A época regular terminou e as qualificações para os playoffs na Conferência Este já subverteram muitas apostas.
O favoritismo estava do lado da equipa da casa. Resultado da combinação de uma equipa e treinador com provas dadas e num momento crescente contra uma época mediana dos Hawks, em todo o sentido da palavra. No entanto, com um lugar garantido nos playoffs em disputa, a equipa de Atlanta esteve em liderança durante o jogo inteiro e os Heat pereceram por vezes até mentalmente incapazes de ripostar.
Mas vamos ver como se desenrolou o primeiro jogo do Play-In da época 2022-23.
1.ª parte
Pode parecer contraintuitivo mas, apesar de o resultado não o demonstrar, o processo de Miami quando inicia o jogo era muito eficaz a conter as oportunidades do adversário às que a defesa estaria disposta a ceder.
Os Hawks começam com um típico post-up para o De’Andre Hunter, mas Tyler Herro faz um óptimo trabalho a negar o passe e inclusive a posse termina numa perda de bola de Atlanta quando Bam Adebayo intercepta o passe de longa distância de Trae Young.
E a equipa de Quin Snyder abre o jogo a falhar os primeiros 4 lançamentos mas o problema para os Heat estava do outro lado do campo. Colocar o Trae Young em situações comprometedoras era o curso natural mas permitiu evidenciar uma das tendências novas na era de Snyder: Trae estava intencionalmente a marcar Tyler Herro e, também devido à ajuda dos restantes membros dos Hawks, até criou dificuldades a criar separação para o lançamento (e Young também conseguiu um roubo de bola neste papel).
Ficou evidente que não há nem shooting suficiente e que Bam estava muito pouco envolvido na criação de jogo. Coube assim a Butler ser a “bóia salva-vidas” e demonstrou a agressividade necessária desde cedo. Vemos aqui um small-small screen que força uma hesitação de John Collins, que de resto quando a lidar com Butler no um-para-um esteve muito à altura:
Butler no entanto falharia a finalização perto do cesto, o que viria a ser um tema da prestação do extremo dos Heat. Só quando Lowry entra em campo é que vemos a primeira concretização da equipa que não vem das mãos de Butler ou em transição ofensiva.
Entretanto, os Hawks não conseguiam uma grande quantidade de pontos mas ia arrancando o suficiente para uma pequena vantagem a abrir a noite. Se Murray via os defesas a irem pelo interior das suas acções de bloqueio directo, Trae Young está a ser ver o triplo negado e a ser direcionado para o interior onde ajuda agressiva no nail procura forçar o passe – e foi das aberturas geradas por essa ajuda que surgiram um par de triplos.
Max Struss e Tyler Herro eram alvos fáceis de ataques com o drible e acumularam 4 faltas entre os dois em pouco mais de 5 minutos.
No entanto, como disse, a entrada defensiva dos Heat daria a entender que uma mudança na sorte de lançamento poderia ser o suficiente para a normalização do jogo. O estado era tal que Dejounte Murray teve um triplo com um enorme arco e altamente contestado a entrar com a maior das naturalidades enquanto Gabe Vincent responde com um triplo que atinge a estrutura lateral da tabela. Mas tudo iria de mal a pior à medida que o banco ia começando a esvaziar…
Outra característica desta nova versão dos Hawks é o tamanho que apresentam em cada posição. Devido à aquisição de Saddiq Bey e à confiança que Jalen Johnson adquiriu com este novo treinador, quando Young não está em campo Atlanta é incrivelmente disruptiva quando no seu meio-campo defensivo. Já era algo que tinha tomado nota no jogo contra os Cavaliers no fim do mês passado, mas grupos com combinações de Murray, Hunter, Bey, Johnson, Collins e um de Capela e Okongwu são capazes de sufocar adversários. Snyder consegue assim evitar em momento algum jogar Young, Murray e Bogdanovic ao mesmo tempo.
E do lado de Miami, uma das primeiras opções vindas do banco para além de Lowry é Kevin Love, cujo as deficiências defensivas obrigam a alterar o esquema defensivo. Imediatamente após a primeira tentativa de blitzing de um bloqueio directo, a falta de tamanho de Kyle Lowry revela-se um problema:
Erik Spoelstra muda para uma defesa à zona mas um recém-entrado Jalen Johnson estragaria-lhe rapidamente os planos: Primeiro com um ataque pela linha de fundo em que não se mostrou minimamente interessado na “resistência” de Love no seu caminho; Depois com o ataque rápido após mais um passe de Young a reagir à forte ajuda por parte da defesa de perímetro.
Não para dizer que a presença de Kevin Love não teve momentos de produtividade: Ele é capaz de castigar adversários mais pequenos que fiquem presos com ele no interior e foi o medo de ele repetir essa mesma operação que leva Okongwu a hesitar, por sua vez levando a um triplo fácil para Vincent.
Os Hawks tinham mais movimento de bola e mais sorte nos lançamentos. Miami estava ainda mais sem solução agora que Tyler Herro estava a iniciar as jogadas contra a ultra-comprida segunda unidade de Atlanta, um papel para o qual o jovem lançador está profundamente sub-qualificado. Foi mais uma vez com o objetivo de castigar Lowry no interior que os Hawks desenham a jogada que abre o segundo período, no qual a troca favorável ao ataque surge de um bloqueio na linha de lance-livre:
Ao mesmo tempo demonstraram total despreocupação com Caleb Martin ou Victor Oladipo, a quem foi gloriosamente dado todo o espaço possível sem estes nunca castigarem a defesa por isso. Oladipo teve uma péssima prestação no global e não sei se não ter regressado para a segunda parte passou apenas por opção técnica ou se porque Lowry cometeu actos de violência no balneário:
No desespero da procura de opções viáveis por parte de Spoelstra surge também Cody Zeller. Capela pareceu não notar sequer a sua presença ao capturar mais um ressalto ofensivo e ao abafar Jimmy Butler, apesar do suposto “selo” do poste dos Heat.
Só o regresso de Adebayo leva esta equipa a novamente apresentar grandes momentos defensivos, exclusivamente devido ao brilhantismo de um dos melhores defensores do mundo.
Com os seus principais jogadores a falharem à beira do cesto e lançando 4-16 de triplos, Miami chega ao intervalo a lançar 37.8% e a perder por 15 pontos. Herro tinha um plus-minus de -18 com 3 faltas e 3 turnovers. Tudo o que não seja uma jogada controlada por Butler ou Lowry foi um total desastre e o Kyle em particular chegar aos 19 pontos antes do intervalo foi o que mitigou uma situação vergonhosa a decorrer na American Airlines Arena. (Kaseya Center não pegou comigo ainda, desculpem. Mas é um upgrade de FTX.)
2.ª parte
Os paralelismos com o início do jogo agora que os lineups regressam ao seu estado inicial são claros, mas desta vez Herro consegue frutos das vantagens do seu confronto com Trae Young e marca os primeiros 3 cestos para a sua equipa. Com a mesma abordagem defensiva, este sucesso ofensivo já é o suficiente para criar um ciclo de feedback que faz tudo parecer completamente diferente do que ocorreu no primeiro período. Acções que utilizam mais movimento fora da bola também ajudam a cortar o défice, seja por mais uma vez envolver Trae Young ou porque Bey perde completamente o homem que devia estar a marcar:
O jogo entraria numa fase de alguma estabilidade à medida que as substituições retomam para cada lado. Mas se já tínhamos visto momentos no qual os ressaltos ofensivos alimentavam Trae e companhia, vinha aí uma completa avalanche de segundas oportunidades… Foi em parte graças a estas que Atlanta conseguiu manter alguma distância de segurança:
Na última jogada do terceiro período, Jalen Johnson, que tinha sido a vítima de alguns ataques por parte de Butler (com resultados inconsistentes), fez um óptimo trabalho a negar o passe e a criar um mal-entendimento entre Butler e Tyler Herro. Johnson tem um óptimo momento em transição vindo dessa mesma recuperação de bola, no qual conecta com um lob directo para as mãos de Clint Capela:
Antes de abrir o último período com mais um ressalto ofensivo e afundanço, desta vez do próprio jovem jogador de segundo ano:
Vai continuando a ser Kyle Lowry a manter a sua equipa viva no jogo. Vários triplos a partir do drible, excelente navegação de bloqueio directo e alguns cestos em momentos cruciais para controlar potenciais descalabros na tendência de jogo:
Já com 27 pontos marcados, coloca os Heat a apenas 6 pontos de distância. Seria o mais próximo que viriam a estar de nivelar o resultado, pois o regresso de Capela ao campo representa o início do fim. Completamente indominável nos ressalto, a defesa de Miami nem reage ao corte para o cesto de Bogdanovic:
Os últimos minutos competitivos do jogo seriam marcados por um conjunto de jogadas disputadas que terminaram sempre a favorecer os visitantes: Um ressalto longo de forma fortuita resulta num triplo de Murray, uma bola faz ricochete em vários defesas para terminar directamente nas mãos de Capela isolado debaixo do cesto e John Collins junta-se à festa de ressaltos ofensivos com um passe picado perfeito para Saddiq Bey:
Já foi uma vez em demasia na minha opinião e seria de pensar que, após tantos ressaltos ofensivos que beneficiam especificamente os jogadores que ele está a marcar, Herro pararia de tentar fugir para a transição após a primeira tentativa de lançamento ou que não ficaria simplesmente a ver a bola no ar.
As consequências de esconder Lowry num canto com responsabilidades de rotação continuam a revelar-se: Apesar de Capela não ser o tipo de jogador que vai aproveitar essa vantagem para atacar o cesto, coloca-o numa situação ideal para conseguir garantir mais uma posse de bola para a sua equipa e mais tempo fora do relógio para os adversários:
Após mais um falhanço de Butler na área restritiva, Capela termina a sua noite com um desvio de bola para mais uns pontos de segunda chance dos Hawks, neste caso para Collins afundar sem oposição.
A liderança de 12 pontos com pouco mais de 90 segundos de jogo foi o suficiente para garantir a entrada dos Hawks nos playoffs que fizeram uma incrível prestação de equipa – 7 dos 9 jogadores que participaram no jogo terminaram com 10 ou mais pontos. No seu pouco tempo à frente da equipa Quin Snyder empoderou jogadores de cima a baixo no plantel com mais movimento de bola e estes responderam com uma demonstração de esforço e de poderio físico que largamente ultrapassou a dos seus oponentes. Apenas na segunda parte, foram 14 ressaltos ofensivos de Atlanta contra 4 dos Heat! Os Hawks chegam ao intervalo com 5 pontos de segunda chance e terminam com 26!
Capela foi um absoluto gigante contra uma equipa de Miami que não parece saber o que fazer com o seu frontcourt quando Bam Adebayo está no banco. Termina com 21 ressaltos (dos quais 8 ofensivos) e fazendo a sua parte para intimidar várias finalizações à volta do cesto.
Da parte dos Heat, fica o elogio a Kyle Lowry. Ainda que castigado por vezes na defesa por coisas que ele não podia controlar, terminou o jogo com 33 pontos em apenas 16 tentativas de campo e 5 lances livres (6 em 9 da região três pontos), 5 assistências e nenhuma perda de bola.
Miami parece não possuir talento suficiente para uma rotação digna de aparição nos playoffs se este jogo pode ser usado como indicação. Para além das questões já referidas dos minutos em que Bam descansa, Oladipo parece não ter qualquer papel a contribuir e tanto Struss (incapaz de conter o drible adversário) como Herro (falta de concentração e disponibilidade defensiva) dão de volta ao adversário mais do que produzem no ataque. É também isto que contribuiu para um ano em que Adebayo está mais tímido nas métricas defensivas: A falta de um contexto defensivo de confiança obriga a ficar mais focado a proteger o interior em vez de dar uso à sua extraordinária versatilidade para defender todas as posições.
Resultados inesperados podem surgir quando uma equipa revela-se melhor que o esperado ou quando um favorito desaponta. Neste caso, vimos um pouco dos dois. Cabe agora aos Hawks ir a Boston enfrentar um dos favoritos no Este numa série completa e Miami tem mais uma chance de não acabar a época com um forte sentimento de amargura. A época mais importante do ano da NBA começou ontem e, felizmente para nós, as surpresas começaram logo também.
Notas extra:
- Lowry conseguiu gerar mais uma falta ofensiva por “charge” neste jogo. Entre point guards, Lowry está no top-5 em charges do adversário por 75 posses de bola e no top 10 em raDTOV (“regularized-adjusted defensive turnovers”).
- Tyler Herro…
- Os flashes defensivos de Okongwu, com o seu atleticismo e timing, são incríveis.
- O Jimmy Butler está na minha hipotética terceira equipa de All-NBA para este ano mas desta vez apenas fez com que eu me sinta menos mal de falhar tantos layups quando jogo à segunda-feira.
por MARTIM PARDAL [@MEmpire25]