Luka e Spida: o que une e separa duas exibições mágicas

por jan 7, 2023

Numa única semana, Luka Dončić e Donovan Mitchell juntaram-se ao clube dos 60 ou mais pontos, com exibições monstruosas frente a New York Knicks e Chicago Bulls, respetivamente. Luka “ficou-se” pelos 60, enquanto Mitchell foi aos 71, em dois jogos mágicos, mas que se vão tornando cada vez mais usuais na NBA. O que levantou de novo a questão: é esta a era mais talentosa da liga? Vamos começar por colocar tudo em contexto.

Olhando para os gráficos, fica claro que o número de jogos com 50 ou mais pontos e 60 ou mais pontos tem vindo a subir nos últimos anos. Tirando aquela anomalia de 2006/2007, e não quero ser a explicar-vos o que é causalidade e correlação, mas foi por essa altura que saiu o hit “Hips Don’t Lie” da Shakira. Deixemos isso de lado. Exceto essa anomalia, o crescimento tem sido quase constante, tal como os números do PACE (número de posses de bola por 48 minutos) médio e o Offensive Rating (pontos por 100 posses de bola) médio da NBA. Há mais posses, há mais lançamentos e, portanto, haverá mais pontos.

Outra questão prende-se com o tipo de lançamentos. Enquanto os lances livres vão descendo, mas minimamente, os triplos lançados e convertidos aumentam exponencialmente, enquanto que os lançamentos de dois pontos descem em tentativas, mas não tanto em conversão, o que nos leva a concluir que aumentaram em qualidade. O talento da liga não terá aumentado no topo, mas sim cá em baixo e na sua média. Hoje, os jogadores são mais capazes ofensivamente, em média, as regras defensivas são mais apertadas e dão mais liberdade aos ataques, facilitando o aparecimento de mais jogos com pontuações “anormais”.

Hesitação

Há vários pontos que ligam a exibição de Luka Dončić à de Donovan Mitchell. A principal, talvez, é a maneira como manipulam defesas. Neste caso, a “simples” hesitação antes do ataque, mantém a defesa atenta e dá a ambos a possibilidade de ler a defesa antes de decidir.

Paragem rápida

Os americanos chamam-lhe stop on a dime, a capacidade para travar e aproveitar a extra-agressividade do defesa para ganhar espaço. Luka Dončić fá-lo mais com a sua ocupação do espaço, devido a uma maior amplitude de movimentos.

Já Donovan Mitchell consegue-o devido a um centro de gravidade baixo e um drible também baixo, o que lhe permite parar mais rápido e manter a bola por perto.

Bloqueio direto

Como portadores de bola principais nas suas equipas (embora Mitchell divida esse papel com Garland, indisponível contra os Bulls), há muita bola e muitas ações de bloqueio direto para ambos. A maneira como o atacam, já difere. Dončić tem muito maior capacidade para aguentar contacto e usa o seu corpo para criar dúvida nos defesas e conquistar a sua posição para o lançamento.

Já Donovan Mitchell depende muito mais da sua explosividade. No jogo contra os Bulls, isso levou a uma defesa mais conservadora da equipa de Chicago e uma maior liberdade para que Mitchell pudesse lançar de fora.

A leitura de jogo de ambos e a tal manipulação da defesa que já referi, leva a diferentes coberturas e que tenham de reagir às mesmas. Colocam o defesa no bloqueio e saem do lado contrário. Dončić a manter o seu defensor perto de si, na sua anca e controlando-o com o corpo.

Já Donovan usa a explosividade e a rapidez no arranque para ganhar espaço e depois, chegada a ajuda, decidir o que fazer.

Capacidade de criação individual

Jogadores desta qualidade têm sempre no seu arsenal, formas de gerar pontos sozinhos. Dončić é capaz de usar ângulos e a agressividade do seu defensor para seu proveito. Mantém sempre o defesa atento, com fintas de corpo e constantes acelerações e desacelerações, sempre utilizando o corpo para saber onde está o jogador que o defende.

Donovan Mitchell é muito mais capaz de usar a sua explosividade e o arranque mais perto do chão, para ganhar logo a vantagem inicial ao seu defesa. Tem também uma capacidade atlética que lhe permite mudar de direção e alterar a posição do seu corpo com facilidade, o que deixa sempre a dúvida na cabeça dos defesas.

Ambos bem capazes de lançar atrás da linha de três pontos, utilizam também essa faceta para colecionar pontos. Luka mantém o seu defesa pronto para defender a penetração e aproveita o seu step back longo para ganhar espaço suficiente para o lançamento.

Donovan Mitchell obriga o seu defesa a dar mais espaço pelo perigo do arranque e é isso que lhe garante espaço suficiente, seja após mudanças de direção com o drible, seja com chegadas ao ataque e pull ups antes da chegada dos oponentes.

Finalização interior

Usando o seu corpo para proteger a bola, Luka chega perto do cesto e usa constantemente fintas de corpo e de lançamento para aferir o que o seu defesa vai fazer. Muitas vezes, há simplesmente uma agressividade extra e Dončić espera pelo contacto para conseguir a falta.

A altura de Mitchell, mesmo com a sua incrível capacidade vertical, não lhe permite finalizar tão facilmente perto do cesto. Como tal, acaba por ter de recorrer a finalizações à volta dos postes contrários.

A diferença principal

Luka Dončić é muito mais capaz no poste. Com 2,01m e 104kg, como jogador exterior, tem quase sempre a vantagem física e uma excelente capacidade de jogar de costas para o cesto. Usa o corpo para perceber onde está o defesa, foge à ajuda no limite e lança por cima do seu defensor.

Já Donovan Mitchell acaba por ser mais participativo que o esloveno a jogar fora da bola. Tem na sua mais e melhores portadores de bola, o que lhe permite vir de fora da bola, a partir de bloqueios, normalmente para atirar.

O que os une

Ambos com um jogo de 60 ou mais pontos, ambos em prolongamento e ambos a forçarem esse mesmo prolongamento após um ressalto ofensivo, partindo de um lance-livre falhado.

Foram duas exibições de sonho de dois dos mais talentosos jogadores ofensivos em toda a associação. Vários pontos que unem ambas as exibições, mesmo que muitos deles tenham processos e caminhos distintos para lá chegar. A NBA segue numa direção que abre espaço a que jogos destes aconteçam mais vezes. Ainda antes de termos chegado a meio da temporada, já contamos dois jogos com um jogador a terminar com 60 ou mais pontos. Nos últimos 20 anos, apenas por duas vezes tivemos mais jogos com essa marca e, como disse, esta época ainda está longe de terminar. Portanto habituem-se, porque estas marcas vieram para ficar.

por ANTÓNIO DIAS [@antoniodias_pt]

Autor

António Dias

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