Até agora, o maior entrave tinha sido a sua incapacidade para chegar em forma física adequada ao arranque da época. Luka tem terminado sempre bem as temporadas – incrivelmente bem, diga-se – mas os arranques têm sido um pouco coxos. Mas este ano tudo mudou.
Falar ou escrever sobre Luka Dončić é sempre um exercício em tentativa falhada de contenção. Nós queremos ser completamente objetivos, analisar o seu jogo de forma fria e distante, como se nos exige, como comentadores analíticos e sérios que somos. E depois, sem sabermos muito o que nos aconteceu – como se uma névoa mística envolvesse o nosso cérebro e desligasse a parte que nos controla os impulsos – damos por nós a fazer afirmações como “Luka Dončić vai ser um dos melhores jogadores de sempre” ou “mesmo só com o que já fez já tem lugar garantido no Hall of Fame”.
Em nossa defesa, é difícil não ficar hipnotizado por este nível absurdo de talento. Na primeira temporada, Luka teve logo momentos marcantes com a run de 11 pontos seguidos para bater os Rockets de James Harden. No segundo ano, foi titular no All-Star Game e, nos seus primeiros playoffs, começou por bater o recorde de pontos num jogo de estreia (42) e depois, já no jogo 4, culminou um triplo-duplo de 43 pontos com um absurdo buzzer beater que deixou os Clippers a pensar “de onde raio saiu este puto?”. Ah, e estava lesionado, também.
No ano seguinte, voltou a perder nos playoffs contra os Clippers, mas fê-lo com estilo, terminando a series com médias de 35.7 pontos, 10.3 assistências e 7.3 ressaltos, sem esquecer inúmeros momentos clutch. E, claro, como podemos esquecer o que Luka fez nos últimos playoffs, quando deu uma valente lição de humildade aos Phoenix Suns, que cometeram o erro crasso de o espicaçar quando estavam na frente, e acabaram por ser eliminados num jogo 7 que terminou com uma diferença de pontos de 33 – e que estava, ao intervalo, com um parcial de 57-27. Foi a primeira presença de Dončić nas finais de conferência.
Tudo isto para dizer que Luka Dončić é absurdamente talentoso. Um marcador de pontos de elite que, muito possivelmente, é mais letal ainda no passe. Os seus parceiros de equipa são presenteados jogos após jogo com lançamentos completamente isolados, fruto da atenção que Luka comanda – apesar de não os converterem especialmente bem. A sua “falsa lentidão” e a capacidade para controlar o ritmo de jogo ao seu jeito, torna-o uma estratégia ofensiva por si só – um canivete suíço de opções de ataque tão variadas quanto imparáveis. Ver Luka a estudar os esquemas defensivos que os oponentes lhe apresentam e a desmontá-los peça a peça, é absolutamente divinal.
Agora já na sua quinta temporada, Dončić assume-se, cada vez mais, como um sério candidato ao MVP da temporada regular. Até agora, o maior entrave tinha sido a sua incapacidade para chegar em forma física adequada ao arranque da época. Luka tem terminado sempre bem as temporadas – incrivelmente bem, diga-se – mas os arranques têm sido um pouco coxos.
Mas este ano tudo mudou. Luka apareceu em pico de forma no Campeonato Europeu e, talvez fruto disso, começou a temporada a todo o gás. Marcou 30 pontos ou mais nos seus primeiros oito jogos da temporada, o único a fazê-lo desde Wilt Chamberlain. Depois do primeiro cheiro de sucesso nos playoffs, está claramente focado em dar o próximo passo na sua ascensão.
Mas será que vai conseguir o MVP este ano? A missão avizinha-se complicada, ainda que não impossível. Luka tem jogado muito bem, mas continua a ser, muitas vezes, traído pela inconsistência dos seus atiradores, resultando num parcial de apenas 9-8, à data da escrita deste artigo.
As vitórias recentes de Nikola Jokić são a prova de que o registo de vitórias e derrotas não é necessariamente o principal fator na mente dos votantes. Mas, por norma, esse tipo de vitórias tende a acontecer quando as equipas no topo da tabela não têm nenhum jogador que se destaque especialmente. Este ano, as duas equipas em melhor forma são os Celtics e os Bucks – e Tatum e Giannis, respetivamente, têm tido temporadas de nível MVP, também.
Vou continuar atento a esta corrida, em grande parte porque admiro muito o Luka e nunca me canso de o ver jogar. Mas, também, porque conquistar um MVP é muito difícil e qualquer oportunidade de o obter não deve ser desperdiçada. Não gostava mesmo nada que o panteão a que Luka pertencesse, no fim da carreira, fosse o dos melhores jogadores que nunca venceram um MVP.
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Com a nota que esta lista excluiu jogadores das eras mais antigas da NBA, em que o talento era um pouco mais diluído e as maiores estrelas dominavam brutalmente logo à entrada na liga, aqui seguem alguns dos melhores arranques que a NBA já viu – por parte de jogadores que nunca conquistaram um MVP da temporada regular:
Vince Carter
Antes de falarmos de Vince Carter, não nos podemos esquecer do seu herdeiro natural, Blake Griffin, que merece uma menção honrosa pelo modo como destruiu aros e postes defensores logo no primeiro ano em que jogou. Mas “Vinsanity” teve uma magia diferente. Uma estrela logo à entrada na liga, Carter é visto como o melhor dunker na história da liga e, francamente, já o era logo ao fim de cinco anos. Para além dos highlights, Vince mostrou um jogo dominador de um modo geral, com uma média de 24.1 pontos nas primeiras cinco temporadas, e até 1.3 steals e 1.1 blocks. Os jogadores entram na NBA cada vez mais atléticos ano após ano – e, mesmo assim, não sei se algum deles ainda chegou, ou vai chegar, ao nível de Vince Carter.
Grant Hill
É importante que os nossos leitores compreendam verdadeiramente o quão bom o Grant Hill era – e o quão bom era suposto ter sido. Infelizmente, uma série de lesões roubaram-lhe a possibilidade de almejar ao panteão de um dos melhores de sempre, mas resta-nos sempre salivar com o seu arranque na liga. Dito de forma muito simples, Grant Hill não tinha qualquer defeito no seu jogo. Lançava bem, atacava o cesto com um misto de elegância e explosão e era um passador de elite, com grande visão de jogo. Como se isso não bastasse, era também um excelente defensor, tanto ao nível do posicionamento como na capacidade de usar o físico para dominar os adversários. Foi o LeBron antes do LeBron. Raios partam as lesões.
Dominique Wilkins
Logo na sua quarta temporada, Dominique já estava a marcar 30 pontos por jogo, usando uma combinação de letal de lançamentos de midrange e ataques ao cesto violentos que deixavam um rasto de corpos para trás, valendo-lhe a primeira nomeação ao All-Star Game e uma presença na All-NBA First Team. O “Human Highlight Reel” teve uma média de 25.1 pontos nas suas primeiras cinco temporadas e manteve-se um talento dominador na liga durante muito mais anos, sem esquecer os seus embates com Michael Jordan no concurso de afundanços do All-Star Weekend. A sombra de Michael Jordan foi, aliás, a grande razão porque não teve ainda mais sucesso na liga. Em defesa dele, Jordan teve esse efeito em muitos, muitos outros.
Isiah Thomas
Quando olhamos para os números que Isiah Thomas já fazia logo na entrada na liga, temos uma pequena janela para o seu talento. Querem defesa? Que tal ter tido mais de 2 steals por jogo em cada uma das suas primeiras cinco temporadas? Gostam de pontos? 20.7 de média nos primeiros cinco anos é suficiente? E o que acham de ter 10.3 assistências por jogo nesse período de tempo? Ou 13.9 logo na sua quarta temporada? E isto sem contar com o facto de Isiah ter tornado os Detroit Pistons numa equipa com presença frequente nos playoffs, batidos apenas, ao início, pelos Celtics de Larry Bird. Mas nada disto é especialmente surpreendente. O que é verdadeiramente inesperado é que “Zeke” nunca tenha ganho um único MVP.
Dwyane Wade
Wade chegou à liga com alguma dose de desconfiança associada. Vinha de Marquette, um programa universitário com, comparativamente, menos prestígio que muitas das escolas mais famosas. Não teve o “hype” imediato de talentos como LeBron James e Carmelo Anthony, que andaram a digladiar-se pelo prémio de Rookie of the Year. Mas, a nível de impacto imediato a nível coletivo, superou até ambos. Logo na sua terceira temporada, Wade levou os Miami Heat ao título, com Shaq a ser lado, contra os Mavericks. Performances de 42, 36 e 43 pontos nos jogos 3, 4 e 5, respetivamente, das Finais, valeram-lhe a distinção de Finals MVP, o quinto mais jovem de sempre a conseguir o feito. Não lhe podíamos pedir melhor arranque que este.
por PEDRO QUEDAS [@quedas]