Na manhã seguinte aos Denver Nuggets se sagrarem campeões contra os Miami Heat, com os olhos vermelhos típicos de um homem de 40 anos que acha que ainda consegue ir trabalhar com pouco mais que três horas de sono, disse à minha mulher: “Boas notícias, amor. Os Nuggets fecharam a coisa ontem à noite. Finalmente vou poder passar a descansar em condições e deixar de te incomodar com longos monólogos sobre um desporto sobre o qual não podias ter menos interesse”.
Odeio mentir à minha mulher.
Sim, porque a realidade (mal) escondida por todos os fãs da NBA é que o interesse nunca acaba. Depois das Finais, vem o draft. Depois do draft vem a free agency – e há sempre uma saga ou duas que se arrastam tempo o suficiente para nos saciar o vício – obrigado, Damian Lillard e James Harden. Até já estou – não obstante faltarem meses para o começo da próxima temporada – a fazer mock drafts de fantasy só porque sim. Acho “divertido”. Ajudem-me.
E, claro, temos também a Summer League. As pessoas tendem a dividir-se entre os que acham que estes jogos são uma boa montra para as futuras estrelas da liga e os que rejeitam por completo a relevância do que acontece nestas partidas. Como em quase tudo na vida, a verdade pode ser encontrado sensivelmente a meio destes dois extremos. Mas qualquer debate sobre os poderes divinatórios desta competição empalidece perante uma crua e deprimente realidade: nós estamos total e completamente viciados, e quando a estrica aperta, tudo o que nos cai na veia serve para alimentar o bicho.
É por isso que dou por mim a fantasiar sobre o salto brutal que o Keegan Murray pode vir a dar na segunda época, depois de o ver a dominar a competição com 29 pontos no primeiro jogo da Summer League deste ano e 41 pontos no segundo, com especial destaque para o desenvolvimento do seu drible rumo ao cesto, algo essencial para que Murray não se torne “apenas” um talento no catch-and-shoot.
Estamos presos à montanha-russa, prontos para navegar os altos e baixos do eterno conflito entre as nossas emoções e a chatice de ter de ouvir os contributos da nossa mente racional. Prontos para saltar com a brutalidade do afundanço de Tre Mann contra os Sixers e franzir um sobrolho com a ineficiência inicial do lançamento de Keyonte George, nos seus primeiros jogos pelos Utah Jazz.
E, claro, está prestes chegar também Victor Wembanyama.
“Pedro, não tens nada de NBA para acompanhar estas férias, certo? Podemos marcar as coisas à vontade sem restrições?”
“Claro que sim, amor. Claro que sim. Estou completamente livre”.
As coisas que fazemos por amor.
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Lendas são criadas todos os anos em jogos (quase) anónimos da Summer League, mas muitos tendem a não conseguir repetir esse sucesso na NBA. Vamos recordar alguns destes heróis esquecidos:
Kyle Kuzma (Summer League 2017)
Começo com um exemplo curioso, dado que não é tanto o caso de Kyle Kuzma ter ficado esquecido mas antes que o seu caminho para o sucesso ficou um pouco afogado por baixo da sua ascensão de carreira. Hoje em dia, Kuzma é uma figura relevante da liga. Mas pouco se esperava dele ao início. Foi escolhido com a 27.ª escolha e a expectativa era que fosse para a G League para “ganhar experiência”. Mas o jovem talento marcou 21.9 pontos (juntando-lhe 6.4 ressaltos), conquistou os corações dos fãs dos Lakers e tornou-se uma estrela em ascensão.
Kevin Knox (Summer League 2018)
Em direto contraste com a história de Kyle Kuzma, a “evolução” de Kevin Knox só gera uma reacção de pena e um suspiro resignado pelo potencial desperdiçado por parte de alguns draft nerds outrora esperançosos. Escolhido na 9.ª pick pelos Knicks, começou logo a sentir o “peso” dessa responsabilidade. E, na Summer League, parecia estar muito bem encaminhado, com médias impressionantes de 21.3 pontos, 6.5 ressaltos e 2.3 assistências. O hype foi imediato. A produção foi desapontante. E, hoje, Knox parece estar destinado ao banco.
Jerryd Bayless (Summer League 2008)
O que dizer sobre Jerryd Bayless? Primeiro, que ele foi um dos primeiros grandes exemplos de como a Summer League é uma montra especialmente boa para combo guards velozes e sem medo de lançar e atacar o cesto. A falta de rotinas na defesa abre caminho a grandes explosões de pontos. Tal foi o caso com Bayless, que usou uma média de 29.8 pontos para conquistar o MVP da Summer League. Infelizmente, as condições para o sucesso de bases como Bayless não são iguais na NBA e ele acabou por se tornar um mero jogador de rotação.
Anthony Randolph (Summer League 2009)
Algures numa sala almofadada e à prova de som, a balançarem de forma ritmada para trás e para a frente, podemos encontrar antigos especialistas em drafts a murmurar “o Anthony Randolph tinha tudo para ser MVP, o Anthony Randolph tinha tudo para ser MVP”. A 15 de Julho de 2009, marcou 42 pontos num jogo da Summer League, alimentando esperanças quanto ao seu enorme potencial – tanto no ataque como na defesa. Acabou por mostrar uma incapacidade para se elevar contra talento de topo, mas a lenda do seu potencial perdurou.
Josh Selby (Summer League 2012)
Depois de uma primeira época em que causou pouco ou nenhum impacto, Josh Selby estava determinado a mostrar o que valia na sua segunda oportunidade para jogar na Summer League. Ajudado por uma percentagem de 64% da linha de triplo, terminou a competição com uma média de 24.2 pontos, terminando no Top 5 – acima de Tobias Harris e Jimmy Butler (ambos com 20.8) e logo abaixo de Kawhi Leonard (25.0) e Damian Lillard (26.5), com quem partilhou o MVP da Summer League. Nada mau para alguém que não voltou a jogar na NBA.
por PEDRO QUEDAS [@quedas]