Entre marcar um cesto de dois pontos e levar o jogo para prolongamento ou arriscar o lançamento triplo e vencer, optei pelo segundo.
É com um enorme prazer que começo hoje um novo trajecto na minha vida, o de cronista, e com um prazer redobrado pois faço-o para o meu bom amigo Ricardo Brito Reis, através do Borracha Laranja.
Pretendo sobretudo abrir-vos a “minha janela”, aquela que tem a “tal vista”, quiçá não muito comum, que é a dum treinador emigrante, longe de casa, mas a fazer aquilo que tanto ama: ensinar e aprender basquetebol.
Não faço a mais pequena ideia sobre o score final, nem se irei acrescentar algo a este espaço, tão recheado que está de agentes super-importantes neste meio. Em todo o caso, e porque um treinador se quer como alguém de coragem, resolvi aceitar o seu desafio e, uma vez mais, tentar chegar um dia ao “final do jogo” com mais uma realização pessoal e, claro, de alguma maneira, contribuir para o engrandecimento desta modalidade que tanto amamos.
E porque se deve começar precisamente pelo início, acho pertinente partilhar com os seguidores do Borracha Laranja aquilo que me levou a decidir sair do meu país, largar uma das minhas profissões, a de advogado, e sobretudo estar fisicamente longe da minha família e amigos. Tentarei ser breve, até porque não existe uma mas antes várias razões para tal decisão.
O vírus foi activado com os primeiros contactos internacionais, que tiveram o seu início em 2005, aquando da minha estreia como selecionador nacional, então no escalão de Sub18 femininos. Nesse verão percebi, talvez pela primeira vez, que esta coisa de necessitarmos de sair da nossa “rua” para percebermos que, afinal, o caminho é mais longo, mas igualmente mais aliciante do que aquilo que idealizávamos, é algo bem real e não apenas uma qualquer frase lida num qualquer texto. Nessa altura aquilo que não passava de letra morta, passou a ser um linha bem visível no horizonte e um sonho que ganhava contornos mais nítidos.
A continuidade deste trajecto nas seleções jovens, já com Sub20 femininos, veio criar o meio adequado a que o vírus se propagasse de tal forma que era já irreversível. O ponto de não retorno foi assumido no FECC (FIBA Europe Coaching Certificate), que frequentei entre 2009 e 2011. Nesse curso, a par da bagagem técnica que adquiri ou solidifiquei, os contactos internacionais tornaram-se ainda mais extensos e personalizados. Paralelamente, permitiu comparar-me com os demais colegas estrangeiros e perceber que, afinal, o treinador português não estava tão mal preparado quanto isso, bem pelo contrário.
Foi então que em inícios de 2013 surgiram os primeiros convites, decorrentes de algumas conversas continuadas desde 2011. Mas este não foi o único factor que me levou a “dar o salto”… Com efeito, ao fim de mais de 25 anos a treinar ininterruptamente em Portugal, tendo percorrido todos os escalões de minibasquete a seniores e tendo tido a oportunidade de treinar seleções distritais e nacionais, comecei a detectar alguns sinais de saturação. E nada melhor do que passar a alimentar um sonho diferente para manter a chama viva do trabalho apaixonado pelo basquetebol, aquele sentimento que faz quase sempre a diferença, aquele impulso que nos faz querer dar sempre mais um passo mesmo se nada vemos pela frente.
Finalmente, o sentimento de desafio, de inconformismo, de ir em busca daquilo que me realiza e faz feliz, arriscando sair da minha zona de conforto, “divorciar-me” da advocacia e abraçar a tempo inteiro o basquetebol.
Foi um risco?
Sim, mas treinador que é treinador não se deixa acomodar apenas porque a mudança é um risco. Entre marcar um cesto de dois pontos e levar o jogo para prolongamento ou arriscar o lançamento triplo e vencer, optei pelo segundo.
Em suma, e se me permitem uma perspectiva mais poética, um treinador deverá conter em si, entre tantas outras valências, um misto de Dom Quixote e Vasco da Gama, isto é, entre alguém que jamais deve parar de sonhar, alguém que vê “gigantes por moinhos”, e alguém que não receia o desconhecido, alguém que das “dúvidas faz nascer ideias”.
Posto isto, a decisão estava tomada… A Dinamarca seria o meu primeiro destino.
Mas isso é algo que fica para a “segunda jornada”. Até lá, bom trabalho e divirtam-se com o basquetebol.
por EUGÉNIO RODRIGUES