas também como cutter e bloqueador, especialmente ali a fazer os cross screens para Jean-Jacques, Plowden e outros interiores.
Perfil defensivo
Carlos Lisboa era, maioritariamente, um defensor de ponto de ataque, que oferecia grande parte do seu valor como playmaker defensivo, a ajudar a um ou dois passes de distância.
Acima dos 30, não se pode dizer que Lisboa oferecesse grande coisa a nível de defesa individual. O facto de ser, na altura, um jogador forte, oferecia alguma utilidade como um base que conseguia absorver contacto no peito e conter penetração em drible de jogadores maiores, mas, fora isso, Lisboa era um jogador facilmente batido em drible, com dificuldade a navegar bloqueios directos e manter a postura defensiva. Valia-lhe o quão activo era a usar as mãos para tentar destabilizar o drible do portador. De maneira a poupar a sua estrela, Mário Palma optava várias vezes por colocá-lo a defender os cantos, escondendo-o de acções com bloqueio directo.
Talvez um pouco por idade, tinha dificuldade em lances de múltiplos esforços, ou onde tinha de fechar algum espaço, mesmo em momentos de simples closeout.
Lisboa era, porém, excelente como criador de turnovers, especialmente agressivo a antecipar e atacar linhas de passe, com reflexos particularmente aguçados e umas mãos bem confiáveis.
Esta ratice defensiva fazia também com que Lisboa fosse uma fonte de pontos em transição para o Benfica, um bónus para alguém que quase era um ataque por si só.
Notas finais
Ao contrário dos meus usuais reports, não tenho grandes considerações finais sobre onde é que o jogador encaixaria ou sobre quem é que este jovem de quase 65 pode vir a ser. Sabemos hoje que ele foi uma figura cimeira do desporto nacional e um talento incrível, não só pela pura qualidade, mas também por quão plástico e único o seu jogo era.
E numa nota pessoal, não sou, de todo, um historiador do basquetebol, mas deu-me grande gozo ver este Benfica de dimensão europeia, com um basquetebol com toques modernos, com um Lisboa que joga e faz jogar, com o “faz-tudismo” de Jean-Jacques, o espirito timoneiro de Pedro Miguel e a agressividade de Carlos Seixas.
por NUNO SOARES [@NunoRSoares]