O duelo entre Warriors e Celtics que começa esta quinta-feira marca apenas apenas a segunda vez que estes dois franchises se cruzam no palco principal da NBA. Tal facto está longe de significar que o duelo carece de história. As equipas defrontaram-se pela primeira e única vez nas Finais em 1964, mas o duelo é um dos marcos definitivos da liga, assinalando o primeiro embate nas finais daquela que foi talvez a primeira grande rivalidade individual lendária da NBA: foi o primeiro de dois encontros entre Bill Russell e Wilt Chamberlain em Finais.
Apesar de estarmos perante duas das três equipas com mais presenças em Finais da NBA – os Celtics vão para a 22.ª e os Warriors para a 12.ª, apenas atrás dos Lakers, que somam 32 –, o único título disputado directamente entre as duas aconteceu há 58 anos – 21.222 dias, foi há quanto tempo Celtics e Warriors se defrontaram pela última vez nas Finais da NBA.
Antes desse confronto, os dois franchises ainda disputaram três séries nos Playoffs, nos anos em que os Warriors ainda eram de Philadelphia. Contabilizando estas três séries, em 1958, 1960 e 1962, o registo de Boston é avassalador, tendo vencido as quatro séries com um registo acumulado de 16-7.
Foquemo-nos então no duelo nas Finais, em 1964. Boston estava no auge da sua dinastia dos anos 60. Vinha de cinco títulos consecutivos, seis em sete anos, oito presenças consecutivas nas Finais. Na imprensa da altura, a questão seria se os Celtics alguma vez voltariam a ser batidos.
Por outro lado, o lendário base Bob Cousy tinha-se retirado no final da época anterior e deixava um vazio na organização do ataque de Red Auerbach. Embora a equipa nunca chegasse a jogar com um verdadeiro base e do facto de nenhum jogador ter chegado à primeira equipa All-NBA, o domínio continuou a ser avassalador, com os Celtics a conseguirem um registo de 59-21, o melhor da NBA. O elenco que apoiava Bill Russell era de grande qualidade. Contava com um jovem John Havlicek, que com a reforma de Cousy ganhou um papel de maior relevo na equipa, para além de Sam Jones, Tom Heinsohn e do incrível defesa K.C. Jones – e ainda contavam com o contributo do poste marcador de pontos Clyde Lovellette, ainda que já longe do auge da carreira que viveu nos Lakers, Royals e Hawks.
Antes de chegar às Finais, Boston bateu em cinco jogos os Cincinnati Royals de Oscar Robertson, MVP da época regular, e Jerry Lucas, Rookie do Ano. (A Liga ainda não estava estabelecida e contava nesta altura com apenas 10 equipas – e apenas 9 na temporada seguinte, por exemplo –, o que tornava o caminho até às Finais consideravelmente mais curto)
Do outro lado, os San Francisco Warriors chegavam às Finais pela primeira vez desde a mudança de cidade. Embora não estivesse à altura do conjunto dos Celtics, Wilt Chamberlain contava na equipa com o futuro Hall of Famer Nate Thurmond, ainda rookie mas já uma força da natureza, assim como o base Guy Rodgers, Al Attles e o “Mad Russian” Tom Meschery– o primeiro estrangeiro All-Star da NBA (e um descendente do escritor Tolstoi).
A última presença dos Warriors nas Finais havia sido em 1956, quando conquistaram o título frente aos Pistons, na altura sediados Fort Wayne. (Sim, os Pistons eram do Oeste e os Warriors eram do Este. O nó no cérebro é compreensivo. Esperem até perceberem que os Bucks foram campeões em 1971 saídos do Oeste. E a jogarem em Milwaukee, sim).
A chegada às Finais marcava também a estreia de Wilt Chamberlain em jogos do título, e logo contra Bill Russell. Opunha, por isso, as duas figuras maiores da geração, que ao mesmo tempo representavam também a colisão de duas abordagens ao jogo diametralmente opostas, que até hoje levam discussões intermináveis de mais-valia.
De um lado, Bill Russell, o expoente máximo de uma vontade insaciável de vencer, que mesmo nunca ultrapassando os 19 pontos por jogo numa época somou cinco troféus de MVP na carreira. Um líder que fazia os colegas melhores e que dominava o jogo na defesa. Do outro, Wilt Chamberlain, um jogador de talento infinito, com uma capacidade atlética nunca vista no desporto, que acumulou todos os recordes possíveis de imaginar na marcação de pontos, mas nem sempre traduziu o domínio absoluto em sucesso colectivo.
O resultado fica à vista se olharmos para duas estatísticas.
Estatísticas em confrontos na fase regular (94 jogos)
Bill Russell: 14.2 pontos, 23.0 ressaltos e 4.4 assistências
Wilt Chamberlain: 30.0pts, 28.2 ressaltos e 3.8 assistências
Registo: Russell 57-37 Chamberlain
Estatísticas em confrontos nos Playoffs (49 jogos)
Bill Russell: 14.9pts, 24.7 ressaltos e 4.9 assistências
Wilt Chamberlain: 25.7pts, 28.0 ressaltos e 4.1 assistências
Registo: Russell 29 – 20 Chamberlain
Numa análise muito superficial, vemos uma vantagem na produção individual de Wilt (que esmorecia ligeiramente nos Playoffs) contrariada pelo maior sucesso de Bill Russell em termos de vitórias – em 143 jogos, venceu 86 e perdeu 57 contra Wilt Chamberlain.
As Finais de 1964 são um pequeno microcosmos das duas formas diferentes de abordar o jogo: os Celtics venceram o sexto título consecutivo em cinco jogos, mas os números podem levar os mais desatentos a observar que Wilt teve uma melhor série que Bill Russell (29.2 pontos e 27.6 ressaltos de Wilt contra 11.2 pontos e 25.2 ressaltos de Russell). Uma conclusão que é amplamente contrariada pelos relatos dos jogadores da altura – desde colegas de equipa de Bill Russell a parceiros de Wilt Chamberlain como Jerry West, passando por outras personalidades da NBA.
Para lá do duelo entre os dois gigantes, as finais de 1964 não têm grande história. Os Celtics venceram sem dificuldades os dois primeiros jogos da série, com a única vitória dos Warriors a chegar no jogo 3, antes de dois novos triunfos de Boston para fechar a série.
Infelizmente, não há muitos registos de vídeo dos duelos entre Wilt Chamberlain e Bill Russell. (A NBA terá alguns registos que mantém guardados na gaveta, por alguma razão. Partilhem o que têm!) No YouTube é possível encontrar, no entanto, um vídeo com a transmissão quase integral do Jogo 4, que aqui deixo para uma viagem no tempo. Este foi, à data, um dos jogos mais renhidos numas Finais da NBA, apenas resolvido nos últimos instantes (terminou 98-95).
Uns anos mais tarde, Bill Russell e Wilt Chamberlain voltaram a defrontar-se nas Finais – desta vez com Wilt nos Lakers, para onde foi trocado por tuta-e-meia. O desfecho não foi diferente. Boston saiu por cima, desta feita em sete jogos – e com Bill Russell a destacar-se no encontro decisivo, como foi sendo regra ao longo da sua carreira de 11 títulos. Essa história fica para um outro dia. Por agora, aproveitemos as Finais.
por JOSÉ VOLTA E PINTO [@zevolta97]