As torres, o trovão e 5 triunfos apertados na corrida ao MVP

por jan 20, 2024

Sabem como existem certas coisas que são inerentemente boas mas cujo valor é diminuído porque o discurso à sua volta é insuportável? Coisas como ser-se fã de Nirvana, apreciar andar de bicicleta ou gostar de um bife mesmo no ponto. É assim que me sinto sempre que, como alguém que acompanha a NBA, sou “forçado” a considerar qual é a minha opinião sobre quem deve ganhar o MVP. Mas este ano a corrida está especialmente interessante – e eu sou um tremendo hipócrita que usa piadas no arranque dos seus textos para disfarçar a sua hipocrisia – por isso vamos a isto.

Comecemos com o “campeão em título”: Joel Embiid. Com médias de 35.1 pontos, 11.6 ressaltos e 6.1 assistências – à data da escrita deste artigo, a 19 de Janeiro –, o poste dos 76ers está a conseguir a proeza de jogar ainda melhor que na sua temporada de MVP, com melhores números “brutos” e essencialmente a mesma eficiência. A “transição” de Embiid de Harden para Maxey foi imaculada e o poste tem liderado a equipa para um registo – para já – ainda melhor que o do ano passado. Uma receita perfeita para repetir o prémio, ainda que com alguns entraves notórios, uns mais “justos” que outros. Primeiro, depois de mais uma quebra de performance nos “playoffs”, os votantes podem simplesmente estar determinados a não votar de novo em Embiid. Depois, temos a questão do número de jogos jogados. Em 39 jogos possíveis, Embiid jogou 29. Mantendo este “ritmo”, chegaria ao final da temporada com 61 disputados, 4 abaixo do mínimo para se poder conquistar o prémio. E, por fim, temos a questão da existência de um certo outro jogador.

Sinto que este parágrafo vai ser relativamente curto porque não há muito mais que eu possa acrescentar sobre Jokic que não tenha sido já escrito em abundância. É o melhor passador que já se viu na posição de poste e, francamente, um dos melhores de sempre em qualquer posição. Cimentou o seu estatuto o ano passado com o título e o troféu de Finals MVP. Numa comparação direta com Embiid, os argumentos são muito aproximados. Embiid é melhor como marcador, Jokic é superior no passe. Embiid é melhor defensor, mas Jokic é absurdamente eficiente no ataque, tanto a marcar como a elevar os seus colegas. Os registos de vitórias e derrotas são muito semelhantes. Assim sendo, em última instância, o melhor argumento a favor de Jokic acaba por ser muito simples: o sérvio é, simplesmente, o melhor jogador em toda a liga.

Mas o que torna esta corrida mais interessante este ano é que não é apenas uma reedição do mesmo debate que se tem tido nos últimos anos. Temos um novo candidato. Assim sendo, chega-te à frente, Shai Gilgeous-Alexander. O argumento a favor de Shai é apetitoso. É um jogador “à antiga”, um base que não depende do triplo para marcar mas usa a sua habilidade de drible e mudança de ritmo para manter uma enorme eficiência. Simultaneamente espetacular e discreto, capaz tanto do “rasgo” como de fazer a jogada certa no momento certo. E, como se não bastasse, é também um defensor de elite. Dito isso, a “candidatura” de Shai ao prémio precisa de uma coisa para se cimentar: os Thunder teriam de terminar com o melhor registo em toda a NBA. O que, por estranho que possa parecer, não é, de todo, impossível.

Ainda falta quase metade da temporada para estas decisões terem de ser tomadas, mas as sementes para um debate interessante estão, pelo menos, lançadas. É bom ver tanto talento na liga ao mesmo tempo – notem que só agora menciono nomes como Giannis Antetokounmpo, Luka Doncic, Tyrese Haliburton ou Jayson Tatum – e eu só desejo que este ano o debate não se torne tão tóxico como noutros. E com esta nota vos deixo, antes que me tentem obrigar a fazer uma escolha, porque eu prezo a paz nas minhas “mentions”. (*)

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2004-2005 – A birra eterna de Shaquille O’Neal

Ainda hoje, o Shaquille O’Neal  não se cala sobre como este MVP lhe foi “roubado”. Mas terá sido mesmo? Steve Nash teve 65 votos de 1º lugar, Shaq ficou-se pelos 58. Ambos tinham narrativas muito semelhantes. Ambos tinham chegado a novas equipas (Suns e Heat, respetivamente) e lideraram as ditas ao topo das suas conferências. Ambos o fizeram com números muito bons mas não necessariamente estrondosos. Mas os Suns tiveram mais 3 vitórias que os Heat e o “Seven Seconds or Less” ainda hoje me coloca um sorriso na cara. E o Steve Nash foi o motor dessa revolução tática. Esta vitória teve zero controvérsia na altura. E ainda hoje irrita o Shaq, que se tornou um “bully” insuportável com a idade. Bónus.

2001-2002 – O triunfo do voto racional… por pouco

Numa era em que a análise objetiva e racional tem cada mais voz nas discussões sobre a NBA, Duncan é colocado, sem grandes espinhas, no Top 10 dos melhores de sempre. Como deve ser. Mas é importante não esquecer o quão pouco amado ele era pelos fãs, e até pelos media, mesmo no auge dos seus poderes. Timmy levou dois MVPs de seguida, em 2002 e 2003, mas sempre em votações apertadas. Em 2002, Duncan teve 57 votos de 1º lugar, para 45 de Jason Kidd. Em 2003, teve 60 votos de 1º lugar, para 43 de Kevin Garnett. Tim Duncan era, de longe, o melhor jogador da liga, mas, mesmo quando era coroado, era a contragosto. Porque Duncan e os Spurs eram excelentes, dominadores e quase totalmente desprovidos de espetáculo.

1996-1997 – Porque é uma seca votar sempre no mesmo

Um ano depois de terem quebrado o recorde de vitórias numa temporada, com 72 – que mais viria mais tarde a ser superado pelos Warriors de Curry e Durant – os Chicago Bulls ficaram-se pelo patético registo de 69 vitórias. Como é que conseguiram viver com eles mesmos? Não obstante terem ficado com o melhor registo na NBA – e Michael Jordan ter continuado a ser claramente o melhor jogador em toda a liga – o MVP acabou por ir para Karl Malone. Sim, os Utah Jazz terminaram com um registo nada desagradável de 64-18. Sim, Malone esteve muito bem também, com médias de 27 pontos e 10 ressaltos. Mas vamos ser sinceros, o Malone só ganhou (63 para 52 votos) porque as pessoas se fartaram de votar no mesmo gajo.

1975-1976 – Coitado do Bob McAdoo

Depois de um primeiro ano na NBA comparativamente modesto, Bob McAdoo explodiu na segunda temporada para médias de 30.6 pontos e 15.1 ressaltos. Ficou em segundo na corrida ao MVP, com 60 votos para primeiro lugar. Perdeu para Kareem Abdul-Jabbar, que acumulou 74. No ano seguinte, McAdoo lá conseguiu o seu MVP, depois de uma temporada com média de 34.5 pontos. Em 1975-76, no seu quarto ano na NBA, McAdoo voltou a brilhar, recebendo 47 dos votos para primeiro lugar, ficando apenas a 5 do vencedor, que teve 52 votos. Esse vencedor? Kareem Abdul-Jabbar. Bob McAdoo podia ter acumulado 3 MVPs nas suas primeiras 4 temporadas na NBA. Conseguiu um. É estranho ter pena de uma lenda da NBA, mas tenho.

1989-1990 – Caos total e os anticorpos de Sir Charles

Este ano foi simplesmente caótico. De um lado, tivemos Michael Jordan, líder de pontos na NBA e já vencedor de um MVP. Teve 21 votos para primeiro lugar na corrida ao MVP. Do outro, Magic Johnson, que liderou os Lakers ao melhor registo da temporada e tinha ganho o MVP no ano anterior. Teve 27. E depois temos Charles Barkley, que liderou com 38 votos para primeiro lugar, depois de uma excelente temporada como a grande estrela dos 76ers. Mas acabou por perder para Magic Johnson. Como? Porque Magic recebeu mais votos para segundo e terceiro lugar. Charles Barkley era um jogador polarizador – tanto junto dos fãs como dos media. Tinha uma personalidade abrasiva e polémica. Tudo o que Magic não era.

(*) Mas quem deve ganhar é o Jokic. Porque ele é o melhor jogador na liga. Debates complexos têm, por vezes, respostas simples.

Autor

Pedro Quedas

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