Escrevo-vos este artigo pouco depois de os Denver Nuggets eliminarem os Phoenix Suns em seis jogos. E com tantos pontos de interesse para acompanhar – o contraste entre a forma de Devin Booker nestes playoffs e a deprimente exibição no jogo de eliminação, os contínuos problemas dos Suns em aparecerem para jogos decisivos, a montanha-russa que é a eficiência ofensiva de Jamal Murray – dou por mim a pensar num tweet de Jason Concepcion e no quão surreal é a experiência de presenciar o talento invulgar de Nikola Jokić.
Jokić terminou as semi-finais de conferência dos playoffs liderando todos os jogadores em pontos (34.5), ressaltos ofensivos (4.2.) e assistências (10.3). Ficou também em segundo em ressaltos (13.2 – pouco atrás de Anthony Davis) e tem feito tudo isto com as absurdas percentagens de lançamento de 59.4/44.4/85.4. Mas isso nem é o que interessa mais. O que torna tudo isto tão fascinante é o modo como ele o faz.
Todos sabemos do talento que o gigante sérvio tem como passador. A sua visão de jogo e a suavidade com que a bola sai das suas mãos cria oportunidades fáceis para todos os outros à sua volta. Já se tornou de tal modo a norma no sistema ofensivo dos Nuggets que os colegas de Jokić já se movem rumo ao cesto como uma máquina bem oleada. A qualquer momento do jogo, Gordon, KCP ou Porter Jr. fazem ataques rumo ao cesto porque sabem que, seja qual for o posicionamento dos defensores, o poste os vai encontrar. A palavra “maestro” é, por vezes, despejada no discurso desportivo sem grande critério, mas, neste caso, aplica-se. O ataque dos Nuggets é, no seu melhor, sublime como uma orquestra.
E, ainda assim, não é disto que eu estou a falar neste meu artigo. O que me continua a fascinar a cada jogo que vejo de Jokić é o tipo de lançamentos que ele tem o desplante de tentar – e, “pior” ainda, concretizar. Sejam movimentos de ballet em câmara lenta, push shots à distância de um floater do Trae Young ou lançamentos em fadeaway com o tempo a esgotar-se e o defensor adversário quase às suas cavalitas.
É uma piada recorrente entre os fãs dos Nuggets dizer que têm mais confiança no lançamento de Jokić quando ele tem um defesa em cima, mas a piada tem razão de ser. Em lançamentos com menor pressão defensiva (“Open” ou “Wide Open” – nas estatísticas avançadas do site da NBA), Jokić tem uma percentagem de 44.9%. Quanto tem um defesa em cima (“Tight” ou “Very Tight”), essa percentagem aumenta para 58.2%.
A história destes playoffs tem ainda muitas páginas por escrever. Mas quer estes momentos sejam apenas alguns capítulos ou o livro todo, sei que um dia vou contar os meus filhos como era ver um urso-pardo disfarçado de humano a mostrar como se joga o basquetebol mais bonito e bizarro no planeta.
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Depois desta pequena diatribe sobre o quão invulgar o jogo de Nikola Jokić é, vamos recordar alguns outros jogadores que desafiaram as nossas expectativas do que é singrar na NBA:
Jason Williams
Lembram-se daquela alegria que tinham – desculpa, Ricardo Brito Reis – a ver o Ronaldinho Gaúcho jogar? Aquele frenesim interno de saber que não podíamos nunca desviar os olhos do ecrã porque a qualquer momento ele podia fazer algo que nunca tínhamos visto antes? Era essa a sensação que nós, “90s kids”, tínhamos a ver o White Chocolate jogar. Embora eu esteja plenamente convicto que o seu estilo de jogo resultasse melhor ainda nos dias de hoje, a sua função em campo não era essa. Ele estava lá para brilhar, para sentar bases adversários com um drible ou disparar com um passe com a parte do corpo que lhe parecesse bem usar.
Manute Bol
Como fã dos Magic, aquela parte da temporada em que Bol Bol encantou a liga com as suas explosões ofensivas e movimentos pouco ortodoxos foi um dos pontos de alto da época. Foi gloriosamente bizarro. Mas mal chega aos calcanhares do que era ver o seu pai jogar. Na sua época de estreia, Manute Bol teve cinco blocks por jogo. Terminou a carreira com 3.3 blocks de média. E Manute jogava relativamente poucos minutos por jogo. Ajustada a 36 minutos, a sua média de carreira seria 6.4. Teve dois jogos em que terminou com 15 blocks. E tinha um dos aspetos mais invulgares que a liga já viu, com 2,31 metros de altura e apenas 91 quilos.
Muggsy Bogues
Saltamos agora para o espectro oposto. Não é raro conhecermos pessoas com mais de 1,80 metros e pensar que estas pessoas “altas” mal chegariam para jogar a base na NBA. É uma forma de simples de ganharmos perspetiva quanto aos freaks atléticos que jogam na liga que tanto adoramos. Mas Muggsy Bogues não era “baixo para a NBA”. Com 1,60m, era baixo, ponto. E, no entanto, jogou 14 temporadas na liga, liderando os Charlotte Hornets com sólida distribuição de jogo, um drible quase rente ao chão e uma propensão para atacar linhas de passe para steals. E, acreditem ou não, era um tronco, impossível de mover num post-up.
Darryl Dawkins
Ao longo da sua relativamente longa carreira, Dawkins raramente foi um talento de primeira linha. Ressaltava bem quanto baste e esforçava-se na defesa do garrafão, mas era, acima de tudo, um role player. Mas o “papel” que desempenhava era ser um doido varrido com ódio à dignidade dos adversários e gosto em dar alcunhas aos seus lances mais icónicos. Em 1979, quando destruiu a tabela com um afundanço, deu-lhe o nome de “The Chocolate-Thunder-Flying, Robinzine-Crying, Teeth-Shaking, Glass-Breaking, Rump Roasting, Bun Toasting-Wham-Bam-I-Am Jam”. Ah, e também afirmava que era um extraterrestre vindo do planeta Lovetron.
Dennis Rodman
Sem contexto, se virmos que um jogador terminou a carreira com uma média de 7.3 pontos por jogo, presumimos que era um jogador de rotação. Aceitável mas não brilhante. Mas Rodman era completamente diferente. Um dos melhores ressaltadores que a liga já viu – liderou a NBA sete anos consecutivos – era também um génio na defesa, conquistando o DPOY em dois anos e sendo nomeado para oito All-Defensive Teams. Acima de tudo, era um jogador que sabia quem era, sabia o que lhe pediam para fazer – mesmo quando isso eram ordens “secretas” para irritar os adversários. Se considerarmos que a sua vida fora do court conseguia ser ainda mais surreal, certamente nunca voltaremos a ver outro Dennis Rodman.
por PEDRO QUEDAS [@quedas]