A melhor decisão da minha mãe

por mar 24, 2018

Após as aulas já não saía com os amigos para fazer asneiras. Chegava a casa, lanchava e saía para o pavilhão. O treino da minha equipa começava às 19 horas, mas às 17 já estava eu sentado nas bancadas a ver o treino da equipa sénior. Via o treino deles e, depois, quando saiam, pegava numa bola e ia imitar os movimentos que tinha acabado de ver.

Sabes aquela história de que o desporto “salva” o futuro de um miúdo que poderia ter acabado em maus lençóis? A minha história não tem um começo assim tão dramático, mas a verdade é que a minha aproximação ao basquetebol virou completamente o rumo da minha vida.

Eu era o típico miúdo que morava no bairro e fazia a cabeça em água aos meus pais, era super irrequieto e nada era suficientemente interessante para me cativar, distraia-me com qualquer coisa, a minha curiosidade e o meu espírito aventureiro renderam-me muitos sustos, repreensões e castigos. Experimentei diversos desportos: andebol, atletismo, kung-fu e até o futebol, que era adorado por todos miúdos da escola. Nada me cativou o suficiente para me fazer continuar.

Aos 13 anos a minha mãe mudou-me para a escola da freguesia vizinha e os meus novos colegas, que jogavam basquetebol no Seixal FC, acabaram por me lançar o desafio: “Epah, tu és alto e tal, devias vir experimentar jogar basket…”. Até então nunca tinha assistido sequer a um jogo da modalidade, as únicas coisas que sabia sobre o desporto era o que tinha aprendido nas aulas de educação física. A minha curiosidade e espírito aventureiro levaram-me a aparecer, um dia, no pavilhão.

Os primeiros treinos não foram nada fáceis. Os meus companheiros de equipa já praticavam o desporto há algum tempo e tentar acompanhar o ritmo dos outros, sem qualquer tipo de preparação, foi duro. Aprender a fazer o lançamento na passada, mão direita do lado direito, mão esquerda do lado esquerdo, apreender a própria mecânica do lançamento.

Contudo, houve ali qualquer coisa que despertou em mim. Não sei explicar se foi o próprio desafio de ser um desporto completamente “novo”, a influência dos amigos da escola ou o facto de eu ser muito competitivo e querer mostrar-lhes que poderia ser tão bom ou melhor que eles. Um mês depois, a minha mãe já me chamava «fanático do basket», já ninguém me encontrava noutro sítio que não fosse no pavilhão.

Após as aulas já não saía com os amigos para fazer asneiras. Chegava a casa, lanchava e saía para o pavilhão. O treino da minha equipa começava às 19 horas, mas às 17 já estava eu sentado nas bancadas a ver o treino da equipa sénior. Via o treino deles e, depois, quando saiam, pegava numa bola e ia imitar os movimentos que tinha acabado de ver.

Joguei os primeiros anos no Seixal FC, sendo que após o primeiro ano surgiu o convite e ingressei no Centro Nacional de Treino (CNT) do Porto, onde passava toda a semana, regressando a casa apenas no fim de semana para os jogos. Nessa época aprendi o significado do espírito de sacrifício, as saudades da família e dos amigos só eram compensadas pelas novas amizades e a evolução enquanto jogador.

Ao CNT seguiram-se os anos no Centro de Alto Rendimento (CAR), no Jamor, até que, aos 17 anos, aceitei o convite para jogar no Pamesa Valência, de Espanha – o meu primeiro contrato profissional e a concretização de um dos meus objetivos.

Analisando agora o meu percurso, tenho a ideia de que o tempo entre o primeiro treino de basquetebol e o primeiro contrato profissional passou num ápice. Os compromissos com os centros de treinos, o clube, as seleções, as viagens e as aulas permitiram-me desviar a atenção para o que acontecia no meu bairro.

A experiência em Espanha, novamente afastado de todos, a viver num país novo e com uma cultura diferente, fez-me crescer ainda mais. As adversidades eram agora compensadas pela evolução técnica e táctica, pela oportunidade de treinar com a equipa da ACB e jogar até alguns minutos.

Há alguns anos regressei a Portugal e por cá tenho conseguido continuar a viver este sonho de ser jogador profissional, que passava longe das minhas expectativas iniciais. É bom quando fazes o que gostas e tens o apoio total da tua família. Hoje o desporto permite-me ainda criar novas amizades e aproveitar as mais antigas, investir na minha evolução pessoal e profissional, melhorar a cada jogo, lutar por títulos, representar a Seleção Nacional, viajar, etc.

E há algumas curiosidades no meu percurso: o padrinho da minha equipa de cadetes e jogador sénior da equipa do Seixal FC, Shawn Jackson, foi meu companheiro de equipa, anos mais tarde, nos meus primeiros anos no CAB Madeira; o meu grande amigo e antigo companheiro de equipa, Jorge Coelho, foi à minha escola enquanto jogador profissional antes de eu me interessar pelo basquetebol, numa iniciativa de apresentação do desporto aos alunos; quando era miúdo ia ver os jogos do Queluz, do Carlos Andrade, e sonhava um dia poder também jogar na primeira Liga, com ele e com outros ídolos da época, e hoje em dia já dividimos o balneário em clubes ou mesmo na Seleção Nacional.

O basquetebol mostrou-me que, às vezes, conheces pessoas que te marcam muito, mesmo sem se aperceberem e que qualquer pequena decisão pode vir a ter um grande impacto na nossa vida. A ideia da minha mãe de mudar-me de escola para tentar controlar as asneiras que eu fazia na altura foi boa logo à partida, mas nem ela própria nem eu poderíamos imaginar o quão boa viria a ser. Provavelmente, sem essa mudança o meu percurso teria sido diferente e não estaria aqui a contar-vos esta história.

por FÁBIO LIMA

Autor

Fábio Lima

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