Porta aberta para a Rua: Piloto automático

por nov 20, 2019

Pela primeira vez, passei o Natal longe da minha família. No entanto, o efeito de substituição é impressionante. Embora a linha dessa curva de utilidade não tivesse um ângulo de 45 graus, o facto de uma das minhas colegas de equipa me ter convidado a passar o Natal com a sua família foi quase como se tivesse ido realmente a casa, mesmo sem ter ido.

Antes do início do meu sophomore year, viajei um pouco para conhecer melhor o incrível país que o Canadá é. Em agosto, durante 15 dias, os meus pais, a minha irmã e eu visitámos Montréal, Quebéc City, Ottawa e Toronto.

Quando chegou a hora de eles regressarem a Lisboa, estranhamente, não houve lágrimas. Já sabíamos o que custava e a distância já não nos assustava (tanto). Tínhamos todas as armas para combater a saudade. Embora a distância de um clique não fosse a mesma do que a entre a sala de estar e o meu quarto, já não parecia que estava assim tão longe.

Nesse mesmo dia, umas horas depois de nos termos despedido, já estava novamente no pavilhão, pronta para correr o beep test. Nesse ano, o standard tinha aumentado para o nível 11 (94 beeps) para os extremos e bases e para o nível 10 (83 beeps) para os postes. Quem não chegasse ao standard, ficaria proibido de treinar (e consequentemente jogar) até o atingir. A pressão era alta e eu tinha andado a viajar durante 15 dias.

No entanto, o beep test não é mais do que um teste à persistência do atleta. E para isso, estava bem preparada. Bati o meu recorde pessoal, atingindo um estável nível 11.5 (98 beeps). Estava feliz, finalmente saudável e ansiosa para que a época começasse e eu pudesse finalmente mostrar que o último jogo da época passada não tinha sido um mero acaso.

Em outubro, arrancámos a pré-época na Dalhousie University, em Halifax, Nova Scotia. Perdemos os três jogos do torneio, todos por margens muito pequenas (não mais do que dez pontos nas três partidas). Apesar do desempenho coletivo pouco feliz, fui eleita MVP do torneio, o que veio apenas sublinhar a minha ânsia de começar a época. Antes disso, ainda participámos em mais um torneio de pré-época, na Université Laval, em Quebéc City, Quebéc. Uma vez mais, fomos derrotadas nos três jogos.

Com um desempenho inicial tão infausto, a época não se avizinhava nada fácil e ninguém dava nada por nós. Na última quarta-feira de outubro seria o início da época 2017/18, o tão esperado Home Opener. O pavilhão estava longe de estar cheio no início do nosso jogo. No entanto, a partir do terceiro período, mais e mais estudantes enchiam as bancadas. Embora eles estivessem apenas à espera do jogo dos rapazes, a sua presença fazia-se sentir.

Foi um jogo de emoções muito fortes. Não saboreávamos uma vitória há muito tempo e estávamos com ganas de mostrar o que realmente valíamos. Vínhamos de uma pré-época exigente, mas muito mal conseguida. No entanto, fizemos um jogo incrível. Jogámos em equipa e estávamos finalmente a competir em Ontário, com equipas que já tínhamos defrontado anteriormente. O público estava ao rubro. A partir do quarto período, já não havia lugares nas bancadas e havia alunos sentados no chão, a apenas dois metros da linha final, dificultando o trabalho da equipa de cheerleading.

O ambiente era incrível e eu nunca tinha experienciado nada assim (no final dessa época, a Universidade venceu o prémio Best Fans in Canada). Ao soar o apito final, festejámos como se de uma final se tratasse. Estava aberta a época e nós não íamos ser o que havíamos sido na estrada. As seis derrotas da pré-época tinham-nos ensinado muito e nós estávamos unidas e cientes do que éramos capazes.

Este foi o início de umas das melhores épocas desportivas da minha “carreira”. Tinha não só a confiança do staff técnico, como a das minhas colegas de equipa. Para ajudar a um ano perfeito, fui escolhida para ser Embaixadora dos estudantes internacionais – um cargo reservado a estudantes internacionais de excelência.

(Lembram-se de pensar que as coisas más pesavam incrivelmente mais do que as boas? Eu não.)

É difícil destacar um único momento daquela que foi uma sucessão de boas exibições – embora nem sempre tenhamos vencido. Acho que vou ter de ser cliché e destacar o mais óbvio: o jogo na Arena. A Arena é um pavilhão enorme, na Baixa, onde jogamos uma vez por ano. Trata-se do mesmo pavilhão onde a equipa de hóquei no gelo joga no Homecoming. O campo que vêem na fotografia em baixo é colocado sobre o gelo.

Nessa época, o calendário ditou que o jogo seria com o campeão em título, a Carleton University. Não éramos, de todo, as favoritas para ganhar, mas ao intervalo liderávamos o marcador por uns suados seis pontos. Infelizmente, uma vez mais, a sorte não nos sorriu e a falta de soluções ofensivas contra uma defesa onde a jogadora mais baixa tinha cerca de 1,80 metros fez-nos quebrar no último quarto. Esse havia sido o último jogo da primeira parte da época. Depois de uma derrota pesada por 19 pontos, diante de uma multidão de mais de 2000 pessoas, era tempo de recarregar baterias.

Em situações normais, dezembro seria tempo de ir para casa, mas decidi não ir. Da última vez, tinha ficado doente (já que a viagem é longa e cansativa) e só tinha estado em casa cinco dias. Achei que não valia a pena. (Mais tarde, vim a perceber que vale sempre a pena ir a casa.)

Pela primeira vez, passei o Natal longe da minha família. No entanto, o efeito de substituição é impressionante. Embora a linha dessa curva de utilidade não tivesse um ângulo de 45 graus, o facto de uma das minhas colegas de equipa me ter convidado a passar o Natal com a sua família foi quase como se tivesse ido realmente a casa, mesmo sem ter ido. Na noite do dia 24, a mãe da minha colega abraçou-me e disse:

I’m sure your mom would’ve given you one too.

Por mais que a minha mãe não estivesse ali, por um segundo, não me faltou nada. Há cinco anos que não nevava na noite da Consoada. Nesse ano, nevou a noite toda. Era o meu primeiro Natal fora e o meu primeiro White Christmas.

por ANA SOFIA RUA

Autor

Ana Sofia Rua

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