Quando pensamos nos melhores jogadores de sempre da História da NBA, muitos deles parecem estar predestinados para o sucesso. Jogadores atléticos e carismáticos como Michael Jordan, LeBron James ou Magic Johnson chegaram à liga com expectativas muito elevadas e conseguiram o incrível feito de as superar. Mas também temos inúmeros casos de estrelas improváveis, das quais não se esperava assim tanto. A classe de 2023 dos jogadores induzidos para o Naismith Memorial Basketball Hall of Fame parece estar dominada por esse tipo de talentos.
Logo a começar com Dwyane Wade, um aluno com dificuldades na escola que mal conseguiu entrar na Universidade de Marquette (longe de ser uma das mais prestigiadas) e que chegou à NBA com muitas dúvidas sobre as suas probabilidades de sucesso. Inspirado pelo carismático e pioneiro Allen Iverson – que citou como maior inspiração e escolheu para fazer o seu discurso de indução –, tornou-se um dos melhores shooting guards de sempre e uma figura incontornável de várias Finais memoráveis.
Duas dessas Finais colocaram-no em confronto direto com Dirk Nowitzki, outras das mais improváveis histórias de sucesso que a liga já conheceu. Hoje pode ser uma ocorrência muito mais comum, mas quando Dirk entrou na liga, o estigma em relação a jogadores europeus ainda estava muito presente. E Nowitzki juntava a isso o facto de ser um big man mais conhecido pela qualidade do seu lançamento exterior. Isso e, claro, pela sua elocução na declamação poética de obras seminais da “teen pop” do virar do século. Quem sabe, sabe.
Falando de europeus, esta classe conta também com Pau Gasol e Tony Parker, mais dois pioneiros da “invasão europeia” que cada vez mais tem contaminado o jogo. Dois jogadores que não podiam ser mais diferentes e que, nessa diferença, quebraram estereótipos sobre o que é um “jogador europeu”. Um deles frio e cirúrgico – ou não fosse ele formado em Medicina –, o outro dinâmico e imprevisível. Ambos essenciais para continuar a quebrar o mito de que jogadores europeus não se conseguem aguentar no ritmo implacável da NBA.
Numa classe com tantos pioneiros, não podia faltar Becky Hammon que, para além do seu sucesso como jogadora, tem trilhado novos caminhos como treinadora. Contratada como treinadora-adjunta em 2014, pelos Spurs, tornou-se, em Dezembro de 2020, a primeira mulher a assumir o papel de head coach na NBA, quando Popovich foi expulso. Para já, Hammon tem-se “contentado” com ganhar um campeonato no seu ano de estreia como treinadora da WNBA, mas muito se tem especulado sobre quando poderá ela concretizar o feito de ser a primeira head coach feminina de um franchise da NBA.
Um dos treinadores que mais contribuiu para o “abraçar” dessa diferença foi Gregg Popovich, também ele membro da classe de 2023 do Hall of Fame e um assumido fã de ter jogadores internacionais nos seus plantéis. O seu discurso foi o mais memorável da noite, destacando-se o facto de ter, a certa altura, mandado Ahmad Rashad de volta para fora do palco quando este achava que Pop tinha acabado o seu discurso. “I’m not done”, disse Pop, numa agradável simetria com a sua carreira, que se especulava estar a chegar ao fim, antes de um certo novo talento europeu lhe ter caído no colo. Popovich concentrou boa parte do seu discurso no facto de não ser possível ter uma carreira como a sua sem ter acesso a talento de topo no plantel. Por um lado, este é mais um exemplo da generosidade e humildade do treinador, tão em linha com todos os discursos da noite. Por outro lado, citando Pop: “Duh”.
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O discurso memorável de Popovich fez-me pensar em alguns dos discursos mais marcantes da História do Hall of Fame,:
Michael Jordan (Class of 2009)
Vou ser sincero – não gostei nada deste discurso. Não me interessa se a arrogância é “justificada”, continua a ser feio de ver. Jordan passou quase todo o seu discurso a enumerar as várias pessoas que – na realidade ou apenas na sua cabeça – questionaram o seu estatuto de melhor de sempre, e esfregou-lhes na cara o seu sucesso. Foi um discurso mesquinho e desconfortável, quase totalmente desprovido de classe ou sequer grande respeito pelos grandes jogadores e treinadores que o ajudaram a chegar onde chegou. Foi o discurso de um bully. Mas é inegável que foi memorável, por isso fica aqui já despachado. Continuemos.
Yao Ming (Class of 2016)
No seu discurso de indução, Yao Ming passou grande parte do seu tempo a agradecer a todos os que o ajudaram a chegar onde chegou. Da China aos EUA, agradeceu a todos os treinadores e jogadores que o ajudaram a construir uma carreira diferente mas não menos incrível, sem nunca se lamentar sobre o que poderia ter sido. Mas a grande razão porque o coloquei aqui é pelo modo como ele começou o discurso: “When I heard that I would be the first speaker tonight, I think maybe somebody made a mistake. Because I think this spot belongs to the great Allen Iverson. You know why? Because I needed more practice than him”. Perfeito.
Allen Iverson (Class of 2016)
Iverson foi uma das maiores personalidades que passou pela NBA. Sempre com a emoção à flor da pele, dava tudo o que tinha em campo, superando as suas limitações de altura com uma dose generosa de garra e uma confiança que, sim, por vezes resvalava para a arrogância – principalmente no que diz respeito a treinos. Mas, no seu discurso, AI abriu uma janela para a sua vida e ajudou-nos a perceber o que motivou a sua personalidade carismática e inimitável. Mencionou todos os que inspiraram, desde lendas da NBA a gigantes do hip hop. Teve emoção, teve humor, foi icónico. Exatamente o que se esperaria de alguém como Iverson.
Reggie Miller (Class of 2012)
Fora de campo, nem todos adoram Reggie Miller. É comum ouvir pessoas a mencionar o seu nome com irritação, descontentes pela sua insistência em forçar catchphrases quando comenta jogos. Eu dou-lhe um desconto em relação a tudo isso porque considero que ele é um dos poucos que genuinamente aprecia a nova geração. Que compreende a importância de apoiar as novas estrelas exatamente como ele foi apoiado. O discurso de Reggie Miller foi um espelho dessa mentalidade, com destaque para a sentida homenagem que fez à irmã, Cheryl Miller, mencionando o privilégio que foi crescer com alguém que foi “a melhor de sempre”.
Dennis Rodman (Class of 2011)
Eu lembro-me do ambiente geral que se sentia em antecipação do discurso de Dennis Rodman. Tudo era possível. Eu poderia ter previsto que ele ia passar todo o tempo a contar uma história de como passou uma noite inteira com o Salman Rushdie a tentar fazer um Dragão de Komodo beber um shot de absinto e estaria tão perto de acertar como qualquer outro. Mas o que aconteceu foi muito melhor. Entre agradecimentos sinceros a colegas e família, Rodman mostrou arrependimento por muitas das suas escolhas e pediu desculpa por muitos dos seus erros. E refletiu sobre a sua absurda viagem: “You know, I could have been anywhere in the world. I could have been dead. I could have been a drug dealer. I could have been homeless. I was homeless. And a lot of you guys here that’s been here and a lot of you guys here in the Hall of Fame know what I’m talking about; living in the projects and trying to get out of the projects and I did that. But, but it took a lot of work and a lot of bumps in the road”.
por PEDRO QUEDAS [@quedas]