Há um português no melhor campeonato de basquetebol da Europa, a liga ACB. Tomás Freitas é Coordenador de Preparação Física do UCAM Club de Baloncesto e conta-nos, na primeira pessoa, o trabalho que realiza diariamente com jogadores de diferentes categorias e níveis competitivos, desde atletas internacionais em escalões de formação, EBA e – claro! – da ACB. Neste texto, o Tomás explica como está organizada a estrutura da «cantera», para que se perceba o papel importante que tem a preparação física no clube. Depois, é dissecado o modelo de desenvolvimento a longo prazo que está implementado no clube e as categorias em que o trabalho de preparação física é organizado. Por fim, fala ainda do “Grupo Talento” do clube, que é o conjunto de atletas com maior potencial e que têm um trabalho especifico e individual, segundo as suas necessidades.
Estrutura e Projecto da Cantera do Clube
Ainda longe de poder competir por títulos de formação com as grandes potências do basquetebol em Espanha (Real Madrid, Unicaja, Barcelona, Estudiantes, Joventud, Baskonia, Valencia…), o UCAM Club de Baloncesto (Universidad Católica de Murcia) tem bem definido o objectivo para as suas equipas de cantera: formar jogadores para alimentar a equipa EBA (formação universitária) e a equipa principal da Liga Endesa. Para jogar a nível ACB (a segunda liga mais forte do mundo) não é suficiente que um atleta seja excepcional “apenas” na componente técnica e táctica do basquetebol. As exigências da competição “obrigam” a que o atleta tenha de ser também excepcional na componente física para conseguir aguentar a intensidade a que se joga em Espanha (para garantir um alto rendimento em campo mas também para minimizar o risco de que se lesione). Com isto bem presente e para concretizar objectivo de formar jogadores capazes de jogar a nível profissional, criámos, há dois anos, uma área dentro da estrutura da cantera dedicada exclusivamente à preparação física, da qual sou responsável. Pode dizer-se, então, que o projecto do UCAM para as equipas de formação está pensado para o desenvolvimento individual dos atletas desde mini até sénior nas suas vertentes técnica, táctica, mas também física.
Preparação Física: Modelo de desenvolvimento a longo prazo
Quando fui abordado há dois anos para colaborar com o clube no desenvolvimento da parte da preparação física, o primeiro passo foi o definir um modelo de desenvolvimento a longo prazo. O modelo de desenvolvimento atlético a longo prazo que aplicamos actualmente no clube baseia-se em modelos apresentados na literatura científica. Este tem por base um desenvolvimento holístico do atleta e parte do princípio que todas as capacidades físicas devem ser trabalhadas em todos os escalões etários, com conteúdos e exercícios devidamente adequados à idade e estado de maturação dos jogadores. Quero com isto dizer que em todos os escalões trabalhamos as diversas capacidades físicas (desenvolvimento da força, potencia, velocidade, agilidade, coordenação, etc). No entanto, a forma de trabalhar a força em atletas infantis é obviamente distinta da forma de a trabalhar na equipa de juniores. Este é o conceito base que rege todo o trabalho. De modo a operacionalizar e aplicar os princípios gerais do nosso modelo de desenvolvimento a longo prazo, definimos quatro categorias principais nas quais se organiza a planificação do trabalho físico (nota: as categorias são comuns a todos os escalões):
1. Qualidade/Técnica de movimento (saber mover-se): aqui incluímos a técnica de corrida, técnica de salto e de aterragem, técnica de mudança de direcção, desaceleração. Segundo o escalão, trabalhamos movimentos mais gerais (padrões motores básicos fundamentais) ou mais específicos (basketball-specific) que visem desenvolver um controlo e domínio de todo o corpo: cintura escapular, tronco, anca, joelhos e tornozelos em distintos tipos de acções. Procuramos que os atletas sejam mais eficientes na sua forma de mover-se com vista a uma melhora do rendimento e prevenção de lesões.
2. Força e potência. Este trabalho é realizado em TODOS os escalões uma vez que consideramos a força a capacidade física base para garantir um alto nível de rendimento e uma maior “durabilidade” dos jogadores. O trabalho de força/potência é o mais individualizado possível, com várias propostas e progressões de exercícios. A selecção dos exercícios e métodos de treino depende do nível de força e técnica de execução de cada atleta. No trabalho com jovens, definimos como critério para a progressão de exercício/carga a qualidade técnica de execução. Se não domina a técnica, não aumentamos volume nem intensidade/carga.
3. Velocidade, agilidade e coordenação. Aqui trabalhamos essencialmente a coordenação geral, coordenação óculo-manual, velocidade de reacção, velocidade de deslocamento, velocidade da tomada de decisão. Damos muita importância também a todos os conceitos relacionados com a capacidade de aceleração, desaceleração e re-aceleração.
4. Prevenção de lesões. Aqui desenvolvemos a propriocepção, higiene postural, exercícios correctivos/auxiliares e trabalho de core. No trabalho preventivo damos especial atenção à correcção do valgismo de joelhos e ao trabalho da dorsiflexão do tornozelo. Realizamos também bastante trabalho excêntrico.
Controlo e avaliação dos jogadores
Ao longo da temporada temos três momentos determinados para avaliação e controlo do rendimento/evolução de todos os jogadores da cantera: (1) final da pré-temporada (Setembro-Outubro), (2) metade da temporada (Fevereiro) e (3) final da temporada (Junho). Estas avaliações são obrigatórias e as datas definidas no início da temporada (nenhuma equipa treina nos dias de avaliação – os atletas estão “reservados” para as provas físicas). Para além de pesar, medir e determinar a envergadura, realizamos quatro provas: aceleração de 10m, T-.Test de mudança de direcção, salto horizontal e salto vertical. Depois de cada avaliação, o Director de Cantera e todos os treinadores recebem um relatório geral da sua equipa e outro individualizado para cada um dos seus atletas. Para estas avaliações contamos com as infraestruturas e material do Centro de Investigação em Alto Rendimento da UCAM (no qual trabalho e desenvolvo os meus estudos de doutoramento).
Jogadores com potencial/projecção – Grupo Talento
No clube temos sinalizados cerca de 20 jogadores que consideramos ter maior talento/potencial/projecção (Grupo Talento). São jogadores que, a partir de uma avaliação detalhada das suas capacidades técnicas, tácticas e físicas por parte do Coordenador de Cantera e do Coordenador de Preparação Física, são seleccionados para seguir um plano de trabalho individualizado e especifico para prepará-los para a exigência de jogar a nível profissional no futuro. Há atletas que têm sessões extra de técnica individual; outros têm sessões extra de trabalho de ginásio ou preparação física no pavilhão; outros têm treinos extra com a equipa do escalão acima. Em suma, cada um de estes 20 jogadores (o mais novo tem 12 anos e o mais velho tem 20) tem um horário individual de trabalho ajustado às suas necessidades em cada momento da temporada. Muitos deles são de fora da região de Múrcia e vivem numa residência do clube com três tutores. Para a temporada 2018/2019 vamos incluir também um controlo nutricional individualizado para cada jogador do Grupo Talento e umas pautas gerais para os restantes atletas do clube. É importante referir que em condições ideais gostaríamos de poder dar este tipo de acompanhamento aos mais de 300 atletas UCAM CB mas os recursos são limitados e é impossível fazê-lo.
Em resumo, em que consiste o meu trabalho no clube?
– Definir os conteúdos físicos a trabalhar em cada escalão, em cada uma das quatro categorias do modelo de desenvolvimento a largo prazo. O trabalho é semi-estruturado no sentido em que é dada liberdade ao preparador físico de cada equipa para seleccionar exercícios/conteúdos de um leque previamente determinado;
– Definir os conteúdos físicos e o programa de trabalho para cada atleta do Grupo Talento.
– Conduzir sessões individualizadas/grupos reduzidos de preparação física com atletas do Grupo Talento.
– Gerir a carga de trabalho dos atletas do Grupo Talento junto dos preparadores físicos e treinadores dos diferentes escalões onde treinam e jogam (definir que semanas devem descansar mais minutos, que sessões devem realizar, quando devem ou não realizar trabalho físico com a equipa, etc…);
– Preparar, juntamente com os fisioterapeutas do clube, os protocolos de recuperação dos atletas lesionados;
– Organizar/conduzir as sessões de avaliação e controlo de rendimento de toda a cantera;
– Preparar os relatórios colectivos e individuais das provas físicas para o Director de Cantera e para os treinadores cada equipa;
– Comunicar e coordenar com os preparadores físicos da Federación Española de Baloncesto o trabalho a realizar com jogadores internacionais (esta temporada tivemos quatro atletas chamados às selecções).
Formação:
Licenciado em Ciências do Desporto – FMH
Mestrado em Ensino da Educação Física nos Ensinos Básico e Secundário – FMH
Master in High Performance Sports: Strength and Conditioning – UCAM
NSCA Certified Strength and Conditioning Specialist (CSCS,*D)
Experiência profissional actual:
Coordenador de Preparação Física do UCAM Club de Baloncesto.
Preparador Físico de jogadores de basquetebol de diferentes categorias e níveis competitivos (atletas internacionais em escalões de formação, EBA, ACB).
por TOMÁS FREITAS