A origem: Julius Randle

por nov 17, 2021

A NBA é feita de super-heróis. Uns voam. Uns saltam. Uns são resistentes. Uns são fortes. Uns são elásticos. Uns são imortais. Uns são artistas. E alguns são só românticos. Outros há que parecem ter vindo de outro planeta. Entre o mito e a realidade, todos têm uma história de origem. Acho eu.

Foi assim que se fez Julius Randle.

Julius Deion Randle nasceu em Dallas, no Texas, a 29 de novembro de 1994. Educado apenas pela mãe, Carolyn Kyles – poste na equipa feminina da Universidade do Texas – e sempre acompanhado pela irmã Nastassia Caldwell, Randle começou desde cedo a impor a sua força, abalroando a irmã, que é mais velha, num jogo de 2×2 que terminou com Nastassia a colocar gelo na nuca e Randle a ver “PlayStation” a ser riscada da lista de presentes.

8, 24 e 30

Randle fez-se figura a atropelar equipas, vendo-se, por isso, obrigado a jogar em escalões acima dos seus. Até aos 15 anos de idade, só a mãe o conseguia parar quando ele arrancava para o cesto. De lá para cá, a melhor forma de o abrandar é fazer com que vá pela esquerda. Ou era. Com Kobe Bryant nos pósteres da porta do quarto e esborratado na pasta de açúcar de decoração de bolos de aniversário, Randle era só mais um dos miúdos que se exibia com o número 8 nas costas. Aos 10 anos de idade começou a traçar o seu caminho. Ou a perpetuar o da mãe, que envergara a camisola 30 nos seus tempos de basquetebolista.

Através de um programa solidário, Julius Randle e outros miúdos de Dallas tinham acesso ao pavilhão dos Mavs para verem alguns jogos da NBA. Era deste modo que o pequeno Randle, fã de Kobe Bryant e dos Los Angeles Lakers, arranjava forma de ficar numa das primeiras filas para ver o ídolo mais de perto. Num desses jogos, conta a mãe enquanto segura o choro no podcast Court-Side Moms, Randle levantou a mão e gritou “hey, Kobeeeee”. Bryant viu o rapaz e foi na sua direcção para lhe dar um high-five. O garoto nunca mais se calou e só terá lavado a mão em 2014, no lavatório do balneário número 8 em El Segundo.

Em 2013, Randle deu o salto. Passou a figurar no topo das listas da sua classe, com as melhores projecções a colocarem-no no top-5 de escolhas no draft. Devido aos problemas num dedo do pé que havia partido ainda no high school, Randle acabou por cair até à 7.ª posição, tendo sido escolhido pelos Los Angeles Lakers. Após 14 minutos do seu jogo de estreia na NBA, o ex-Wildcat partiu a perna. O rapaz caiu. O homem regressou na Summer League da temporada seguinte.

Harder, Better, Faster, Stronger

Atulhado nuns LA Lakers programados para baterem no fundo, Randle depois ainda passa pelos não menos disfuncionais Pelicans antes de se fixar em Nova Iorque, onde se encontra desde 2019. Em New Orleans, aproveitou para se libertar, expandir o seu raio de acção, comer alguidares de lagostins e aprender a tocar saxofone. Mas é já em Nova Iorque que o jogo de Randle cresce para outros patamares que lhe valeram a chamada para o All-Star Game de 2021, e a distinção de NBA Most Improved Player quase por unanimidade – com 98 dos 100 votos para primeiro lugar. Tom Thibodeau, ao leme destes Knicks presididos por Leon Rose, também arrecadou o troféu de NBA Coach of the Year nessa temporada, algo que não acontecia desde 1992/1993, então com Pat Riley a merecer esta distinção. Os adeptos tiraram finalmente os sacos das cabeças. Spike Lee pode vestir os seus melhores fatos para não fazer má figura ao lado de Clyde Frazier. E foi assim que os Knicks regressaram ao playoff da NBA.

Talvez pelo combo potência-rapidez e também pela estratégia dos seus treinadores, Randle nunca se vira obrigado a explorar grandes soluções técnicas e tácticas para o seu jogo ofensivo durante a adolescência e os primeiros anos de profissional. Em Los Angeles, tentava passar por cima, ou ao lado, de tudo o que lhe aparecesse pela frente. Este jogador outrora unidimensional, e por isso mais fácil de travar, mudou. Continua a ser um dos mais potentes na liga e poucos são os que são capazes de o conter na batalha corpo a corpo. Para tristeza de muitos jovens em busca de T0 em Nova Iorque, o metro quadrado junto a Randle continua a preços muito elevados. Ao aumentar a distância a que consegue lançar com competência – está a anotar, em média, 1,7 triplos (em 4,6 tentativas) por jogo desde que aterrou no Madison Square Garden – Randle abre imenso espaço quer para o próprio carregar no 1×1, quer para o resto da equipa. Outro dado que confirma a mudança, e se calhar temos mesmo é de lhe chamar evolução, é a distância média dos seus lançamentos. Desde que chegou a Nova Iorque, a distância média dos tiros de Randle está quase nos 4 metros (3,9m). Durante os quatro anos que passou em Los Angeles, lançava a 2,1 metros do cesto. É um detalhe que pouco altera as contas, mas no seu último ano em LA passou a maior parte do tempo a poste, atirando-o para lançamentos a apenas 1,5 metros do aro. Nas últimas temporadas, reduziu o número de afundanços (78 em New Orleans, 51 no primeiro ano em Nova Iorque, e 25 na temporada anterior). Melhorou da linha de lance livre, estando desde o ano passado a atirar de forma consistente acima dos 80%. Está a ganhar menos ressaltos ofensivos, não admira, mas tem compensado com um aumento no número de bolas ganhas na defesa. E está a somar quase 5 assistências por partida. Randle está definitivamente num outro patamar, com performances (médias por jogo de pontos, ressaltos e assistências) até comparáveis com Giannis e Jokic. Está mais duro, melhor, mais rápido, mais forte e aposto que é graças à famosa dupla francesa… Ntilikina e Fournier.

NY State of Mind

Julius Randle mudou o paradigma mais recente do basquetebol nos New York Knicks. O conjunto regressou ao playoff – revelando imensas dores de crescimento – após uma longa seca e um conjunto de decisões embaraçosas, quer ao nível da gestão quer ao nível do basquetebol. Randle não oferecerá nunca um jogo muito virtuoso embora a espaços até seja capaz de o fazer. Dito isto, a componente estética também não é, se me permitem, a característica que mais facilmente se associa ao basquetebol dos Knicks. Randle transporta nele uma certa agressividade e capacidade de encaixe, qual lutador de boxe, que a espaços recorda o espírito de figurões como Oakley, Ewing, ou Starks. Os Knicks, quando estão bem, são mesmo muito divertidos. Há por ali um novo-velho espírito ou estado de alma que nos transporta para outros tempos. Ora vejamos: o Madison Square Garden voltou a ser um dos locais mais electrizantes; Seinfeld, Costanza, Kramer e Elaine regressaram aos sofás das nossas casas; há em Randle um jogador que dá corpo e alma aos Knickerbockers; e agora queria muito escrever que o NAS voltou a fazer música em condições, mas estaria a cometer um turnover.

Tal como quando se estreou, Randle continua a ser bully, a encostar ombros e cotovelos. Mas evoluiu. Joga dentro e fora. De costas e de frente. Pela esquerda e pela direita. Faz jogar e agora até tem com quem o fazer. Randle precisava de um contexto destes: efervescente, esfomeado, intenso, de boquilha bem presa entre os dentes. E o Madison Square Garden que andava sem rei nem roque necessitava de um imperador. Encontrou-o e chama-se Julius, vejam lá.

P.S.: Randle está a ter um mês terrível, sim. Será que bateu numa parede ou isto não passa das noites mal dormidas com um recém-nascido em casa?

por DIOGO SANTOS [@diofsantos]

Autor

Diogo Santos

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