A NBA e a NBPA, a entidade que gere os direitos dos jogadores da liga, chegaram a acordo para um novo CBA, ou como se diz aqui no burgo, um novo Acordo Coletivo de Trabalho.
Noutras áreas de atividade, este tipo de documentos são, por norma, usados para consulta de advogados em disputas laborais (e pouco mais) mas, no caso da NBA, reveste-se de outro tipo de interesse porque gere toda atividade e operação da liga pela qual somos todos apaixonados.
(Sim, inclusive tu que estás a ler isto por recomendação pelo teu primo que é doido pela NBA e pelo LeBron James)
E este novo CBA é ainda mais abrangente porque inclui alterações que vão criar impacto em salários de jogadores e/ou construção de rosters, como de costume, mas também alterações que vão criar novas competições e mesmo ter impacto nos prémios anuais dos jogadores.
E como sou alguém que sempre quis perceber como as coisas funcionam na NBA, esta faceta da indústria sempre me apaixonou tanto como o próprio jogo dentro de campo. E nesse sentido, trago-vos algumas notas minhas do que vai mudar e de como acho que pode impactar a forma como vemos a NBA e a sua atividade. Mais, como sou um “nerd” destas coisas, trago-vos não um, mas dois textos sobre o assunto.
(Prometo que não vou terminar este texto com um proverbial “não percam o próximo texto porque nós também não”).
Primeiro, o novo CBA vai, em princípio, entrar em vigor no início do novo “ano” da NBA, a 1 de Julho de 2023, e vai ter uma duração de sete épocas (a NBA e a NBPA têm opção de rescindir contrato um ano antes), pelo que teremos estabilidade institucional na NBA praticamente até ao final da década (não teremos novos “loucos anos 20”, pelo menos não na NBA).
De notar ainda que se espera que haja algumas questões que poderão ser introduzidas ao longo do tempo, mas que ainda não se sabe tudo sobre o texto oficial do acordo, pelo que baseio as minhas notas sobre o assunto no que é conhecido até agora nos habituais Wojs e Shams desta vida.
São vários os temas que foram sendo falados nos media que poderiam ser alvo de alterações e alguns deles ficaram mesmo na gaveta. O “mais falado” nos últimos anos era uma alteração na regra do one-and-done para a entrada de jogadores na NBA.
Neste momento, um atleta apenas pode declarar-se ao draft da NBA um ano após o seu último ano de secundário. Especulou-se que este CBA poderia excluir essa regra, voltando os jogadores a poder entrar na liga diretamente do liceu, como foram os casos de LeBron James, Kevin Garnett ou… eh… Kendrick Perkins. No entanto, pelo que foi reportado, aparentemente nenhum dos lado queria (quer) mesmo que isso acontecesse. Do lado dos donos das equipas, isto significaria maior investimento em scouting, porque iria aumentar em milhares de pavilhões, o espetro de recrutamento de um draft. E tudo para a entrada na liga de jogadores mais jovens, a esmagadora maioria das vezes menos preparados. Um bust no momento errado pode levar um franchise para baixo durante vários anos e a entrada de jogadores mais jovens aumenta a possibilidade de isso acontecer com uma escolha errada ou prematura.
Da parte da NBPA, esta é uma associação que representa os atuais jogadores da NBA. Ora, a possibilidade dos jogadores entrarem mais cedo na liga iria, em princípio, reduzir as oportunidades de emprego aos jogadores atuais da liga em detrimento de jogadores que são, no máximo, futuros membros da associação.
Outro assunto que tem sido abundantemente falado é a expansão da NBA. Um eventual regresso de um franchise a Seattle e quiçá uma equipa em Las Vegas. Muito discutido mas aparentemente será algo que ficará para um futuro CBA.
Mas chega de falar do que poderia ser mudado e vamos falar do que efetivamente alvo de alteração:
NBA introduz Taça da Liga
Uma nova competição na NBA é algo que Adam Silver já tinha explorado publicamente, usando como exemplo o futebol, nomeadamente as taças dos países ou as competições europeias. A possibilidade de ver as equipas da NBA a competir, na mesma época, por mais do que apenas o troféu Larry O’Brien. E aparentemente essa “nova competição” pode surgir já na época 2023/2024. Chamei-lhe de Taça da Liga porque acho que, tal como essa competição do erário futebolístico nacional, este in-season tournament recolherá, pelo menos numa fase inicial, pouco interesse por parte dos jogadores. Acredito que com o tempo e os incentivos certos, isso poderá mudar mas, para já, ninguém vai andar a priorizar esta Taça da Carica à Uncle Sam.
O novo torneio de meio de época ainda não tem uma organização 100% definida mas, do que se sabe, o que acho que permite de forma relativamente tranquila a adição de uma nova competição é o facto de que apenas um único jogo será adicionado ao calendário normal das equipas numa época regular.
Como é que funciona então? Ora bem, as equipas, no início da época vão disputar os jogos normais de uma época mas alguns desse jogos vão ter o resultado a contar, ao mesmo tempo, para a época regular e para o torneio de meio de época. Haverá uma fase de grupos em que 8 equipas serão apuradas para a fase a eliminar e uma Final Four a ser disputada em terreno neutro, provavelmente em dezembro. Reforço que todos os jogos contarão como jogos da época regular EXCETO o jogo da final, que será o 83.º jogo da época regular das duas equipas que chegarem ao referido jogo decisivo.
Ora bem, sendo que são jogos da época regular, garante pelo menos o mesmo interesse das equipas e dos jogadores nesses mesmos jogos, algo que desconfio que não fosse acontecer caso fossem jogos que iriam ser adicionados ao calendário (aí deviam mudar o nome da competição para a Load Management Cup ou G-Leaguers Trophy). Para adicionar um pouco de sal ao interesse dos jogadores, a NBA parece que disponibilizará meio milhão de dólares de prémio a cada um dos jogadores da equipa que vencer a competição. Não será algo que fará Steph Curry correr mais rápido, porque vai ganhar mais de 96 vezes isso este ano, mas será certamente um bónus engraçado para atletas que ganham o mínimo ou perto disso.
Em suma, acho que é uma cena gira que de início vai gerar pouca excitação, mas que o potencial está ali para se poder experimentar e fazer crescer.
Veredito – 👍
Licenciamento do nome da NBA passa a fazer parte do BRI
O dinheiro que é gerado pela NBA é distribuído pelos donos dos franchises e pelos jogadores, mediante um conjunto de regras. A divisão do dinheiro entre donos e jogadores é feita através de uma percentagem pré-definida do BRI (Basketball Related Income), que são as receitas geradas pela operação da NBA que fazem parte do bolo a dividir. Mas nem todas as receitas estão no BRI. A novidade neste CBA em relação a isto é que, desde o primeiro CBA na forma como o conhecemos hoje em dia (há cerca de 40 anos), os direitos de imagem e licenciamento do nome da NBA vão ser incluídos no BRI. O valor esperado para 23/24 só nesta fonte de rendimento ascende a mais de 150M de dólares. Tendo em conta que os jogadores recebem cerca de metade, são pelo menos mais 75M este ano para os jogadores (as contas não são assim tão simples, mas se dividirem o valor por 30 franchises, trata-se de um aumento de 2,5M de dólares no salary cap só à conta disto). Mudança positiva para os jogadores.
Cannabis deixa de ser controlado na liga
Se achas que é injusto, na luta pelo MVP, que o Jokic pode fumar uns cacetes e o Embiid não, então tenho boas notícias para ti. Neste novo CBA, o uso de cannabis deixar de ser proibido/controlado. A substância foi retirada do programa de substâncias ilícitas da Liga. Imagino que isso seja a realização de que, como em 21 estados americanos o uso recreativo da substância é permitido e em 38 é autorizado o uso para fins medicinais, a proibição e o controle do seu uso era algo “injusto” e sem sentido.
Veredito – 👍
Mais um Two-Way
Depois de alguns casos de sucesso do contrato Two-Way, uma criação do CBA de 2017, que permitia aos franchises adicionar ao seu roster dois jogadores num contrato híbrido onde o salário do jogador era pago mediante o tempo que passava na equipa principal ou no afiliado da G-League (apesar de que a pandemia mudou isso), o novo CBA prevê a adição de mais uma vaga para jogadores neste tipo de contratos. Os franchises aumentam a possibilidade de tentar desenvolver jogadores jovens nas suas fileiras sem lhes pagar, desde o início, um contrato inteiro de jogador da NBA. Os jogadores que ainda não conseguiram “chegar lá”, vêm no Two-Way uma possibilidade de seguir as pisadas de Alex Caruso, Lu Dort ou Austin Reaves e provar que merecem um lugar na liga e um salário a condizer.
Veredito – 👍
Cap smoothing
Lembra-se do Great Cap Spike de 2016? Lembram-se dos Blazers darem 150M ao Allen Crabbe e ao Evan Turner por quatro anos de contrato? E dos 136M que os Lakers usaram para quatro anos de Luol Deng e do Timofey Mozgov? Certamente não se esqueceram dos 95M gastos pelos Grizzlies por quatro anos de enfermaria do Chandler Parsons. Ah, os bons velhos tempos.
Ora bem, voltando atrás, esse foi o ano em que entrou em vigor o novo contrato de cedência dos direitos televisivos fazendo o cap subir de 70M para cerca de 94M. A NBA propôs que existisse uma transição suave que dividisse o aumento do cap por mais anos mas a liga e a NBPA não tinha a relação que têm hoje e a desconfiança fez com que o acordo não fosse aceite. Como acontece sempre com este tipo de decisões macro, o bater de asas da borboleta levou a que vários jogadores, que tiveram a sorte de ser free agents nesse ano específico, tivessem recebido salários muito acima do seu valor de mercado e que, depois do cap space gasto, deixou muito pouco para os jogadores que foram free agents nos anos subsequentes. Outra pequena coisita sem importância, que aconteceu devido a este aumento do cap súbito? Uns tais de Golden State Warriors, que tinham ganho 2 dos 3 anéis anteriores, conseguiram ter cap space suficiente para juntar um tal de Kevin Durant ao seu já fraquito roster.
Depois desta viagem pela memory lane, congratulo a Liga e a NBPA por, desta vez, chegarem a acordo para transições de cap suaves, até 10% do cap. Não se sabe ainda como se processará o restante do dinheiro que será devido ao evitar um aumento súbito no cap, mas isto é uma medida bem-vinda que beneficiará todos os jogadores ao longo do tempo e não só alguns que sejam free agents no “ano certo”. Esta medida será muito importante em 2025, onde haverá novamente um novo acordo de cedência dos direitos de transmissão televisiva, o que poderá gerar um entrada repentina de dinheiro na liga, tal como em 2016.
Veredito – 👍
Draft Combine com exames médicos obrigatórios
Até agora, um jogador que ia ao Draft Combine podia basicamente fazer apenas o que quisesse. E muitos não faziam exames médicos, nem testes. Sobretudo aqueles no topo do draft que geralmente aproveitavam o Combine para fazer algumas medições e levar a cabo entrevistas com as equipas que quisessem.
Para dar mais informações a quem drafta, a NBA e a NBPA acordaram que, quem for ao Combine, tem de fazer exames médicos e esses exames serão partilhados com as equipas com picks na vizinhança de onde o jogador é projetado ser draftado.
Não sei se isto vai ajudar a dar mais informações às equipas, pois creio que isto vai fazer com que menos jogadores vão ao Combine, sobretudo os mais notáveis, que irão controlar a informação e fazer as entrevistas que quiserem fora do Combine.
Eu sou sincero. Eu acho que devia ser obrigatório a qualquer jogador que se quisesse declarar para o draft, fazer uma bateria completa de exercícios e exames médicos e essa informação devia ser partilhada por todos os franchises. Eu percebo que, do lado do jogador e do seu agente, o controlo de informação e navegação do seu eventual futuro seja uma prioridade, mas são eles que se estão ao candidatar à liga e a liga é una, não um conjunto de clubes como o desporto organizado na Europa. Eu percebo ainda que isto é uma tentativa de aumentar a informação disponível, mas creio que não terá o efeito desejado e se tivesse, mesmo assim acharia pouco.
Veredito – 👎
Exceptions passam a atuar como trade exceptions
Esta é uma medida que servirá para dar power ao mercado de trocas. Até este momento, as exceções com que as equipas podiam assinar jogadores, a room exception para equipas a operar com cap space e a Mid-Level Exception ou a Biannual Exception para equipas a operar acima do salary cap, apenas podiam ser usadas em free agents. Ora, com o novo CBA, os franchises poderão usar essas mesmas exceptions para assinar free agents ou como trade exceptions e adquirir com elas jogadores de outras equipas. Essas exceções (ou parte delas) acabavam por vezes sem ser utilizadas e assim existe mais uma avenida para ser explorada pelos front offices mais criativos na construção dos seus rosters.
Veredito – 👍
Vou interromper por aqui esta minha dissertação sobre o novo CBA da NBA porque até eu sei que há limites para a quantidade de “nerdice” que pode ser consumida semanalmente e ainda tenho outros tantos (ou mais, lol) pontos para vos falar.
Por isso, não percam o próximo texto porque nós…
…também não.
(Sim, eu sei. Foi só porque posso)
por JOÃO COSTA [@JoaoPGCosta]