Baltimore Bullets, o maior franchise extinto da NBA

Na presente temporada, a NBA é composta por 30 equipas. Como é sabido, nem sempre foi assim – a liga teve expansões, a última em 2002, e não raras vezes viu equipas serem relocalizadas, como os Seattle Supersonics para Oklahoma em 2008 (devolvam a NBA a Seattle!). Na temporada inaugural de 1949-50 (sim, a NBA ainda não tem 75 anos), a NBA era composta por 17 equipas, vindas da BAA e da NBL, que se fundiram para criar a National Basketball Association. Esse número chegou a cair para oito durante a década de 50 com o desaparecimento de alguns franchises, e é sobre um desses que vos venho falar hoje: os Baltimore Bullets, o melhor franchise que não chegou aos nossos tempos.

Os Baltimore Bullets não chegaram aos nossos tempos? Então, mas os Washington Wizards não são os Washington Bullets, que por sua vez foram relocalizados de Baltimore? É verdade, os Baltimore Bullets da década de 60 existiram, mas não são a mesma coisa. Essa equipa, que sediada em Baltimore até chegou às finais (perdendo para os Knicks), vem de uma linhagem que começa em 1961-62 em Chicago, com os Chicago Packers. Os Baltimore Bullets que aqui trago são uma das 17 equipas que estiveram na primeira temporada da NBA, vindos de uma das tais duas ligas que a precederam, e desapareceram do mapa em plena época de 1954-55.

Esclarecida esta dúvida muito legítima (que eu próprio tinha), passo a explicar o porquê de fazer sentido falar dos Baltimore Bullets. Afinal, não são o único franchise da NBA que não sobreviveu – há registo de nove que foram extintos ao longo dos anos (fora outras equipas que desapareceram ainda antes da fusão da BAA com a NBL). Acontece que os Bullets são os mais bem-sucedidos deste conjunto: foram a equipa que durou mais anos e a única com um campeonato no palmarés.

Nota: Os Denver Nuggets e os Waterloo Hawks não têm qualquer relação com os actuais Denver Nuggets e com os Atlanta Hawks.

Início na American Basketball League e sucesso imediato

Referi acima que a NBA resultou da fusão entre a BAA (Basketball Association of America), que a NBA assume como sua predecessora, e a NBL (National Basketball League) – da qual a NBA não reconhece recordes. Os Bullets vieram da BAA, mas a história do franchise até começa antes disso. A sua casa era em Baltimore, Maryland, no Baltimore Coliseum.

A temporada inaugural é em 1944-45, na American Basketball League (ABL), uma das primeiras ligas profissionais de basquetebol dos Estados Unidos.

Na segunda temporada nesta ABL, os Bullets conquistaram o título, e para lá se encaminhavam na época seguinte, com um registo de 31-3 (!) na fase regular. No entanto, decidiram abandonar a competição antes das Finais – venceram a primeira ronda dos playoffs e tiveram passagem directa nas meias, mas a ABL arrastou durante quase um mês a série entre os outros semi-finalistas. Frustrados, os Bullets recusaram jogar a decisão do título e optaram por entrar no World Basketball Tournament, um torneio com participação a convite. (A ABL deu o título aos Trenton Tigers, os outros finalistas, mas os Bullets reclaram o título para si devido à fase regular demolidora).

Cortadas as relações com a ABL, os Bullets juntaram-se à BAA em 1947-48, na segunda temporada desta liga. E continuaram a acumular vitórias: registo de 28-20 na fase regular e conquista do título da BAA no primeiro ano!

Buddy Jeannette, a grande referência

O campeonato foi garantido com uma vitória nas Finais frente aos Philadelphia Warriors (4-2), numa final em que se destacou pelos Bullets (segundo as estatísticas do Basketball Reference) Connie Simmons. Durante a fase regular, nenhum jogador marcou mais de 12 pontos por jogo, mas seis marcaram pelo menos 10.5.

Entre estes seis, estava Harry Edward Jeannette, o único jogador dos Bullets a entrar no Naismith Hall of Fame. Mais conhecido por Buddy Jeannette, foi talvez o jogador exterior mais relevante da década de 40 e uma das referências do basquetebol dessa altura – foi três vezes campeão da NBL e quatro vezes vencedor do World Basketball Tournament (sendo MVP duas vezes). Era conhecido como um jogador muito rápido com a bola e um floor general, além de bom passador e um defesa duro de roer.

Na jornada dos Bullets até ao título, Buddy era também o treinador da equipa, tornando-se no primeiro treinador-jogador a vencer um campeonato, e o único de dois – o outro é, pois claro, Bill Russell, que conseguiu dois títulos nesta condição.

Nesta primeira época, Baltimore viu também o jovem Paul Hoffman levar o prémio de Rookie do Ano. Mas não ficou na equipa para a temporada de 1948-49: Hoffman entendeu que merecia um aumento salarial, uma exigência recusada pelos Bullets. A nega levou o jogador a decidir regressar à sua terra, em Indiana, para trabalhar como vendedor – regressando à equipa em 1949-50.

Voltando ao anel conquistado. O grande momento das Finais foi uma recuperação milagrosa levada a cabo por Baltimore, no jogo 2. A perder por 21 ao intervalo (41-20), os Bullets conseguiram vencer o jogo por 66-33. Até 2017, quando os Cleveland Cavaliers recuperaram frente aos Indiana Pacers de uma desvantagem de 25 ao intervalo, a remontada dos Bullets era tida como a maior de sempre em playoffs. O feito é ainda mais impressionante se tivermos em conta que, na altura, não existia a regra dos 24 segundos de ataque. 

Sucesso insustentável e declínio na NBA

Depois do sucesso na primeira época de BAA, os Bullets começaram a temporada de 1948-49 com um registo de 3-10. A competitividade da liga aumentou com a entrada de três equipas vindas da NBL (um ano antes da fusão entre as duas), e resultado disso os Bullets acabaram por terminar a fase regular com um registo negativo de 29-31. Deu para ir aos playoffs, mas a defesa do título ficou por aí, com uma derrota na primeira ronda frente ao New York Knicks.

Consumada a junção da BAA com a NBL para a formação da NBA, os Bullets viram-se ainda mais afundados na classificação. Na primeira época de National Basketball Association, conseguiram um recorde de 25-43, o melhor registo que alcançariam na recém-formada liga. Ainda assim, ficaram a apenas um lugar dos playoffs. Em ano de nova liga e renovada atenção mediática (ainda que não muito grande), o presidente da equipa, Robert Embry, decidiu impedir a transmissão televisiva de jogos dos Bullets.

No final da época, o franchise acabou por ser vendido a um grupo de empresários de Maryland, mas as dificuldades mantiveram-se nos anos seguintes. Em 1950-51, Buddy Jeannette concluiu a carreira como jogador e acabou por ser despedido como treinador quando a equipa estava 14-23. Não acabaram muito melhor: 24-42 e novamente fora dos playoffs.

Em 1951-52, falharam pela terceira vez consecutiva a passagem à postseason. A seca só terminou em 1952-53, mas mais por incompetência de outras equipas – os Bullets chegaram aos Playoffs apesar de um registo de 16-54, apenas para serem novamente eliminados pelos Knicks. A percentagem de vitórias de 22,9% é, até hoje, a mais baixa de entrada nos playoffs entre as quatro principais ligas norte-americanas (NBA, NFL, MLB e NHL).

Na última época completa que realizou, Baltimore procurou dar a volta aos problemas financeiros que atingiam o franchise, realizando 20 encontros da fase regular em campos neutros para procurarem novos adeptos. Não surtiu grande efeito, em boa parte devido às fracas actuações: dos 20 jogos em pavilhões neutros, venceram apenas quatro. Na condição de visitantes, não ganharam qualquer jogo, terminando a temporada com um registo de 16-56, o pior da NBA.

Os Baltimore Bullets ainda iniciaram a temporada de 1954-55, mas a situação era insustentável. O franchise sobrevivia há vários anos no vermelho e o prejuízo começava a impedir o pagamento das despesas de funcionamento da equipa.

A gota de água foi um jogo frente aos Fort Wayne Pistons, a 24 de Novembro de 1954, noite de Acção de Graças. Os Bullets perderam por 92-89, para um registo de 3-11. No final do encontro, a equipa não tinha dinheiro para pagar quartos de hotel, nem sequer para dar refeições aos jogadores. Segundo o site Sports Encyclopedia, a equipa teve de escolher entre regressar a Baltimore ou pagar as despesas de alojamento. O dono do hotel tentou impedir a equipa de sair, mas os jogadores terão escapado pelas traseiras para o interior de uma limousine que os levou até ao aeroporto. No aeroporto, fecharam a porta do avião e levantaram voo sem terem pagado a viagem ao condutor.

Foi dessa forma que terminou a história da equipa. Os donos tomaram a decisão de suspender a actividade dos Baltimore Bullets até ao final da época, acabando por extinguir a equipa mais tarde. Depois de um começo promissor, com títulos quase consecutivos em duas ligas, o franchise acabou por não resistir às constantes alterações de competitividade.

Não foi o fim do nome “Bullets”, como sabemos. Este foi recuperado em 1963, quando os Chicago Zephyrs (e anteriores Packers) foram relocalizados para Baltimore. O nome durou na NBA até 1997, quando os então Washington Bullets mudaram o seu nome para o actual Wizards. Porquê? Essa história, caro leitor, fica para outro dia.

por JOSÉ VOLTA E PINTO [@zevolta97]