Em pouco mais do que três anos, percorri mais quilómetros do que nos 18 (todos somados!) que antecederam o início desta aventura. (…) Fui a Nova Iorque, a Vancouver, a Seattle, São Francisco, Los Angeles, Las Vegas, Halifax, Prince Edward Island, London, Kingston, Thunder Bay… E a lista, uma vez mais, não acaba aqui. Vi tudo isto e, incrivelmente, vi só isto. O mundo é enorme. Há mais do que conhecemos. E essa perspetiva também nos muda.
Por uma burocracia chata que exige que os atletas estejam inscritos em ambos os semestres para estarem elegíveis para jogar, não pude ser inscrita nesta que seria a minha última época no Canadá. Continuei a treinar com a equipa, mas não poderia jogar.
(No fundo, não seria muito diferente da época passada…)
Se calhar, acabar assim estava mesmo destinado. Mas não vejo nada disto como uma coisa má. Vivi de tudo. Levei pancada de meia-noite e levantei-me sempre na manhã seguinte.
(Num dos versos de “I Lived”, de One Republic, isso é descrito muito bem: “With every broken bone, I swear I lived.)
Experimentei máximos e mínimos e de ambos saí melhor. A minha vinda mostrou-me bem mais do que pavilhões de basquetebol: tenho uma dupla licenciatura em Economia e Gestão e uma especialização em Matemática (percurso académico que me seria completamente impossível em Portugal); partilhei o campo com jogadoras de excelência; fui Embaixadora dos estudantes internacionais; aprendi uma língua nova, na qual, incrivelmente, me sinto mais fluente do que em português (não fosse a insistência do Ricardo nesta língua de Camões, todas estas crónicas teriam sido escritas em inglês). E a lista continua. E é longa.
De todas estas experiências, a ter de eleger uma como a mais importante, escolheria a mais óbvia de todas: eu vi o mundo. Em pouco mais do que três anos, percorri mais quilómetros do que nos 18 (todos somados!) que antecederam o início desta aventura. Vivi noutro país, integrei-me noutra cultura e conheci outra realidade. Fui a Nova Iorque, a Vancouver, a Seattle, São Francisco, Los Angeles, Las Vegas, Halifax, Prince Edward Island, London, Kingston, Thunder Bay… E a lista, uma vez mais, não acaba aqui. Vi tudo isto e, incrivelmente, vi só isto. O mundo é enorme. Há mais do que conhecemos. E essa perspetiva também nos muda.
Em “Para os braços da minha Mãe”, de Pedro Abrunhosa, o autor diz “Ninguém sai de onde tem paz”. Mas eu tinha-a e saí na mesma. Na verdade, eu tinha tudo em Portugal: na altura, candidatei-me e entrei na Universidade Nova, em Economia; toda a minha família é portuguesa e está em Portugal; muito provavelmente, jogaria no mesmo clube de sempre. E por aí fora. Tinha tudo (ou assim julgava eu).
Em vez de me render a esse conforto, construí tudo de novo. Foi-me dada a oportunidade de começar do zero, num sítio diferente, onde ninguém me conhecia e eu podia ser o que bem entendesse. A viagem foi dura, demorou o seu tempo e deixou as suas marcas. Carrego as cicatrizes e mostro-as com o orgulho de saber o que elas representam – ainda que mais ninguém as entenda na sua plenitude. É certo que lamento o que me roubou, mas também celebro energicamente aquilo que me entregou de bandeja.
Em literatura, música, cinema, poesia e pintura, é comum falar-se de The Road Not Taken. No seu famoso poema, precisamente com esse título, Robert Frost termina da seguinte forma:
Two roads diverged in a wood, and I–
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.
(Adicionei o negrito por achar, mesmo, que isso fez toda a diferença.)
Até em Microeconometria esse fenómeno é analisado, na medida em que o melhor comparador de um consumidor é ele próprio. No entanto, não é possível comparar a realidade com algo que nunca aconteceu; ou seja, não há como viver uma realidade e o seu contraposto em simultâneo.
O conceito é mais simples do que parece. Por exemplo, na pintura acima, de Margaret Ellis (também de seu nome The Road Not Taken), vêem-se dois caminhos. A partir do momento em que o indivíduo escolhe um deles, o que acontece no outro é impossível de conhecer. Teoricamente, há a possibilidade de voltar atrás e ir pelo outro – mas nunca a de viver os dois ao mesmo tempo. No seu romance Light Years, James Salter explica a mesma ideia: “Acts demolish their alternatives, that is the paradox.”
Dada a insistência cultural, é possível concluir que este tema tem, pelo menos, a sua importância. Em certa medida, está em tudo o que fazemos, já que a vida não é mais do que uma sucessão de tomadas de decisão – umas mais difíceis do que outras.
Escolhi aventurar-me e sobrevoar o segundo maior Oceano do mundo. O que poderia ter acontecido, num Universo alternativo, se não tivesse vindo, é impossível de saber. Sei que sou uma pessoa completamente diferente – com todos os corolários (bons e maus) que isso acarreta. O que me foi dado aqui, neste Universo, nesta realidade, foi muito bom. Pode não ter corrido tudo às mil maravilhas, mas nunca nada é perfeito, e eu também preferi partilhar os tombos, já que embelezar uma realidade que não foi sempre bonita, para além de falso, seria ilusório.
Isto pode soar a “palmadinhas nas costas” de quem queria tudo e só recebeu metade daquilo que ansiava, mas não é. Ou talvez seja. Cabe a cada um de vós avaliar. Acho que isso não muda a moral da história: o desconforto da mudança é maioritariamente preferível ao comodismo da mesmice.
Arriscar cria bifurcações. Essas, por sua vez, obrigam-nos a tomar mais decisões e a vida será sempre uma constante mudança de caminho. É impossível saber o que acontece no que não escolhemos, por isso mais vale aproveitar a estrada pela qual decidimos prosseguir. Neste sentido, o meu humilde conselho é simples: vão pelo caminho menos viajado. É normalmente nele que percebemos que o verdadeiro sonho está em poder sonhar.
Depois de uma despedida difícil de Toronto e de volta a Lisboa, perguntam-me se é desta que fico de vez. A minha resposta é normalmente atrapalhada em palavras (porque quem pergunta, por norma, está à espera de uma resposta diferente), mas é até bastante clara em pensamento: não, não é desta.
A distância tem um custo fixo muito elevado, mas um custo marginal relativamente baixo. Além do mais, a minha razão de ir é voltar. Gosto desta ideia de contagem decrescente, desta nostalgia quase constante. Parece contraditório, mas agora é quase como se gostasse de estar longe – só para ter a possibilidade de voltar a estar perto.
É certo que a distância dói mais aquando vivida aos intervalos – tanto que a minha mãe me diz com alguma frequência: “se fores voltar agora, volta para ficar”. Porque o que lhe custa mais é a partida; e é quase como se a satisfação do regresso não lhe valesse pelo contrário da despedida. Contudo, para mim, em todas as partidas, em todas as viagens, afetivas ou geográficas, coletivas ou individuais, o que é mais fascinante é sempre o mesmo: o regresso. No seu ensaio “On Being Conservative”, Michael Oakeshott refere-se também a esta condição:
“to prefer the familiar to the unknown, to prefer the tried to the untried, fact to mystery, the actual to the possible, the limited to the unbounded, the near to the distant, the sufficient to the superabundant, the convenient to the perfect, present laughter to Utopian bliss.”
Isto é apenas um lembrete de que somos humanos e gostamos de nos sentir seguros. É mais fácil. Segundo a Pirâmide de Maslow, nem vale a pena considerar outros aspetos da nossa vida se necessidades básicas, como a segurança e o conforto, não estiverem garantidas. É perfeitamente normal. Só não podemos deixar de desafiar, ainda que apenas de vez em quando, essas condições e pressupostos.
Por enquanto, não há pressa, mas já há voo marcado para outro destino e chegará o momento de fazer as malas novamente.
Obrigada a todos pela companhia. Bom Ano Novo!
por ANA SOFIA RUA