Um português pelo Mundo: A primeira vez na Divisão A

por jan 19, 2018

A decisão foi unânime, sobretudo das atletas; continuaríamos em competição, em nome do País, em nome das colegas hospitalizadas e a pedido destas. E, claro, num desafio ao destino, mostrando a fibra de que éramos feitos e que nem assim iríamos ao chão.

Ano novo, vida nova, energias redobradas e sonhos recuperados.

Já as memórias, essas são as mesmas, sobretudo aquelas que nos marcam, e foram bastantes as que vivi ao longos destes anos com a Seleção Nacional Sub20 Femininos.

Desta feita trago à tona o ano de 2012 e o Campeonato Europeu que realizamos em Debrecen, na Hungria. Foi um campeonato marcante, talvez mesmo dos que mais me recordo, por ter sido o primeiro em que competimos na Divisão A e porque… infelizmente o destino não quis que o vivêssemos da melhor forma, da única forma que eu conheço, a desportiva.

Com efeito, depois de uma preparação exemplar, onde conseguimos reunir aquele naipe de atletas que nos davam todas as garantias de um trabalho ao mais alto nível, chegamos ao Europeu prontos e dispostos a dar 110%, de modo a honrar a nossa primeira participação nessa divisão.

Na manhã do primeiro jogo, ante a França, deparámos com o adoecimento súbito da Filipa Bernardeco, com sinais visíveis de intoxicação alimentar. O estado de espírito sofreu um enorme revés, pois percebemos desde logo que a situação era grave, ao ponto da atleta ter sido hospitalizada de urgência, e que a situação poderia ser também mais extensa do que pensávamos. Durante esse jogo perdemos a Laura Ferreira, com os mesmo sintomas.

Nessa noite, e num espaço de poucas horas, foram hospitalizadas mais quatro atletas: Brigitta Cismasiu, Joana Jesus, Maria João Andrade e Inês Faustino.

A explicação oficial, que só foi dada convenientemente pela organização depois de terminado o Europeu, era de que cerca de 40 elementos tinham contraído uma intoxicação alimentar, fruto da ingestão de alimentos contaminados por salmonelas durante o jantar de inauguração do campeonato.

Ou seja, à hora do pequeno-almoço do segundo dia de competição, tínhamos seis atletas à mesa: Joana Soeiro, Vitória Pacheco, Inês Pinto, Paula Couto, Jessica Almeida e Daniela Domingues. Num misto de consternação, pânico e raiva, vimo-nos na necessidade de tomar uma decisão. Ou abandonávamos e voltávamos para casa ou seguíamos em frente, mesmo se desconhecêssemos o dia seguinte.

A decisão foi unânime, sobretudo das atletas; continuaríamos em competição, em nome do País, em nome das colegas hospitalizadas e a pedido destas. E, claro, num desafio ao destino, mostrando a fibra de que éramos feitos e que nem assim iríamos ao chão.

Jogar um Europeu de nove jogos em doze dias já seria duro. Fazê-lo com apenas seis atletas e com temperaturas na ordem dos 40 graus era brutal, pelo que vivemos o nosso dia-a-dia na incerteza constante de não conseguirmos aguentar.

Ainda recuperamos duas das seis atletas hospitalizadas, mas isso foi insuficiente para evitarmos a descida. Conseguimos fazer, ainda assim, três vitórias e competir em quase todos os jogos (10 pontos com a Turquia, dois jogos com a Itália por menos de 10 pontos, etc.). Se acabámos por descer de divisão, fomos no entanto uns meritórios 14º classificados entre as 16 competidoras.

No intervalo do jogo da final e em pleno campo, a Europa disse “Bravo, Portugal”…

Retenho na memória os momentos de tristeza quando descemos de divisão, sobretudo nas atletas que nunca desistiram e encararam a descida como um insucesso, não obstante terem todas as justificações do mundo para dar. Foi inquestionavelmente um dos maiores marcos no respeito que nutro e cultivo pelas atletas portuguesas e mudou bastante a forma como me vejo no desporto e como me relaciono com aqueles que são a primeira essência de qualquer modalidade: o atleta.

A todos eles e elas rendo a minha homenagem, num momento em que iremos voltar ao mesmo país para competir em mais uma Divisão A e para uma vez mais recordar a estas doze heroínas, que cumprimos a nossa promessa de então: “Haveríamos de voltar à Divisão A e desta vez para ficar”. E assim tem sido desde 2015.

por EUGÉNIO RODRIGUES

Autor

Eugénio Rodrigues

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